sábado, 9 de agosto de 2008

VOCAÇÃO: CHAMADOS PARA QUÊ?

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Estamos no mês de agosto, o “mês vocacional”. Ao longo dos domingos deste mês, a Igreja Católica no Brasil, como de costume, quer celebrar alguns aspectos da vocação cristã. No primeiro domingo, dia 3, a vocação ao ministério ordenado como presbítero; no segundo domingo, dia 10, a vocação à paternidade; no terceiro domingo, dia 17, a vocação à vida religiosa; no quarto domingo, dia 24, a vocação a ser catequista, isto é, pessoas que, como na origem da Igreja, a partir da catequese bíblica, buscam responder ao chamado do Senhor dedicando-se ao “ensinamento dos apóstolos” (At 2,42), para que a comunidade cresça na fé e no compromisso.

Quando ocorre de o mês de agosto ter cinco domingos, como neste ano, a Igreja reserva o quinto domingo, para homenagear todos os cristãos “leigos” (do grego laós: povo, gente, multidão. Cf. Mt 26,5; Jo 11,50; At 3,12; 15,14; Ap 5,9; 21,3), sobretudo os mais engajados, verdadeiros agentes de pastoral, pois na realidade “os fiéis leigos são homens e mulheres da Igreja no coração do mundo, e homens e mulheres do mundo no coração da Igreja” (DA, n. 209). Portanto, ser “leigo” não é nada depreciativo, mas é ser legitimamente membro do “povo” de Deus. Afinal, Jesus também era “leigo”, não pertencia a nenhuma linhagem ou casta sacerdotal, que nós chamamos de clero (do grego cléros: melhores). Jesus era gente do povo.

No segundo domingo deste mês, dia 10, o “Dia do pai”, a Igreja dará abertura a “Semana da Família”, que se encerrará no domingo seguinte, com a festa da “Assunção de Nossa Senhora”. Neste ano, o subsídio proposto pela CNBB traz como tema: “Família, santuário da vida”, e como lema: “Escolhe, pois, a vida”. Neste subsídio, cada família reunida é animada a refletir e a rezar a partir de temas bem concretos ao longo da semana: a) “Família, santuário da vida”; b) “A vida é dom de Deus”; c) “Família, escola da humanização”; d) “Família, escola da fé”; e) “Família, primeira comunidade-igreja”. Ao final da semana, há uma sugestão litúrgica: “Celebrar a vida em família”.

Por aí vemos que, além da vida, a vocação nasce na família. Mas diante de tantos conflitos pelos quais passam as famílias atualmente, nos perguntamos com João Paulo II: “Como fechar os olhos para as grandes situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral?” Porque, continua ele, “a salvação da pessoa e da sociedade está estreitamente ligada ao bem-estar da família” (DP, n. 573).

Em face desta questão surgiram muitas iniciativas com o intuito de atender a este apelo, como a Pastoral dos Noivos, a Pastoral Familiar, os Encontros de Casais, os Grupos de Mulheres, os Grupos de Reflexão, a Pastoral Vocacional, etc. Além disso, no Documento de Aparecida, os bispos apresentam uma boa reflexão sobre “A boa nova da família” (DA, nn. 114-119). Também uma ótima abordagem sobre “A pessoa e a família” nós encontramos nas novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (Documento da CNBB, 87, nn. 128-136).

Voltando ao tema fundamental deste artigo, todos nós sabemos que vocação é um “chamado” (do latim vocare: chamar, convidar, convocar). Podemos discorrer sobre vocação sob três aspectos principais:

a) Vocação humana. Todos nós somos chamados à vida, à saúde, ao trabalho, à família, à paternidade/maternidade, à liberdade, à realização, etc.. E dentro deste aspecto, podemos falar da pessoa vocacionada em três perspectivas básicas: a psicológica: para vários teóricos da vocação (Rogers, Erickson, Holland) a auto-realização é a motivação fundamental que está na raiz de qualquer escolha vocacional; a antropológica: o “dever-ser” ou o “dever agir” corresponde ao “ser” da realidade humana; e a moral: esta visão ética da pessoa leva à descoberta e à construção de um humanismo ético (agir bem). A preocupação atual recai sobre o ser humano, pois “todas as coisas existentes na terra são ordenadas ao homem como a seu centro e ponto culminante” (GS, n. 235). É aí que a pessoa desenvolve seu senso de autonomia e responsabilidade. Assim, o que constitui a grandeza do ser humano é a dimensão ética da existência: capacidade de dizer não à sua vontade de poder e prazer, para se abrir ao outro (alteridade).

b) Vocação pessoal. Neste aspecto, cada indivíduo, cristão ou não, se sente impelido a uma missão específica, baseada na alteridade e na gratuidade, em vista do bem comum, seja na Igreja ou na sociedade.

c) Vocação cristã. Na qualidade de cristão, cada um é convidado a assumir a missão de Jesus Cristo. Neste feitio, a missão é o elemento essencial da vocação. Segundo a Bíblia, quando alguém é chamado por Deus, consecutivamente é chamado para alguma coisa. Sempre recebe de Deus uma missão (Cf. Is 61,1-2; Jr 1,4-10; etc.).

Oportunamente, costumamos distinguir e assim definir os termos “vocação” e “profissão”. A profissão está ligada diretamente a uma habilidade profissional, como forma de sustentar a vida. A vocação, por outro lado, está sempre dentro de um contexto de aliança, isto é, proposta de Deus e resposta do ser humano, o que exige sempre uma disposição para uma missão ou serviço (voca + ação: chamado para servir) a favor de Jesus e do seu Reino.

A vocação cristã acontece desde o momento que procuramos responder ao chamado de Jesus que diz: “Sigam-me” (Mc 1,17; Mt 4,19). A partir daí formamos a Igreja. A Igreja é uma “comunidade” (Cf. At 2,42-47; 4,32-35; 5,12b-14). E os membros de uma comunidade, pelo batismo, são todos chamados e consagrados, ou seja, ungidos com óleo como Cristo (Cf. Lc 4,18-22; 2Cor 1,21) e enviados para uma missão (Cf. Mt 4,18-22; Mt 10,5-14; Mc 1,16-20; Mc 3,13-15; Mc 6,6b-13; Lc 9,1-6; Lc 10,1-3).

A comunidade é a fonte e o fundamento da vocação e missão, da vida e do crescimento da Igreja. Na comunidade cada membro torna-se igualmente responsável pela evangelização; pela construção do Reino de Jesus; pelas crianças, adolescentes e jovens; pelas famílias; pelos idosos e enfermos; pela justiça social; pela libertação dos pobres e oprimidos; pela ecologia; pela defesa do nosso planeta; etc..

É na comunidade, a partir dela e por ela que se desperta e se desenvolve a vocação de cada pessoa, ou seja, os “ministérios” e “carismas” (Cf. 1Cor 12,4-11). Na comunidade de fé, cumprimos várias funções: uns convidam as pessoas; outros arrumam o ambiente para as reuniões ou celebrações; outros lêem a Bíblia; outros animam os cantos; outros cuidam dos idosos ou dos enfermos; outros visitam as famílias; outros assumem a catequese; outros presidem as celebrações eucarísticas, ou seja, os ministros ordenados, os presbíteros. Todas as funções colocadas a serviço.

Assim, de um jeito ou de outro, como cristão leigo(a), como religioso(a), ou como ministro ordenado (padre), todos nós exercemos funções importantes e necessárias, com a mesma e igual dignidade. Não existe uma única função. Pois a principal função, como nos ensina o apostolo Paulo, fazendo jus ao “Ano Paulino”, é a da “caridade” (1Cor 13,13), “o dom mais alto” (1Cor 12,31a) que o Espírito nos concede. De fato, sem viver na prática esse amor despojado como razão da nossa vocação, por mais qualidades, dons e carismas que nós tenhamos, “nada disso nos adiantaria” (1Cor 13,3). Porque a caridade é “o amor que eu quero” (Os 6,6; Mt 9,13; 12,7), como o próprio Deus nos pede. E isso cabe a todos nós, vocacionados e vocacionadas. Pois “em Jesus Cristo, o que conta (...) é a fé que age por meio do amor” (Gl 5,6). Portanto, “devemos apostar na caridade” (NMI, n. 49).

Para concluir, peço sobre todos a bênção de Jesus, que “sendo o Mestre e Senhor, lavou os pés dos seus discípulos” (Jo 13,14a) e nos deixou este gesto como desafio: “Eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,15). E que a Virgem Maria, a vocacionada do Pai, nos ajude a responder “Sim” ao chamado de Deus com a sua mesma coragem e firmeza: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa Palavra” (Lc 1,38).

 
©2007 '' Por Elke di Barros