sábado, 31 de outubro de 2009

“VINDE, BENDITOS DE MEU PAI” (Mt 25,34)

Pe. Paulo Nunes de Araújo



Em janeiro do ano que vem Bento XVI lançará a mensagem para a 44ª edição do Dia Mundial das Comunicações que será celebrado no dia 16/05/2010 (festa da Ascensão do Senhor). Por estarmos dentro do “Ano Sacerdotal” (19/06/2009-19/06/2010), na sua mensagem, cujo tema é: “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”, Bento XVI “convida os padres a considerar os novos meios de comunicação como um possível grande recurso para seu ministério a serviço da Palavra. Outro objetivo da mensagem é ser um encorajamento aos sacerdotes em sua vivencia com os desafios surgidos com a nova cultura digital” (Notícias da CNBB, em 30/09/2009).

Como já me sinto parte da chamada “geração digital”, fazendo-me chegar a vários cantos do mundo através desta fantástica “rede mundial” (a World Wide Web) de computadores interconectados (Internet), mais uma vez sirvo-me desta grande “mídia” para transmitir uma mensagem de fé e esperança aos meus leitores e leitoras a intento do “Dia dos fiéis defuntos”.

A história da “comemoração dos finados”, momento em que solenizamos a recordação de nossos falecidos, tem a sua origem e sua a evolução no tempo. Temos notícia de que o “culto dos mortos” é um dos mais antigos, surgido no meio agrícola e pastoril, e esteve presente em quase todas as religiões da época. Para os antigos, os mortos eram como sementes, e por isso eram enterrados na espera de um novo nascimento (ressurreição).

No século I, os cristãos tinham o costume de visitar os mortos, mas iam apenas aos túmulos dos mártires, daqueles foram mortos por defenderem e testemunharem a fé cristã. No século IV, o “Dia dos mortos” surgiu na Igreja Católica como uma ligação suplementar entre os mortos (Igreja Triunfante, constituída pelos que se encontram salvos) e os vivos (Igreja Militante, atuante no mundo). Afinal, o Senhor da vida “não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22,32). Esta prática que foi assumida por todo o mundo em geral.

A partir do século V, a Igreja Católica passou a dedicar um dia do ano para rezar pelos mortos, especialmente pelos mais esquecidos. No ano de 998, a Igreja começou a apontar um dia oficial para os mortos, o “Dia de Finados”. Por fim, entre os anos 1024 e 1033, a Igreja Católica fixou o dia 2 de novembro como o “Dia de Finados”, estabelecendo uma ligação deste dia com a “Solenidade de todos os santos”, a qual surgiu a 1º de novembro de 835.

Para os cristãos de modo geral, sobretudo nós católicos, esse “Dia” não pretende ser um momento fúnebre e triste, mas de fé e esperança, porque são “felizes os mortos, aqueles que desde agora morrem no Senhor” (Ap 14,13). Até porque “se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de vocês dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo também não ressuscitou; e se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também é vazia a fé que vocês têm” (1Cor 15,12-14).

O “Dia dos fiéis defuntos” quer ser também uma ocasião oportuna para nos lembrar que a nossa vida aqui na terra é passageira, transitória e que nós, seres humanos, somos a única criatura divina que “aspira a eternidade”, e que caminhamos para Deus, pois é para ele mesmo que fomos criados. Na verdade, “se a nossa esperança em Cristo é somente para esta vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens” (1Cor 15,19). Portanto, a morte deve ser vista como “fim bom”, meta almejada e um dia alcançada. Não há porque temer a morte.

O eminente teólogo e professor Leonardo Boff, assevera que “a morte pertence à vida, e a vida pertence à eternidade”, e que a morte “é a realização plena das virtualidades da vida”. Assim, é a vida que conta, como nos mostra a canção do Roberto Carlos e Erasmo Carlos: “É preciso saber viver”. Aliás, já dizia Confúcio, mestre e filósofo chinês, bem antes de Cristo: “Aprende a viver e saberás morrer bem”.

No entanto, mesmo para os que crêem, a realidade da morte até agora permanece um profundo mistério para o ser humano: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? E para os que não crêem direito, a morte provoca ao menos um grande respeito, uma profunda reverência; uma postura ao menos cultural e social. Não há quem não se curva diante de um féretro.

A comemoração do “Dia de Finados” ainda se propõe a advertir-nos contra toda e qualquer forma de reencarnação. A nossa fé cristã e católica é clara, fundamentada na Palavra de Deus: “É um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem o julgamento” (Hb 9,27). Por isso, reitera o Magistério eclesial: “Vigiemos constantemente, a fim de que no termo de nossa vida sobre a terra, que é só uma, mereçamos entrar com Ele para o banquete (...) e ser contados entre os eleitos” (Lumen Gentium, n. 48). Por isso, na “Solenidade de todos os santos”, a Igreja celebra todos os que morreram na graça de Deus, mesmo os que não foram canonizados oficialmente. Afinal, todos somos chamados à santidade, como dom de Deus e não mérito nosso. Porque foi assim que Deus se apresentou a nós: “Eu sou Javé, o Deus de vocês. E vocês foram santificados, porque eu sou santo” (Lv 11,44a; Cf. 1Pd 1,16).

Tomemos agora alguns pressupostos fundamentais, a partir do Evangelho. Quando Jesus ficou sabendo que estava prestes a morrer, seus discípulos ficaram tristes, angustiados, perturbados. Em face disso, Jesus dirigiu a eles essas palavras de conforto e consolo: “Eu vou preparar-vos um lugar. Quando tiver ido e tiver preparado um lugar para vós, voltarei novamente e vos levarei comigo para que, onde eu estiver, estejais também vós” (Jo 14,3c-3).

Nós cremos que Jesus Vivo já habita em nosso coração. A “morada” (teologicamente podemos entender como ambiente de gostosa fraternidade e amorosa convivência) que ele preparou para si em nosso íntimo não será, jamais, destruída pela morte, mas transformada no “lugar” eterno que já preparou também para nós junto ao Pai.

O que acreditamos a respeito de Jesus, podemos dizer igualmente das pessoas amadas que nos precedem na morte. Cremos que também elas nos preparam um lugar junto de Deus. Quando uma pessoa querida morre, leva para Deus tudo o que com ela partilhamos aqui na terra: as conversas, a amizade, o amor, as experiências de vida em comum, etc. Vale dizer, leva consigo um pedaço de nós para junto de Deus. Diz Ladislao Boros, teólogo húngaro, que “pela ressurreição tudo se tornará então imediato para o homem: o amor se desabrocha na pessoa, a ciência se torna visão, o conhecimento se transforma em sensação, a inteligência se faz audição. Desaparecem as barreiras do espaço: a pessoa humana existirá imediatamente onde estiver seu amor, seu desejo e sua felicidade”. Mais ainda, “a ressurreição, na concepção cristã, não é a volta a vida de um cadáver, senão a realização exaustiva das capacidades do homem” (Ibidem).

Portanto, quando morremos, não iremos par um “lugar” totalmente estranho, mas para a “morada” que Cristo e as pessoas boas e amadas que nos precederam na morte nos prepararam. Lá, fixaremos morada eternamente, contemplando a Deus “face a face” (1Cor 13,12), tal como ele realmente é. Esta certeza nós a encontramos já na literatura sapiencial, que apresenta os primeiros balbucios sobre a fé na ressurreição: “Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e, depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne verei a Deus. Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,25-27a). Destaca-se aí a figura do “redentor”. (no latim: redemere: re + edemere: recomprar, comprar de volta). Para o povo judeu, o “redentor” (no hebraico: go'el: redentor, resgatador, libertador, o vingador de sangue em nome da justiça) era um membro da família, do clã ou da tribo que deveria fazer justiça ao seu próximo que fora injustiçado. Para os cristãos do primeiro século, Jesus é agora o novo e definitivo Redentor, que resgata a nossa vida das garras da morte, fazendo-nos justiça com o seu próprio sangue.

Na minha experiência pastoral, nas inúmeras visitas a enfermos que realizei, ouvi muitas pessoas de fé dizerem, já à beira da morte: “Um dia vamos nos rever na eternidade”. São pessoas que realmente crêem nas palavras do próprio Jesus, dirigidas àquele que com ele também foi crucificado: “Eu te asseguro: ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).

O amor que nós demos e recebemos aqui na terra não morre jamais. Dizia Gabriel Marcel, filósofo e dramaturgo francês: “amar uma pessoa significa dizer-lhe: você não morrerá”, ou ainda Anselm Grün, monge beneditino e teólogo: “na amizade existe algo indestrutível, divino, que mesmo na morte não pode ter fim”. A pessoa amada aqui na terra, será amada também na eternidade, só que de maneira nova, dentro do mistério de Deus. Essa certeza nos deu o autor do Apocalipse: “Felizes os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que repousem dos seus trabalhos, pois as suas obras os seguem” (Ap 14,13). Aí será um amor sem distorções, um amor livre, sem exclusivismos, sem limites, enfim, um amor divino, total e eterno.

Mas fatalmente, a morte de uma pessoa querida nos causa tristeza, angústia, aflição. Afinal, somos humanos. A dor da partida de alguém é inevitável. Muitos psicólogos afirmam que é preciso sofrê-la e suportá-la até o fim, ou melhor, até superá-la. Os cristãos do primeiro século, diante do conflito da morte, souberam conservar e nos ensinar a “nostalgia esperançosa” pela vinda nova do Senhor: “Nós somos cidadãos do céu. De lá esperamos o Salvador e Senhor Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21).

Também nós, hoje, vivemos esta mesma “nostalgia esperançosa”. No correr da Celebração Eucarística, por exemplo, no momento em que solenizamos a recordação de nossos falecidos, assim rezamos: “Nele (em Deus) brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Missal Romano. Prefácio dos mortos I: a esperança da ressurreição em Cristo).

Há ainda outra situação causada pela realidade da morte; ela nos coloca diante do luto (no latim: luctu: tristeza profunda, consternação, pesar ou dor pela morte de alguém). O luto pela perda da pessoa querida nos põe também à vista de todo o tipo de luto que provavelmente já ocorreu em nossa vida, como: abandono, decepção, humilhação, fracasso, indiferença, angústia, depressão, etc.. Porém, o luto terá fim, se transformará, conduzirá a uma nova alegria de viver. Aqui, mais uma vez, em meio ao sofrimento do povo, a Palavra de Deus surge como grande acalento. No final, “não haverá mais morte, nem pranto, nem grito, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram” (Ap 21,4).

Realmente, a pessoa que tem uma fé autêntica, está convencida de que não pode ficar de luto o tempo todo, a vida inteira, porque tem certeza de que quem faleceu está em Deus, como nos assegura o apóstolo Paulo: “Irmãos, não queremos que ignoreis coisa alguma sobre os mortos, para não vos entristecerdes como as outras pessoas que não têm esperança” (1Ts 4,13). Com isso, Paulo não proíbe o luto, mas nos faz um apelo: Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (1Ts 4,17).

Quando S. Jerônimo traduziu os textos bíblicos originais em hebraico e grego para o latim, nesta passagem (1Ts 4,17) ele traduziu o verbo grego “parakaléo” (exortar, consolar) por “consolamini” (isto é: cum + solus = sozinho + com). De fato, Paulo pede que nos unamos à pessoa que está sozinha em seu luto. Esta é, sem dúvida, uma atitude profundamente humana e cristã, no entender do próprio apóstolo: “alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (Rm 12,15). Grande exemplo disso foi o próprio Jesus que, no episódio da “morte-ressurreição de Lázaro” (Cf. Jo 11,1-44), ao ver o povo consternado pela morte do amigo, também ele “começou a chorar” (Jo 11,35). Porém, certamente não foi um choro de desespero, mas de solidariedade.

No Quarto evangelho, Jesus compara a sua própria morte com o nascimento de uma criança. Assim como o parto, a morte é cheia de dores e angústias. Mas no parto, quando nasce o bebê, só a alegria toma conta. Por isso, diz Jesus que “quando a mulher está para dar a luz, fica triste porque chegou a sua hora. Mas, depois que nasceu a criança, já não se lembra mais da aflição, pela alegria que sente de ter vindo ao mundo um ser humano. Assim também vós estais tristes agora, mas eu vos verei de novo. Então o vosso coração se alegrará e ninguém poderá tirar-vos a alegria” (Jo 16,21-22). Nesta simples comparação, Jesus quer nos mostrar a grandiosidade da sua e da nossa ressurreição. Na verdade, a ressurreição de Jesus vem dizer-nos que nós não nascemos para morrer, mas morremos para ressuscitar, para termos “vida plena” (Jo 10,10).

Na Liturgia da Palavra da Missa deste “Dia dos fiéis defuntos”, a palavra do profeta nos dá imensa coragem: “naquele dia se dirá: ‘Este é o nosso Deus, e esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvado’” (Is 26,9). Trata-se de uma esperança segura em meio aos mais variados conflitos da vida, uma esperança carregada da certeza de alcançarmos a glória de Deus, pois, como dizia Sto. Ireneu de Lião, “a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem consiste em ver a Deus. Pois se a manifestação de Deus que é feita por meio da criação, permite a vida de todos os seres vivos na terra, muito mais a revelação do Pai que nos é comunicada pelo Verbo, comunica a vida àqueles que amam a Deus” (Contra as Heresias, IV,20,7).

Entretanto, mais determinante, insubstituível e eficaz é a palavra do próprio Jesus, acerca da morte-ressurreição: “Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que me deu, mas os ressuscite no último dia. (...), pois esta é a vontade do meu pai: que toda pessoa que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,39-40).

Assim, para todos aqueles e aquelas que “fizeram” acontecer a justiça do Reino, o prêmio eterno é a plena felicidade e o envolvente abraço de Jesus: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei côo herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo” (Mt 25,34).

À guisa de conclusão, eu deixo aqui um belo poema de Santo Agostinho, o mais profundo filósofo da era Patrística e um dos maiores gênios teológicos de todos os tempos, que eu conservei durante os meus estudos de Patrologia. O poema intitula-se: “A Morte não é nada”.

“A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.
Dêem-me o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado.

Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?
Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho...
Você que ai ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi”.

domingo, 25 de outubro de 2009

DIA NACIONAL DA JUVENTUDE - 2009

Pe. Paulo Nunes de Araujo



Hoje é o “Dia Nacional da Juventude” (DNJ). Historicamente, o DNJ tem sua origem em 1985, quando a Organização das Nações Unidas (ONU), decretou aquele ano como o “Ano Internacional da Juventude”. Além deste tema, os jovens de todo o mundo foram convidados a participar mais efetivamente da sociedade a partir do lema: “Construindo uma Nova Sociedade”.

Como gesto concreto de acolhimento à proposta da ONU, a Pastoral da Juventude do Brasil (PJ) prontamente assumiu o compromisso de comemorar e celebrar o “Dia Nacional da Juventude”. Assim sendo, em 1986, foi realizado o primeiro DNJ, a partir do tema: “Juventude e Terra”, e do lema: “Juventude construindo a Terra Prometida”.

Aqui no Brasil, o DNJ é comemorado e celebrado anualmente, sempre no último domingo de outubro, o “mês missionário”. Esse “Dia” é marcado pela mobilização de milhares de jovens, em todo o país, para celebrar, como igreja, a vida e a luta da juventude. De fato, o DNJ quer ser fundamentalmente um tempo de revisão da vida como jovens, de profunda visão da realidade social eclesial, buscando sempre o que fazer e como fazer para melhorar a situação vigente, principalmente dos adolescentes e jovens, “pois estão entre os mais expostos aos efeitos da pobreza, como: drogas, prazer, álcool, violência, propostas religiosas e pseudo-religiosas, educação de baixa qualidade, etc.” (Doc. da CNBB, 87, nn. 103-149). Consequentemente, o DNJ quer sinalizar um tempo de mudança, de transformação radical, de modo que a vida melhor se realize.

Por esta razão não basta “pintar a cara”, pois como diz o aforismo popular: “quem vê a cara não vê o coração”, e nem tampouco usar uma “camiseta bonita” com uma frase de efeito, só para chamar a atenção, como se fosse um desfile de modas. Isto porque não há indignação sem motivo e nem inconformismo sem causa. Assim, é preciso que todos os jovens assumam um compromisso concreto, ou seja, "mostrem a cara" expressando o seu pensamento inteligente, e se “vistam” da causa de Jesus, o seu Reino. Porque existem muitas iniciativas na sociedade que são valiosas e que contam com o apoio dos jovens, como: campanha em favor da paz, da moradia, da terra, da dignidade do povo indígena, da mulher, Campanhas da Fraternidade, Fóruns das Pastorais Sociais, Semana Social, Grito dos Excluídos, e tantas outras.

Por isso, devemos ter claro que o DNJ não deve ser um dia de luta só dos jovens para os jovens, mas dos jovens em vista da sociedade inteira, pois esta envolve a todos, os “pobres, crianças, jovens, adultos e idosos, homens e mulheres” (Documento de Aparecida, n. 422). Ademais, ensina o Magistério eclesial que “a juventude não é só um grupo de pessoas de idade cronológica. É também uma atitude frente à vida” (Documento de Puebla, n. 1167. Os grifos são meus).

Neste aspecto, segundo a Viacom Brand Solutions, unidade de publicidade da MTV Networks, que realizou um estudo com uma amostra de 25 mil pessoas de 19 países, com idade entre 16 a 46 anos, a juventude corresponde às idades compreendidas entre 16 a 34 anos. Concluiu ainda esta pesquisa que “a imagem juvenil já não é patrimônio exclusivo dos jovens” e que “o significado e a definição tradicional de juventude mudou” (Cf. SESSÃO EXPERIMENTAL. Disponível em: <clique aqui>. Acessado em: 20 out. 2009).

Com esses dados, podemos dizer que existem, tanto na Igreja quanto na Sociedade, jovens com pouca idade cronológica, mas tão envelhecidos nas idéias e nos ideais, marcados por um conservadorismo anacrônico e inerte. Por outro lado, há pessoas com idade cronológica bem mais avançada, porém, alegres, entusiasmadas (etimologicamente: cheias de Deus), com uma visão positiva das coisas, do mundo e das pessoas, e bem mais comprometidas.

Por isso, continuam valendo aqueles “traços muito característicos” que marcam a juventude, apontados pelo Magistério eclesial trinta anos atrás: “um inconformismo que a tudo questiona; um espírito de aventura que a leva a compromissos e situações radicais; uma capacidade criadora com respostas novas para o mundo em transformação, que aspira a sempre melhorar em sinal de esperança. Sua aspiração pessoal mais espontânea e forte é a liberdade, emancipada de qualquer tutela exterior. É sinal de alegria e felicidade. Muito sensível aos problemas sociais. Exige autenticidade e simplicidade, rejeitando com rebeldia uma sociedade invadida por hipocrisias e contravalores” (DP, n. 1168). Por fim, “este dinamismo a torna capaz de renovar ‘as culturas’ que, doutra forma, envelheceriam” (Ibidem, n. 1169).

Recentemente, observando a realidade dos jovens e adolescentes, assim se expressou animadoramente o Magistério eclesial: “os jovens e adolescentes constituem a grande maioria da população da América latina e do Caribe. Representam um enorme potencial para o presente e futuro da Igreja e de nossos povos como discípulos e missionários do Senhor Jesus. Os jovens são sensíveis para descobrir sua vocação a ser amigos e discípulos de Cristo. São chamados a ser “sentinelas da manhã”, comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus. Não temem o sacrifício nem a entrega da própria vida, mas sim uma vida sem sentido. Por sua generosidade, são chamados a servir a seus irmãos, especialmente aos mais necessitados, com todo seu tempo e sua vida. Tem capacidade para se opor às falsas ilusões de felicidade e aos paraísos enganosos das drogas, do prazer, do álcool e de todas as formas de violência. Em sua procura pelo sentido da vida, são capazes e sensíveis para descobrir o chamado particular que o Senhor Jesus lhes faz. Como discípulos missionários, as novas gerações são chamadas a transmitir a seus irmãos jovens, sem distinção alguma, a corrente de vida que procede de Cristo e a compartilhá-la em comunidade, construindo a Igreja e a sociedade” (DA, n. 443).

Olhando com sensibilidade, inteligência e indignação a realidade atual que nos envolve, tão marcada por medos e inseguranças, porque tudo se torna ameaça à vida, para este ano de 2009, o DNJ traz como tema: “Contra o extermínio da juventude, na luta pela vida” e como lema: “Juventude em marcha contra a violência”.

Trata-se de uma proposta pertinente, porque a violência hoje virou notícia comum em todos os meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que se atenta a vida do planeta por pretextos escusos, se mata a vida do ser humano por razões banais. Disseminou-se uma terrível “mentalidade delinqüente”, infelizmente muito presente também no meio dos jovens do nosso país. É o que aconteceu exatamente com o Pe. Gisley Azevedo Gomes, CSS, assessor nacional do Setor Juventude da CNBB, que foi assassinado por jovens, no dia 15/06 deste ano, “vítima da violência que ansiava combater” (nota das Pastorais da Juventude do Brasil). Por isso, carregados de justa indignação, disseram ainda os jovens que “a tragédia que se abateu entre nós, das Pastorais da Juventude do Brasil, nos desafia a denunciar a força com que a violência tem ceifado a vida de milhares de jovens em todo o país” (Ibidem).

Em face disso, é muito triste e lamentável ver jovens trucidando jovens, ver jovens escravizados de tudo aquilo que brutalmente os serviliza. Muitos jovens se vêem levados pelo falso discurso de uma sociedade que propõe a felicidade a partir de coisas que mais criam dependências, como a moda, o consumismo e as drogas. E, contraditoriamente, o que o jovem mais aspira neste mundo é vida e liberdade. Porque “a liberdade humana é, como a vida, a coisa mais preciosa e valiosa do mundo” (Frei Bartolomeu de Las Casas). São dons de Deus.

Em vista do que está exposto acima, o Evangelho da Missa deste domingo, que apresenta a cena do “cego Bartimeu” (Mc 10,46-52) bem serve para iluminar este meu artigo, pois seu gesto reflete a postura do verdadeiro seguidor de Jesus. De fato, após tê-lo descoberto (ouvido e visto) Bartimeu seguia Jesus pelo caminho” (Mc 10,52b).

Num primeiro momento, Marcos apresenta Bartimeu como símbolo da extrema marginalidade: “cego”, “mendigo” (“sentado à beira do caminho”), humilhado (pois tinha que gritar a sua miserabilidade), e sem liberdade de expressão (“muitos o repreendiam que se calasse”).

A seguir, Marcos mostra a reversão dos fatos. Ao “ouvir dizer” que “Jesus estava passando” por ali, Bartimeu grita a Jesus insistentemente e cheio de confiança (Cf. Mc 10,47.48), porque sabe que só ele pode mudar a sua vida, só nele se encontra a verdadeira compaixão (no grego: eléeson). Assim, no encontro com Jesus e na observância à ordem dele: "Vai" (no grego: hipágue), Bartimeu “recuperou a vista” (Mc 10,52b). E foi uma reabilitação plena: “A tua fé te salvou (no grego: hé pistis su sessoken se). O texto conclui dizendo que “naquele mesmo instante (no grego: euqueos), além de ter recuperado a vista, Brtimeu “seguia Jesus pelo caminho”. A partir daí, Bartimeu tornou-se modelo de toda pessoa que precisa abrir os olhos, tomar consciência, comprometer-se e seguir Jesus prontamente.

O interessante é que nesse processo de libertação total, Jesus não quis agir sozinho, mas responsabilizou a todos: “Chamai-o” (no grego: fonequenai) E “eles chamaram o cego” (no grego: kai fonusin ton tiflon: Mc 10,49a). Com isso, tudo muda. De fato, é nessa parceria entre Jesus e nós e entre nós e Jesus, que o mundo novo começa a aparecer.

Porém, penso que esta transformação deve partir de dentro dos próprios jovens. Porque hoje, tanto na Sociedade como na Igreja, percebo que ainda há muitos jovens “cegos” (alienados), “mendigos” (carentes de consciência e da força do Evangelho), “sentados à beira do caminho” (à margem da luta, atraídos por outros interesses) e “calados” (resignados, submetidos).

Tendo visto a realidade, e agora à luz do episódio do “cego Bartimeu”, lanço aqui alguns desafios bem incisivos para todos os jovens deste país: a) Lutar pela conscientização do povo, principalmente da grande maioria dos jovens (“recuperar a vista”); b) Comprometer-se com a construção de uma sociedade mais justa, humana e livre (“o cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”); c) Empenhar-se pela edificação de uma sociedade onde todos tenham vez e voz (o cego “gritou mais ainda”). Lembremo-nos que o verdadeiro discípulo de Jesus não pode silenciar-se, como nos mostra o evangelista Lucas: “alguns fariseus disseram a Jesus: ‘Mestre, manda que seus discípulos se calem’. Jesus respondeu: ‘Eu digo a vocês: se eles se calarem, as pedras gritarão’” (Lc 19,40). Nesta passagem, “as pedras” simbolizam as pequenas comunidades, discípulas missionárias e proféticas (Cf. Mt 16,18).

Seguindo-se a esses desafios, o Magistério eclesial sugere também algumas linhas de ação no que se refere a juventude (DA, n. 446):

a) Renovar, em estreita união com a família, de maneira eficaz e realista, a opção preferencial pelos jovens, em continuidade com as Conferências Gerais anteriores, dando novo impulso à Pastoral da Juventude nas comunidades eclesiais (dioceses, paróquias, movimentos, etc);

b) Estimular os Movimentos eclesiais que tem uma pedagogia orientada à evangelização dos jovens e convidá-los a colocar mais generosamente suas riquezas carismáticas, educativas e missionárias a serviço das Igrejas locais;

c) Propor aos jovens o encontro com Jesus Cristo vivo e seu seguimento na Igreja, à luz do Plano de Deus, que garanta a realização plena de sua dignidade de ser humano, que estimule-os a formar sua personalidade e que proponha a eles uma opção vocacional específica: o sacerdócio, a vida consagrada ou o matrimônio. Durante o processo de acompanhamento vocacional, irá aos poucos introduzindo gradualmente os jovens na oração pessoal e na lectio divina, na freqüência aos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, da direção espiritual e do apostolado;

d) Privilegiar na Pastoral da Juventude processos de educação e amadurecimento na fé como resposta de sentido e orientação da vida e garantia de compromisso missionário. De maneira especial, buscar-se-á implementar uma catequese atrativa para os jovens que os introduza no conhecimento do mistério de Cristo, buscando mostrar a eles a beleza da Eucaristia dominical que os leve a descobrir nela Cristo vivo e o mistério fascinante da Igreja;

e) A Pastoral da Juventude ajudará os jovens a se formar de maneira gradual, para a ação social e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja, fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados;

f) É imperativa a capacitação dos jovens para que tenham oportunidades no mundo do trabalho e evitar que caiam na droga e na violência;

g) Nas metodologias pastorais, procurar uma maior sintonia entre o mundo adulto e o mundo dos jovens;

h) Assegurar a participação dos jovens em peregrinações, nas Jornadas nacionais e mundiais da Juventude, com a devida preparação espiritual e missionária e com a companhia de seus pastores.

Assim, considerando aqueles desafios brotados do Evangelho e estas linhas de ação, a nova sociedade, sinal do Reino que Deus quer para todos, só se realizará com satisfação quando todos nós, preferencialmente os jovens, acatarmos decisivamente o convite do Evangelho: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” (Mc 10,49b).

domingo, 4 de outubro de 2009

“UNGIU-ME PARA ANUNCIAR A BOA NOTÍCIA” (Lc 4,18)

Pe. Paulo Nunes de Araujo



“Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova a toda a humanidade. Quem crer e for batizado, será salvo” (Mc 16,15-16a; Cf. Mt 28,19). Com essas palavras de Jesus, inspirei-me a escrever este artigo, em vista do mês de outubro, o “mês missionário”. Tendo já em vista que o Dia Mundial das Comunicações a ser comemorado no dia 16/05/2010 traz como tema: “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”, mais uma vez faço uso deste poderoso veículo de comunicação para expor este meu escrito.

As atividades do mês de outubro atingem culminância no “Dia Mundial das Missões”, criado por Pio XI, chamado de “papa missionário”, em razão do seu enorme ardor evangelizador. Quanto a origem e evolução dessa data, temos algumas informações históricas. Conta-se que na Solenidade de Pentecostes de 1922, início do seu pontificado, Pio XI, num gesto surpreendente e profético, interrompeu sua homilia e, diante de um pasmo silêncio, tomou seu solidéu, fazendo-o passar entre a multidão de bispos, presbíteros e fiéis na Basílica de São Pedro, no Vaticano, enquanto pedia a toda a Igreja ajuda para as missões. Foi assim que, no mesmo ano, ele criou as Pontifícias Obras Missionárias (POM), recomendando-as como instrumento principal e oficial da Cooperação Missionária de toda a Igreja. Além de estimular a criação de novas frentes missionárias, Pio XI conferiu o Sacramento da Ordem Episcopal aos primeiros bispos indianos, em 1923. E no Ano Santo de 1925, promoveu uma vasta Exposição Missionária Mundial, que, depois, deu origem ao atual Museu Missionário do Vaticano.

No ano seguinte, a 28/02/1926, Pio XI publicou a Carta Encíclica Rerum Ecclesiae, sobre a história da Igreja e as missões, na qual reafirmou a importância dos objetivos missionários programados no início do seu pontificado e acentuou a estima dos apóstolos nativos (sacerdotes, religiosos e leigos), tanto que, nesse mesmo ano, foram Ordenados em Roma os seis primeiros bispos chineses. Também estimulou a disponibilidade missionária da Igreja que envia e da que é ajudada, destacando a responsabilidade da Igreja particular (Diocese) na evangelização universal. A motivação colocada por Pio XI na Encíclica, foi a gratidão pelo dom da fé (fidei donum), a qual deve levar o agradecido à prática da caridade, pois “não há caridade maior e mais perfeita do que arrancar os irmãos das trevas da superstição e iluminá-los com a verdadeira fé em Jesus Cristo” (nn. 20-21).

Ainda em 1926, Pio XI acatou e propôs “a instituição, em todo o mundo católico, de um dia de oração e ofertas em favor da evangelização dos povos, a ser celebrado em um mesmo dia em todas as dioceses, paróquias e instituições do mundo católico”. Por fim, vendo isso como “uma inspiração que vem do céu”, Pio XI aprovou, em 14 de abril de 1926, a celebração anual do “Dia Mundial das Missões”, estabelecendo-o no penúltimo domingo de outubro. Para este ano de 2009, o tema da Campanha Missionária sugerido pelas Pontifícias Obras Missionárias é: “Enviados para anunciar a Boa Nova” (Lc 4,18).

Após oitenta e três anos de caminhada, hoje no espírito do “Ano Sacerdotal”, percebo a urgência urgentíssima de assumirmos a nossa missão de “povo sacerdotal”, condição esta evocada já no nosso batismo (Cf. Ap 1,5b-6; 6,10; 1Pd 2,5.9; Ex 19,6), igualmente e sem distinção. É evidente que não estou descartando o sacerdócio ministerial. Mas o que eu quero é acentuar o fato de que somos todos chamados a sermos autênticos “discípulos missionários”, expressão que perpassa por todo o Documento de Aparecida.

A nossa ação missionária começa a acontecer no momento em que respondemos positivamente ao chamado de Jesus: “Sigam-me” (Mc 1,17; Cf. Mc 2,14; Mt 4,19; Lc 5,10b; 9,59). Neste aspecto, o Magistério eclesial nos orienta com clareza que “ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas as nações (Cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isso, todo discípulos é missionário, pois Jesus o faz partícipe da sua missão, ao mesmo tempo que o vincula a Ele, como amigo e irmão” (DA, n. 144). Face ao chamado de Jesus que diz: “Sigam-me”, os seus discípulos aprenderam duas coisas básicas: “por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre, foi Cristo quem os escolheu (Cf. 1Jo 4,10.19). E por outro lado, eles não foram convocados para algo (para purificar-se, aprender a Lei...), mas para Alguém, escolhidos para se vincularem intimamente à pessoa dele” (DA, n. 131; Cf. Mc 3,14).

Nesse aspecto, afirma Bento XVI: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Carta Encíclica Deus caritas est, n. 1; Cf. DA, n. 12). A partir daí formamos a comunidade-igreja (Cf. At 2,47b; 4,32; 5,14). E os membros de uma comunidade, pelo batismo, são todos chamados e consagrados (ungidos com óleo como Jesus, o Cristo (“o ungido”: Lc 4,18-22; Cf. Is 61,1-2; 2Cor 1,21), para uma missão. Ou seja, deixamos de ser apenas discípulos(as), para sermos apóstolos(as); deixamos de ser meros objetos de ação pastoral, para nos tornar participantes ativos de evangelização (Cf. Lc 6,13), servidores do Evangelho.

Na verdade, “discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda. Quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva” (DA, n. 146; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 172). Portanto, a comunidade é a fonte e o fundamento da missão, da vida e do crescimento da Igreja toda. Isto porque “a comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto de a comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão” (João Paulo II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Chritifideles Laici, 32; Cf. DA, n. 163; Doc. da CNBB, 87, nn. 48-59 e 152).

Sabemos que a missão primária e fundamental da Igreja é evangelizar. Mas é preciso “anunciar o Evangelho de maneira tal que garanta a relação entre a fé e a vida tanto na pessoa individual como no contexto sócio-cultural em que as pessoas vivem, atuam e se relacionam entre si” (DA, n. 331; Cf. Doc. da CNBB, 87, nn. 7-8). Trata-se do verdadeiro anúncio de Jesus e do seu Reino, “que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção integral e a autêntica libertação cristã” (DA, n. 146; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 6).

Este profético ensinamento do Magistério eclesial a respeito da “opção preferencial” ou incondicional pelos pobres é para nós de alta importância. Porque, atualmente, com o crescimento desenfreado de grupos pentecostalistas e pentecostalizantes, nota-se uma proposital, maldosa e clara tendência de desarticular a fé da vida, de desencarnar Jesus e o seu Evangelho. No entanto, “a vida no Espírito não nos fecha em intimidade cômoda e fechada, mas sim nos torna pessoas generosas e criativas, felizes no anúncio e no serviço missionário” (DA, n. 285). E mais ainda, a nossa fé “nos capacita a assumir a missão de Jesus Cristo de realizar, na história, o Reino de Deus, proclamando-o com nossas palavras e testemunhando-o em nossa vida” (Doc. da CNBB, 87, n. 2), a exemplo do próprio Jesus (Cf. Doc. da CNBB, 87, nn. 5 e 54).

Diante disso, podemos afirmar que, além de evangelizar, a Igreja também precisa ser evangelizada. Ela deve desenvolver a sua missão evangelizadora com humildade e com um diálogo aberto, sincero e positivo. E nesse diálogo, a Igreja é desafiada a comunicar bem, com uma linguagem fácil, atraente, contagiante e rica em símbolos, procurando fazer com que o Evangelho se encarne de fato na realidade, na história, na vida das pessoas. Para isso, precisamos usar de todos os “meios e processos de comunicação que visem uma ação evangelizadora que comprometa os cristãos com o seguimento de Jesus Cristo”, segundo o objetivo da XIX Semana teológica (Comunicação e Evangelização), realizada pela UCDB, Campo Grande, MS, de 21-25/09/2009. Porque de fato, na boca de muitos pregadores, a mensagem não passa, não convence, não contagia, não muda a vida. Porque a mensagem acaba ficando carente de força necessária, de profetismo.

Em nosso contexto atual, inúmeros são os desafios à evangelização, como o aumento populacional, as enormes extensões territoriais, a escassez de evangelizadores, a indiferença religiosa, a falta de apoio afetivo e encorajador de muitos pastores, a secularização, o relativismo de valores, as perseguições e ataques até violentos aos anunciadores do Evangelho, entre tantos outros. Face a essa difícil realidade, o Magistério eclesial nos lança algumas luzes, que nos reacendem novo ardor, como por exemplo:

a) “A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias da vida. (...). Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo” (DA, n. 11);

b) “Não temos outro tesouro a não ser este (Jesus). Não temos outra felicidade nem outra prioridade senão a de sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante as dificuldades e resistências” (DA, n. 14);

c) “Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é ameaça para o homem, que Ele está perto com o seu poder salvador e libertador de seu Reino, que ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas” (DA, n. 30).

Posto isto, a Igreja na América Latina e no Caribe está convocada a colocar-se em “estado permanente de missão” (DA, n. 551). Porque “só uma Igreja missionária e evangelizadora experimenta a fecundidade e a alegria de quem realmente realiza a sua vocação” (Doc. da CNBB, 87, n. 210). Assim, ninguém deve isentar-se dessa proposta, muito especialmente os fiéis “leigos”, os quais de fato “realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo de Cristão na Igreja e no mundo” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 31). Realmente, “a evangelização do Continente não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fiéis leigos” (João Paulo II. Exortação Apostólica Ecclesia in America, n. 44). O anúncio de Jesus e do seu Reino, indiscutivelmente, é missão de todos nós, povo sacerdotal.

Essa responsabilidade que recai sobre nós batizados, indistintamente, não pode ser vista como algo enfadonho, esmorecedor, desagregador. Seguramente, o desejo da Igreja é que a caminhada das comunidades se faça de forma ordenada evitando-se abusos, discriminações, arbítrios, etc.. Pois tal era o senso de co-responsabilidade reinante entre os cristãos do primeiro século: “de fato, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias” (At 15,28). Assim, precisamos fazer valer sempre uma sincera caridade pastoral.

Para concluir, lembrando que este é também o “Mês do Rosário”, peço a Deus que nos abençoe e que a Virgem do Rosário, “Maria, Mãe do Senhor, primeira evangelizada e primeira evangelizadora, nos inspire com seu exemplo de fidelidade e disponibilidade incondicional ao Reino de Deus e nos acompanhe com sua materna intercessão” (Doc. da CNBB, 87, n. 216). E que Santa Terezinha do Menino Jesus, a “padroeira das missões”, nos leve a seguir fielmente o exemplo de Jesus que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45). Nessa caminhada, rezemos junto a “Oração Missionária 2009”: “Deus, Pai de toda a humanidade: ouvi o clamor dos Vossos filhos. Enviai-nos aonde nada mais existe, senão a dor e a incerteza. Dai-nos as mãos de Marta e o coração de Maria, para que sejamos Boa-Notícia para os povos. Maria, Mãe da Igreja, intercedei por nós! Amém”.

 
©2007 '' Por Elke di Barros