quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"NASCEU PARA VÓS UM SALVADOR" (Lc 2,11)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2,11-12). Com estas palavras do anjo aos pastores, tiradas do Evangelho da Missa da Vigília de Natal, inspirei-me a escrever este artigo sobre o "Natal de Jesus".

Frequentemente o povo pergunta qual o dia e o mês em que Jesus nasceu. Para nós, cristãos, a única fonte escriturística que temos são os Evangelhos. Porém, nos relatos bíblicos não encontramos nenhuma referência datal a respeito do nascimento de Jesus, pois os Evangelhos não são crônicas ou narrações biográficas minuciosas a respeito dele. Os Evangelhos trazem, sim, a experiência de fé dos cristãos do primeiro século baseada no Cristo Ressuscitado. Mas para falar do Senhor Glorioso, é necessário pensar no mesmo Jesus de Nazaré que um dia nasceu. Vemos aí uma perfeita relação de continuidade entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Desta feita, sobre o nascimento de Jesus sabemos muito pouco.

No entanto, o que vale para nós cristãos, é que o Natal é a comemoração e a celebração da maior expressão do amor de Deus por nós; do dia em que Deus nasceu no mundo, trazendo paz, luz, amor, esperança, uma nova aliança, enfim uma nova vida. Segundo o Evangelho, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, “nasceu em Belém” (Cf. Mt 2,1; Lc 2,6), no meio dos pobres e marginalizados, “colocado na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7b). Com isso, o Verbo encarnado mistura-se a toda a humanidade, oferecendo-lhe a presença e a reconciliação de Deus.

A respeito deste acontecimento e data, há muitas discussões e tradições herdadas do passado. A razão é que naquela época os calendários eram muito confusos. No primeiro calendário romano, por exemplo, que era um calendário lunar, o ano tinha apenas 10 meses de 30 ou 31 dias, que totalizavam 304 dias e os demais 61 dias que coincidiam com o inverno não entravam no calendário havendo pouco interesse de acompanhamento temporal neste período do ano. Por volta de 713 a.C., deu-se a primeira reforma deste calendário, onde foram reduzidos os meses de 30 dias para 29 dias e adicionados os meses de Janeiro (29 dias) e Fevereiro (28 dias), transformando-o em um calendário luni-solar, num total 355 dias. Assim, pela dificuldade de se fazer registros históricos da época, o povo em geral não conhecia e nem se lembrava das datas de nascimento, de casamento ou de falecimento.

Por isso, as comunidades cristãs do primeiro século não comemoravam o nascimento de Jesus. Os Evangelhos apenas nos informam que Jesus nasceu antes da morte de “Herodes, rei da Judéia” (Lc 1,5; Cf. Mt 2,1), o qual faleceu na primavera de 750 da era romana, ou seja, no ano 4 a. C.. Assim sendo, conforme os estudiosos, o ano mais provável do nascimento de Jesus seria o 7º ou o 6º ano antes da era cristã. Sobre a definição do dia 25 de dezembro, temos alguns dados extraordinários.

Os Celtas (povo originário da região sudoeste da Alemanha, leste do Reno, no fim do período do Bronze I [2500-1900 a.C.] e que espalhou-se pela Europa entre os séculos VI a I a.C., quando sofreu a dominação do Império romano), por exemplo, tratavam o Solstício do Inverno (quando a luz solar incide com maior intensidade sobre o hemisfério norte) como um momento extremamente importante em suas vidas. Percebendo eles que o inverno ia chegar, com longas noites de frio, e muitas vezes com poucos gêneros alimentícios e rações para si e para os animais, e sem saberem se ficariam vivos até a próxima estação, faziam então um grande banquete de despedida no dia 25 de dezembro. Seguiam-se 12 dias de festas, terminando no dia 6 de Janeiro, data que para nós, cristãos, coincide com a festa da “Epifania do Senhor”.

Em Roma, o Solstício do Inverno também era celebrado muitos séculos antes do nascimento de Jesus. Os romanos chamavam-no de Saturnálias (Férias de Inverno), em homenagem a Saturno, o Deus da Agricultura, que permitia o descanso da terra durante o inverno.

Em 274 o Imperador romano Lúcio Domício Aureliano (270-275) proclamou o dia 25 de dezembro, como “Dies Natalis Invicti Solis” (Dia do Nascimento do Sol Inconquistável). O Sol começou a ser venerado. Buscava-se o seu calor que ficava no espaço muito acima do frio do inverno na Terra. O início do inverno passou a ser festejado como o dia do Deus Sol.

A partir daí, o Papa Júlio I (337-352) decretou, no ano 350, que o nascimento de Cristo deveria ser comemorado no dia 25 de Dezembro, substituindo a veneração ao Deus Sol pela adoração ao Salvador Jesus Cristo, "a luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem" (Jo 1,9). O nascimento de Cristo passou a ser comemorado no Solstício do Inverno em substituição às festividades do Dia do Nascimento do Sol Inconquistável.

Para nós, habitantes do Hemisfério Sul, se considerarmos o Solstício do Inverno, não há razão real para comemorarmos o Natal do Senhor Jesus no dia 25 de dezembro. Porque nesta data vivemos os primeiros dias do verão e não do inverno. Porém, herdamos as tradições cristãs que vieram do Hemisfério Norte e isso nós respeitamos.

Assim sendo, o que profundamente nos interessa é celebrarmos este ato de amor maravilhoso de Deus. Um Deus que veio ao mundo e inaugurou uma nova vida entre nós. Este é o grande motivo da nossa festa. Até porque, natal sem Jesus não é natal.

Face a isso, o Magistério eclesial nos ensina que “a história da humanidade, história que Deus nunca abandona, transcorre sob seu olhar compassivo. Deus amou tanto nosso mundo que nos deu seu Filho. Ele anuncia a boa nova do Reino aos pobres e aos pecadores. Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas. Os cristãos são portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” (DA, n. 29).

A partir desse magnífico evento de amor que é o Natal de Jesus, o Magistério eclesial expressa também o seu grande anseio: “desejamos que a alegria que recebemos no encontro com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como o Filho de Deus encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos pelas adversidades; desejamos que a alegria da boa nova do Reino de Deus, de Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte, chegue a todos quantos jazem à beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (Cf. Lc 10,29-37; 18,25-43). A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e agoniado pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DA, n. 32).

Voltando agora ao texto de Lucas supracitado, podemos perceber dois dados importantes nas palavras do anjo aos pastores. Primeiro, o anúncio da “Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo” (Lc 2,10). De fato, a Boa Notícia mostra que o Menino que nasceu é o Salvador, porque trouxe a libertação e a salvação definitivas; expõe que ele é o Messias, porque é o ungido, o Cristo de Deus que veio estabelecer uma relação de justiça e amor entre nós; indica e que ele é o Senhor, porque derruba todos os obstáculos da nossa caminhada, conduzindo-nos com segurança dentro de um tempo novo.

Em segundo lugar, a emergente necessidade de uma intervenção direta de Deus para que o Messias/Cristo fosse identificado, através de um “sinal”, em razão das circunstâncias estranhas do seu nascimento: “vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2,12). Isto porque Jesus, filho de “José, que era descendente de Davi” (Lc 1,27), não nasceu num palácio real. Foi exatamente entre os deserdados da vida e para os sofredores e desprezados que nasceu “o Salvador, o Cristo, o Senhor”. Por isso, os pastores, figura tipo dos pobres e marginalizados da época, foram os primeiros missionários que receberam a responsabilidade de anunciarem a chegada de Jesus.

Também hoje, devemos saber identificar os ambientes e as realidades onde Jesus está concretamente presente, a fim de que o encontremos. Para nos ajudar nesse processo, o Magistério eclesial nos aponta alguns “lugares de encontro com Jesus Cristo”, a saber: “na Igreja” (DA, n. 246); “na Sagrada Escritura” (DA, n. 247); “na Sagrada Liturgia” (DA, n. 250), de modo privilegiado “na Eucaristia” (DA, n. 251); “no Sacramento da Reconciliação” (DA, n. 254); “na oração pessoal e comunitária” (DA, n. 255); “em meio a uma comunidade viva na fé e no amor fraterno” (DA, n. 256); e “de um modo especial, nos pobres, aflitos e enfermos (Cf. Mt 25,31-46)” (DA, n. 257).

No mundo de hoje, na correria da vida, quase não temos tempo para encontrarmo-nos com Jesus, para celebrarmos e vivermos esta “grande alegria”. Em vista disso, o papa Bento XVI muito bem asseverou: “Nós temos sempre pouco tempo, especialmente para o Senhor. Às vezes, não sabemos ou não queremos encontrá-lo. Mas Deus tem tempo para nós. Dá-nos seu tempo porque tem entrado na história com sua palavra e suas obras de salvação, para abri-la à eternidade e fazê-la história da aliança. O tempo é em si mesmo um sinal fundamental do amor de Deus: um presente que o ser humano pode valorizar, ou ao contrário, estragar; acolher seu significado, ou descuidar com superficialidade” (Notícias da CNBB, 02/12/2008).

Diante disso, vale à pena lembrar a canção: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (VANDRÉ, Geraldo. Pra não dizer que não falei das flores). Assim, empenhemo-nos, enquanto há tempo. Porque “quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos” (At 4,20). E “o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam é a Palavra, que é a Vida” (1Jo 1,1), isto é, o próprio Jesus.

Para concluir, peço que a Virgem Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, estrela da nova evangelização, primeira discípula e grande missionária do Pai nos abençoe e nos ajude a sermos verdadeiros proclamadores desta grande e boa notícia: “nasceu para nós um Salvador que é o Messias, o Senhor”.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

MEUS AGRADECIMENTOS

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Caros amigos e amigas, meus fiéis leitores. O motivo fundamental deste escrito é agradecer, de coração, todos os gestos de amor, de amizade e carinho dispensados a mim, tanto daqui de onde eu estou trabalhando como de vários cantos do Brasil, especialmente de SP, e também do exterior, por ocasião dos meus vinte e um anos de sacerdócio ministerial.

Para a Celebração e os festejos, fiz questão de realizar o evento aqui na cidade de Miranda, MS, onde reside a minha família, e na cidade de Mairiporã, SP, onde residi e trabalhei por quase dois anos e onde deixei um volumoso número de amigos.

Aqui na cidade de Miranda, a Celebração foi realizada no dia 9 de dezembro, às 19h30. Como podem verificar pelas fotos neste mesmo blog, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo ficou quase lotada, considerando que era um meio de semana, e muitos não puderam comparecer. A Celebração da Santa Missa foi muito bem preparada, com os comentários bastante consistentes e as leituras bem feitas. Além disso, toda a assembléia cantou magnificamente os cantos. Foi realmente emocionante.

Ao final da Celebração, foram-me feitas as devidas homenagens e agradecimentos, o que deverasmente muito me comoveu. Quanto a parte festiva, os meus alunos da Escola Bíblica decidiram fazer no dia 14 de dezembro, dia que teríamos aula. Porém, fui recebido com uma grande festa surpresa. Visivelmente emocionado, fiz meus agradecimentos e, logo depois, a palavra foi aberta para que cada um falasse alguma coisa. Muitas foram as falas de benquerer. Nesse momento, senti o quanto eu era querido e estimado pelos mais de sessenta alunos da Escola Bíblica.

Ao terminar a festa, foi-me lida esta mensagem que aqui a transcrevo na íntegra: “Padre Paulo Nunes, mesmo que os espinhos sejam muitos, prove que você nasceu para vencer. Mesmo que as dificuldades estejam presentes em sua vida, prove que você nasceu para vencer. Mesmo que muitos surjam para dizer que nada dará certo, prove que você nasceu para vencer. Mesmo que as rejeições e as frustrações pareçam insuportáveis, prove que você nasceu para vencer. Na vida muitos não irão ajudá-lo, mas, se quiser, você muito bem pode e é capaz de mostrar e de provar que nasceu para vencer. Um abraço e parabéns pelo seu ministério sacerdotal. Nós te amamos” - Seus alunos da Escola Bíblica.

Esta expressão de carinho muito me comoveu, por perceber aí grande sensibilidade dos alunos e amigos da Escola Bíblica. Prontamente lembrei-me do que dizia o filósofo francês católico Jacques Maritain: “Não amamos qualidades, amamos uma pessoa; às vezes tanto pelos seus defeitos quanto por suas qualidades”.

Quanto a Celebração na cidade de Mairiporã, assim eu me expressei, no início: Caros irmãos e irmãs, meus ex-paroquianos de Mairiporã, novamente faço-me presente a esta “Aldeia bonita” (em tupi-guarani: mairy poranga) que aprendi a gostar tanto. Reitero mais uma vez que, apesar da distância (pantanal do MS), não meço esforços para rever os grandes e sinceros amigos e amigas que aqui deixei. De fato, quando há amor verdadeiro, “que importa se a distância estende entre nós léguas e léguas? Que importa se existem entre nós muitas montanhas?” (Vinícius de Maraes).

A Celebração da Santa Missa, seguida da festa, ocorreu na sede da OAB-SP, situada à Rua Ipiranga 499, s/loja, região central da cidade, no dia 19/12, às 20h. O local foi prontamente cedido pelo Ilmo. Sr. Advº Miguel Nagib Moussa, presidente desta 129ª Subseção da OAB em Mairiporã, a quem muito cordialmente agradeço.

O “espaço litúrgico” ficou repleto de convidados e estava rigorosamente preparado, atendendo a dimensão funcional e a simbólica da liturgia, como pede a atual Instrução Geral sobre o Missal Romano: “tudo isso, deve constituir uma unidade íntima e coerente pela qual se manifeste com evidência a unidade de todo o povo de Deus. A natureza e beleza do local e de todas as alfaias (objetos litúrgicos) alimentem a piedade dos fiéis e manifestem a santidade dos mistérios celebrados” (n. 294). Para esse arranjo, o empenho, como sempre, foi dos meus ex-alunos do Grupo de Estudos Bíblicos (GEBI).

Maravilhosa foi a Celebração. Após a comunhão eucarística, foram apresentadas duas encenações: uma, dirigida pela Claudete, baseada no tema de um jovem que deixou tudo para seguir a Jesus; e outra, conduzida pelo casal Luiz Brilha e Vilma, sobre o nascimento de Jesus. Tudo ficou magnífico. Seguindo-se a isso, foram feitas as justas homenagens e oportunos agradecimentos. Neste ensejo, também me foram transmitidas as felicitações de D. Bruno Gamberini, Arcebispo Metropolitano de Campinas, o que extremamente me lisonjeou.

Da minha parte, só restou um “muitíssimo obrigado” a todos, indistintamente, por ver tanta dedicação e tamanho carinho para comigo. Outro acontecimento que igualmente bem me comoveu foi o encontro com tantas pessoas que me reconheceram enquanto eu caminhava pelas ruas da cidade, apesar de eu ter me mudado de Mairiporã a mais de cinco anos. Recebi inúmeros abraços de carinho e de amizade, carregados de consideração pelo meu trabalho proficuamente ali realizado. Vejo isso como algo enobrecedor, pois é muito importante para um padre poder voltar, tranqüilo e sereno, ao lugar onde trabalhou, com a boa consciência de ter ali cumprido a sua missão, isento de qualquer tipo de hipoteca.

Para rematar, peço a Deus que abençoe a mim e a todos os meus irmãos de sacerdócio. E que a “Bem Aventurada” Virgem Maria, Rainha do Clero, interceda por todos nós, mirandenses, mairiporanenses e todo o povo de Deus.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

MEUS 21 ANOS DE SACERDÓCIO MINISTERIAL

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Lembro-me da fé sincera que há em você. (...) Por esse motivo, o convido a reavivar o dom de Deus que está em você pela imposição de minhas mãos” (1Tim 1,5a.6; Cf. 1Tim 4,14-16).

Caros amigos e amigas, a quem cordialmente considero meus irmãos e irmãs em Cristo Jesus, estas palavras do apóstolo Paulo dirigidas a Timóteo bem servem para guiar este artigo a respeito dos meus vinte e um anos de “sacerdócio ministerial” (10/12/1988 - 10/12/2009). E faço-o com desmedida emoção, pois estamos exatamente no coração do “Ano Sacerdotal” proclamado por Bento XVI, sob o tema: “Fidelidade de Cristo, fidelidade do Sacerdote”, com o objetivo de “contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo” (Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal, por ocasião do 150º aniversário do “dies natalis” do Santo Cura d’Ars, 16/06/09).

Segundo o Cardeal Dom Claudio Hummes, de quem recebi o Sacramento da Ordem Diaconal, a 19/03/1988, e atual Prefeito da Congregação para o Clero, “os presbíteros, como ministros ordenados e principais colaboradores do respectivo Bispo, estão sacramentalmente ligados a missão apostólica. Este ano especial foi proclamado pelo Santo Padre em favor dos presbíteros, em razão do seu caráter insubstituível e devido à sua importância na Igreja. Como tais, necessitam hoje, de modo especial, de apoio e de renovação espiritual e pastoral” (Homilia pronunciada por ocasião do curso aos bispos de recente nomeação reunidos em Roma, 21/09/09).

Também minha atenção está voltada para o 13° Encontro Nacional de Presbíteros (ENP), que acontecerá de 3-9/02/2010, em Itaici, município de Indaiatuba, São Paulo, com o tema: “ENPs, 25 anos celebrando e fortalecendo a comunhão presbiteral” e o lema: “Eu me consagro por eles” (Jo 17,19a). Minha particular esperança é que este evento, dentro de um âmbito maior, como vimos, seja realmente um instrumento de comunhão e de confirmação da caminhada ministerial, procurando traduzir as aspirações, sentimentos e necessidades de todos nós, os presbíteros.

Quase vinte anos atrás, João Paulo II assinalou o ideal de um verdadeiro presbitério alicerçado nos princípios humanos e evangélicos. Segundo ele, “a fisionomia do presbitério é a de uma verdadeira família, de uma fraternidade, cujos laços não são da carne nem do sangue, mas os da graça sacramental da Ordem: uma graça que assume e eleva as relações humanas, psicológicas, afetivas e espirituais entre os sacerdotes; uma graça que se expande, penetra, se revela e concretiza nas mais variadas formas de ajuda recíproca, não só espirituais mas também materiais. A fraternidade presbiteral não exclui ninguém, mas pode e deve ter as suas preferências: são as preferências evangélicas, reservadas a quem tem maior necessidade de ajuda ou encorajamento. Assim, essa fraternidade ‘tem um cuidado especial pelos jovens presbíteros, tem um cordial e fraterno diálogo com os de meia idade e os de idade avançada e com os que, por razões diversas, experimentam dificuldades; e também aos sacerdotes que abandonaram esta forma de vida ou que não a seguem, não os abandona, pelo contrário, acompanha-os ainda mais com fraterna solicitude" (Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, sobre a formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais, n. 74g, 25/03/1992. Os realces gráficos são meus).

Nesta minha caminhada de vinte e um anos de “sacerdócio ministerial”, sempre servindo à Igreja de Jesus e ao seu Evangelho, penso que aquele ideal apontado por João Paulo II ainda continua como urgente desafio a ser perseguido cotidianamente. Entendo que precisamos avançar mais, e bem mais, na amizade, na fraternidade, na solidariedade e na compaixão entre nós. E aí levanto uma questão basal: será que o povo a quem servimos, percebe que realmente nós padres somos amigos uns dos outros? Que nós nos amamos uns aos outros?

Porque o que vale para nós em relação ao povo, vale, em princípio, para nós também em relação a nós mesmos, como ensinou João Paulo II, no que se refere a “formação humana” do sacerdote, ao dizer que “de particular importância, se coloca a capacidade de relacionamento com os outros, elemento verdadeiramente essencial para quem é chamado a ser responsável por uma comunidade e a ser ‘homem de comunhão’. Isto exige que o sacerdote não seja arrogante nem briguento, mas afável, hospitaleiro, sincero nas palavras e no coração, prudente e discreto, generoso e disponível para o serviço, capaz de oferecer pessoalmente e de suscitar em todos relações francas e fraternas, pronto a compreender, perdoar e consolar” (PDV, n. 43c. Os realces gráficos são meus).

Percebemos nessa orientação magisterial de João Paulo II, que o elementar na vida do “ministro ordenado” perpassou por todos os séculos, desde o começo, como vemos nas palavras do apóstolo Paulo, quando ele definiu que o presbítero “deve ser hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo, piedoso, disciplinado, e de tal modo fiel à fé verdadeira, conforme o ensinamento transmitido, que seja capaz de aconselhar segundo a sã doutrina e também de refutá-la quando a contradizem” (Tt 1,8-9). E, inflexivelmente, isto deve perpetuar até o fim.

Da minha parte, sei comprovadamente que a caminhada é longa e difícil, e muitas vezes desalentadora. Além das alegrias, há também desafios, tropeços e ciladas, infelizmente muitas delas provenientes de onde nunca se espera. Frequentemente caímos, cansados, desfalecidos. Aí me lembro das palavras do anjo ao profeta Elias, no mais profundo da sua crise existencial: “levante-se e coma, pois o caminho é superior as suas forças” (1Rs 19,7). Realmente, é preciso levantar, recobrar os ânimos e caminhar, vendo nessa situação momento de graça, pois é no caminho que aprendemos a sermos humildes, tolerantes e a provarmos a vida e a dignidade, como no caso dos dez leprosos que “enquanto caminhavam, ficaram curados” (Lc 17,14b). Por isso, precisamos retomar a cada dia a nossa estrada, como dizia São Francisco de Assis: “até agora nada fizemos. Precisamos começar tudo de novo”.

Nesse tempo gracioso, muita coisa boa eu aprendi, que me fizeram amadurecer. Senti na carne aquele conselho do autor sapiencial: “meu filho, se você se apresenta para servir ao Senhor, prepare-se para a provação. Tenha coração reto, seja constante e não se desvie no tempo da adversidade. Seja paciente nas situações dolorosas, porque o ouro é provado no fogo, e as pessoas escolhidas, no fogo da humilhação” (Sir 2,1-2.4-5; Cf. 2Cor 11,23-28).

Tendo vivenciado exatamente isso, hoje eu estou seguro que “as pessoas mais felizes não são aquelas livres de problemas, mas as que sabem lidar com eles” (Leo Buscaglia, professor e escritor italiano). De fato, “é sinal de grandeza e consciência de si quando alguém reconhece seus erros e sua visão limitada de ontem” (MARTINI, Cardeal Carlo Maria. Diálogos noturnos em Jerusalém. Sobre os riscos da fé. Paulus: São Paulo, 2008, p 119). Afinal, nos instruímos também nas falhas, nos reveses da vida, pois certamente “há derrotas que criam o sucesso e vitórias que criam o fracasso. As lições que tiramos dos tropeços são um verdadeiro tesouro para futuros triunfos. Ser um vencedor é assumir a responsabilidade nas derrotas e nas vitórias” (Roberto Shinyashiki, médico-psiquiatra, autor de temas de auto-ajuda).

Enfim, o Evangelho nos mostra que quem tem “a marca dos pregos nas mãos” e “no lado”, é um ressuscitado (Cf. Jo 20,25). Ou seja, “quem tem os estigmas, e não os esconde nem deles se envergonha, testemunha, precisamente, que a ferida impressa pela “morte” (a morte da renúncia à ternura de um afeto humano) não tem poder mortal, já não é morte, mas tornou-se fonte de vida” (CENCINI, Amadeo. Virgindade e celibato hoje. Para uma sexualidade pascal. São Paulo: Paulus, 2008, p. 121-122).

Um outro aspecto importantíssimo para mim, é que nessa caminhada eu nunca estive sozinho. Sempre contei com o auxílio de três forças indispensáveis: em primeiro lugar, o alento de Deus, presença constante na minha vida, com aquela mesma confiança do apóstolo Paulo: “aquele que planta não é nada, e aquele que rega nada é: só Deus é que conta, pois é ele quem faz crescer” (1Cor 3,7); em segundo lugar, o vigor da minha família (mãe e irmãos), que mesmo sem entender direito as minhas circunstâncias, as minhas contradições pessoais, sempre esteve e está do meu lado; por fim, a energia dos meus verdadeiros e leais amigos, os quais são para mim um presente de Deus.

Na “Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal”, Bento XVI bem expressou que “no mundo atual, é preciso que os presbíteros, na sua vida e ação, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico”. Para tal, ele ressaltou o exemplo de São João Maria Vianey, a partir da vivência dos ‘conselhos evangélicos’, a saber: a pobreza, a castidade e a obediência.

Indiscutivelmente, tais características que marcam esse “vigoroso testemunho” são perenes, exatamente porque inspiradas no Evangelho. Assim sendo, sempre procurei viver o valor da “pobreza” não como uma teoria encantadora ou uma ideologia, mas na prática, sem privilégios e honrarias, desprovido de qualquer vantagem financeira e totalmente livre da ganância e do consumismo; sempre busquei viver a audácia da “castidade”, não como negação da minha subjetividade e nem da minha sexualidade, mas como entrega do meu coração ao Senhor de maneira indivisa, para poder servir com liberdade e dedicação ainda maiores aos meus irmãos, vivendo um amor aberto, alegre e honrado, na alteridade e na gratuidade para com todos, homens e mulheres, pobres ou não, jovens e crianças, sem distinção, ou seja, uma castidade “como sinal de amor sem reservas, estímulo de caridade que a todos abraça” (PAULO VI. Carta Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, sobre o celibato sacerdotal, n. 24, 24/06/1967); sempre me esforcei para viver a ousadia da “obediência”, não como subserviência, mas como adesão às exigências diárias do meu ministério, colocando-me totalmente à serviço da vida e da missão da Igreja, realizando a vontade de Deus.

Sobre o meu empenho para viver retamente este “vigoroso testemunho evangélico”, quem melhor pode dizer algo consistente a respeito, são as pessoas concretas, ajuizadas e comprometidas, memobros de fato do povo de Deus, em todas as doze paróquias onde residi, convivi e trabalhei ao longo de todos esses anos. Isso é tão verdadeiro que conservo, até hoje, grandes amizades, em todos esses lugares. Porque, como dizia São João Crisóstomo, Patriarca de Constantinopla (349-407), “um homem cheio de zelo, é quanto basta para transformar um povo”. E isso só é possível porque seguramente é o próprio Cristo quem age através dos seus escolhidos.

Mas sei que ainda não estou pronto, completo. Humildemente conto sempre com os indispensáveis auxílios como sugere o Cardeal Dom Cláudio Hummes: “Os nossos presbíteros precisam ser amados e sustentados na vocação e na missão, antes de tudo, pelo próprio Bispo e pela comunidade. Querem ser reconhecidos pelo que são e pelo que fazem; necessitam de ser ajudados e orientados para renovar em seus corações, a verdadeira identidade do sacerdócio e o verdadeiro sentido do celibato” (Homilia pronunciada por ocasião do curso aos bispos de recente nomeação reunidos em Roma, 21/09/09; Cf. Carta Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, n. 91). Porém, além do amor e da estima, da parte do Bispo e da comunidade, indispensável é a força da oração, tanto pessoal quanto comunitária. Porque, sem dúvida, "o presbítero para continuar fiel à Cristo e fiel à comunidade, necessita ser um homem de oração, um homem que vive na intimidade com o Senhor. Ele precisa, além do mais, ser confortado pela oração da Igreja e de cada cristão" (Cardeal Dom Cláudio Hummes, em: Notícias da CNBB, 10/12/2009).

Neste meu aniversário de “ordenação sacerdotal” relembro que Santo Ambrósio (340-397 d.C.), um dos quatro maiores doutores da Igreja e quem batizou Santo Agostinho, no seu livro “De Poenitentia”, fala dos seus temores e da sua relutância em ser bispo, de como sentia a própria indignidade. Em meio aos seus questionamentos, foram-lhe inspiradoras as palavras de Jesus dirigidas aos “chefes dos sacerdotes e anciãos do povo”, no Templo, sobre quem realmente fez a vontade do Pai”, donde a sua conclusão foi definitiva: “os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão no lugar de (no grego: proagusin) vocês no Reino do céu” (Mt 21,31c). Porque “os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele” (Mt 21,32b). Assim, eles e elas ajudam a revelar quem de fato nós somos.

Também a mim se apresenta agora a consciência da minha pequenez, de quão temerário e ousado é reassumir, hoje, o ministério presbiteral com a sua grandeza evangélica, mas também com as suas exigências e difículdades. E aqui, mais uma vez a mensagem de Bento XVI me surge como grande apoio: “À Virgem Santíssima entrego este Ano Sacerdotal, pedindo-Lhe para suscitar no ânimo de cada presbítero um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à Igreja que inspiraram o pensamento e a ação do Santo Cura d’Ars. Possa o seu exemplo suscitar nos sacerdotes aquele testemunho de unidade com o Bispo, entre eles próprios e com os leigos que é tão necessário hoje, como o foi sempre. Não obstante o mal que existe no mundo, ressoa sempre atual a palavra de Cristo aos seus apóstolos, no Cenáculo: ‘No mundo sofrereis tribulações. Mas tende confiança: Eu venci o mundo’ (Jo 16,33). A fé no divino Mestre dá-nos a força para olhar confiadamente o futuro. Amados sacerdotes, Cristo conta convosco. A exemplo do Santo Cura d’Ars, deixai-vos conquistar por Ele e sereis também vós, no mundo atual, mensageiros de esperança, de reconciliação, de paz” (Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal).

Para concluir, sirvo-me desta linda oração composta por Santo Ambrósio em vista do seu ministério: “Senhor, visto que me concedeste trabalhar para a tua Igreja, protege os frutos do meu trabalho. Tu chamaste-me ao sacerdócio quando eu era um filho perdido. Não permitas que eu me perca agora, que sou presbítero. Sobretudo, dá-me a graça da compaixão. Concede que eu saiba compadecer-me dos pecadores, do fundo do coração, pois é esta a virtude suprema (...). Concede-me ter compaixão de cada vez que eu for testemunha da queda de um pecador, que eu não o censure com arrogância, mas chore e me aflija com ele. Faz com que, chorando sobre o meu próximo, eu também chore por mim mesmo, aplicando a mim a própria Palavra: a prostituta é mais justa do que eu” (AMBRÓSIO. De Poenitentia, II, 8,67,63: PL 16,431).

Que Deus abençoe a mim e a todos os meus irmãos de sacerdócio ministerial. E que a Santíssima Virgem Maria, Rainha do Clero, interceda por todos nós. Assim seja!

 
©2007 '' Por Elke di Barros