Pe. Paulo Nunes de Araujo
“Em nosso século tão influenciado pelos meios de comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o posterior aprofundamento da fé não podem prescindir desses meios. Colocados a serviço do Evangelho, eles oferecem a possibilidade de difundir quase sem limites o campo da audiência da Palavra de Deus, fazendo chegar a Boa Nova a milhões de pessoas. A Igreja se sentiria culpada diante de Deus se não empregasse esses poderosos meios, que a inteligência humana aperfeiçoa cada vez mais. Com eles, a Igreja ‘proclama a partir dos telhados’ (Cf. Mt 10,27; Lc 12,3) a mensagem da qual é depositária. Neles, encontra uma versão moderna e eficaz do 'púlpito'. Graças a eles, pode falar às multidões” (DAp, n. 485).
Com estas palavras do Magistério eclesial, mais uma vez faço uso deste extraordinário meio de comunicação, a internet, para fazer chegar até os meus queridos e fiéis leitores, mais um artigo, desta vez sobre o “Mês da Bíblia”.
O “Mês da Bíblia” tem sua origem na Liga de Estudos Bíblicos (LEB), a qual foi fundada no dia 6/02/1947, durante a Primeira Semana Bíblica Nacional, que realizou-se de 3-8/02/1947, no Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Esse evento contou com cerca de quarenta professores de Sagrada Escritura, vindos de muitos Estados do Brasil e de diversos países. Das várias propostas apontadas, uma foi a de se criar o “Dia da Bíblia”. A data escolhida foi o último domingo do mês de setembro, o domingo mais próximo do dia 30, porque foi nesta data, no ano de 420, que na cidade de Belém (Palestina), morreu o padre Sofrônio Eusébio Jerônimo, homem de larga cultura literária e bíblica. Foi ele quem, a pedido do papa Dâmaso, traduziu os originais da Bíblia (hebraico e grego) para o latim, versão conhecida como Vulgata, por ser um latim comum. A 20 de setembro de 1295, o papa Bonifácio VIII o proclamou “Doutor da Igreja”. E em 1767, foi canonizado santo pelo papa Clemente XIII, tornando-o “Patrono dos biblistas”. São Jerônimo é ainda padroeiro dos arqueólogos, arquivistas, bibliotecários, estudantes, tradutores.
O “Dia da Bíblia” foi ganhando destaque na vida da Igreja até ser incluído no Diretório Litúrgico. Mas foi em 1971 que surgiu definitivamente o “Mês da Bíblia”, quando a Arquidiocese de Belo Horizonte (MG) solicitou às comunidades que dessem sugestões para a comemoração do seu cinqüentenário. Dentre as várias idéias destacou-se a criação do “Mês da Bíblia”, inclusive lançando alguns objetivos bem precisos, como: contribuir para o desenvolvimento das diversas formas de presença da Bíblia nas Pastorais da Igreja; criar subsídios bíblicos nas diferentes formas de comunicação; facilitar o diálogo criativo e transformador entre a Palavra, a pessoa e as comunidades.
A partir de então, foram criados o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), em 1979, o Grupo de Reflexão Catequética (GRECAT), em 1984, o Serviço de Animação Bíblica (SAB), em 1985 e, mais recentemente, o Grupo de Reflexão Bíblica Nacional (GREBIN), em 1990. Todos atuam em nível nacional e em colaboração com a Dimensão Bíblico-Catequética das “Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil” da CNBB. De 1971 até o momento, trinta e nove temas bíblicos já foram elaborados e se tornaram matéria de reflexão e oração em milhares de comunidades do Brasil, buscando sempre animar a fé e a vida do povo.
Inicialmente, de 1971 a 1977, os temas do “Mês da Bíblia” eram assuntos gerais e não um livro específico da Bíblia. Porém, desde o começo, os temas bíblicos sugeridos são relacionados com o tema da Campanha da Fraternidade do mesmo ano, com o intuito de reforçar o que foi refletido e rezado durante a Quaresma. Vejamos, a seguir, os “slogans” e os “conteúdos” que orientaram a Pastoral Bíblica no mês setembro desde 1971 até hoje:
1971: Bíblia, Jesus Cristo está aqui;
1972: Deus acredita em você;
1973: Deus continua acreditando em você;
1974: Bíblia, muito mais nova do que você pensa;
1975: Bíblia, palavra nossa de cada dia;
1976: Bíblia, Deus caminhando com a gente;
1977: Com a Bíblia em nosso lar, nossa vida vai mudar;
1978: Como encontrar justiça e paz? (O livro de Amós);
1979: Bíblia, o livro da criação (Gênesis 1—11);
1980: Buscamos uma nova terra (História de José do Egito);
1981: Que todos tenham vida! (Carta aberta de Tiago);
1982: Que sabedoria é esta? (As Parábolas);
1983: Esperança de um povo que luta (O Apocalipse de São João);
1984: O caminho feito pela palavra (Os Atos dos Apóstolos);
1985: Rute, uma história da Bíblia – Pão, família e terra (O livro de Rute);
1986: Bíblia, o livro da Aliança (Êxodo 19—24);
1987: Homem de Deus, homem do povo (O livro do Profeta Elias);
1988: Salmos, a oração do povo que luta (O livro dos Salmos);
1989: Jesus: palavra e pão (Evangelho segundo João, capítulo 6);
1990: Mulheres celebrando a libertação (Cantos de Míriam, Débora, Ana e Maria);
1991: Paulo, trabalhador e evangelizador (Vida e viagens de Paulo);
1992: Jeremias, profeta desde jovem (O livro de Jeremias);
1993: A força do povo peregrino sem lar, sem terra (Primeira Carta de Pedro);
1994: Cântico: uma poesia de amor (O livro do Cântico dos Cânticos);
1995: Com Jesus na contramão (Sobre a pessoa de Jesus nos Evangelhos);
1996: Jó, o povo sofredor (O livro de Jó);
1997: Curso Bíblico Popular – Evangelho segundo Marcos;
1998: Curso Bíblico Popular – Evangelho segundo Lucas;
1999: Curso Bíblico Popular – Evangelho segundo Mateus;
2000: Luz para as Comunidades (Evangelho segundo João);
2001: E todos repartiam o pão... (Atos dos Apóstolos 1—15);
2002: Evangelizar um mundo hostil (Atos dos Apóstolos 16—28);
2003: Curso Bíblico Popular – As Cartas de Pedro;
2004: Reviver na ternura e na misericórdia (Profeta Oséias e o Evangelho segundo Mateus);
2005: Sonhar de novo (Uma releitura do Segundo e Terceiro Isaías, a partir de Jesus);
2006: Come teu pão com alegria! (O livro do Eclesiastes);
2007: Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom (Gênesis 1—11);
2008: A caridade sustenta a comunidade (Introdução ao estudo da Primeira Carta aos Coríntios);
2009: Carta do Coração (Introdução ao estudo da Carta aos Filipenses);
2010: Levanta-te, vai à grande cidade (Jn 1,2) (Introdução ao estudo do Profeta Jonas)
Por aí vemos que O “Mês da Bíblia” é um tempo especial para que sejam criados novos grupos de reflexão e para manter os já existentes e, conseqüentemente, ajudar a perceber que a Palavra de Deus é eficaz na formação da comunidade, como nos mostra o profeta: “assim acontece com a minha palavra que sai da minha boca: ela não volta pra mim sem efeito, sem ter realizado o que eu quero e sem ter cumprido com sucesso a missão para a qual eu a mandei” (Is 55,10-11). O Frei Carlos Mesters, carmelita holandês, doutor em Teologia Bíblica e um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil afirma que: “o Mês da Bíblia não é mais um movimento, mas uma pastoral na Igreja”.
Podemos afirmar seguramente que a partir do “Mês da Bíblia” o povo passou a perceber a importância da leitura, do estudo e da contemplação das Sagradas Escrituras. Na verdade, contribuiu-se muito para o desenvolvimento da Pastoral Bíblica no âmbito paroquial e diocesano.
Por isso, é importante e necessário que cada Paróquia crie a “Escola Bíblica”, a fim de atender, além daqueles objetivos do encontro de Belo Horizonte, as mais recentes e pertinentes linhas de ação do Magistério eclesial. Quanto às orientações, o Magistério aponta as seguintes:
• “O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus irmãos. Discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda: quando o discípulo está apaixonado por cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva” (DAp, n. 146);
• “Toda paróquia é chamada a ser o espaço onde se recebe e se acolhe a Palavra. (...). Sua própria renovação exige que se deixe iluminar de novo e sempre pela Palavra viva e eficaz” (DAp, n. 172);
• “As comunidades eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como fonte de sua espiritualidade, como farol de seu caminho e de sua atuação na única Igreja de Cristo” (DAp, nn. 179-180);
• “Encontramos Jesus (também) na Sagrada Escritura, lida na Igreja. (...). Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo” (DAp, n. 247);
• “A proclamação da Palavra de Deus pela Igreja é decisiva para a fé do cristão. (...). É através da pregação do quérigma que acontece um autêntico encontro com Jesus Cristo; por isso ele deve ser uma oferta imprescindível a todos” (Doc. da CNBB, 87, n. 61; DAp, 226a);
• “O anúncio e a acolhida da Palavra são, portanto, fundamentais para a vida e a missão da Igreja e ocupam lugar central na liturgia. (...). A proclamação da Palavra na liturgia torna-se para os fiéis a primeira e fundamental escola da fé” (Doc. da CNBB, 87, n. 62);
• “O ministério da Palavra exige o ministério da Catequese a todos, porque fortalece a conversão inicial e permite que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em meio ao mundo que os desafia” (CNBB, 87, n. 64);
• É pela pregação da Palavra que todos podem ter acesso à fé e à salvação (Cf. Rom 10,17). (...). O ministério da Palavra, pelo chamado do Espírito, revela-se no carisma da profecia. (...). Profecia e martírio são legados da memória da Igreja chamada a testemunhar, com coragem e liberdade, a Palavra que defende a vida e julga os poderes deste mundo (Doc. da CNBB, 87, n. 66);
E no que se refere às propostas, o Magistério eclesial indica as seguintes:
• Desenvolver “uma pastoral que leve em consideração a beleza no anúncio da Palavra” (DAp, n. 512L);
• Que se “difunda a Palavra de Deus, anuncie-a com alegria e ousadia e realize a formação dos leigos” (DAp, n. 517h);
• Diante dos “que deixaram a Igreja para se unir a outros grupos religiosos”, em nossa Igreja devemos reforçar quatro eixos, entre os quais, a formação bíblico-doutrinal: “nossos fiéis precisam aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus e os conteúdos da fé, visto que esta é a única maneira de amadurecer sua experiência religiosa” (DAp, n. 226c);
• “Por isso, a importância de uma ‘pastoral bíblica’, entendida como animação bíblica da pastoral, que seja escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, de comunhão com Jesus ou oração com a Palavra e de evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra” (DAp, n. 248; Doc. da CNBB, 87, n. 63);
• “Seja incentivada a prática dos círculos bíblicos ou da s reuniões de grupo, com a partilha da vivência da Palavra para a edificação mútua, de modo que a Palavra de Deus ilumine a realidade vivida pelos participantes, animando-as e despertando-as para o compromisso evangélico a serviço do Reino de Deus” (Doc. da CNBB, 87, n. 63);
• “Aos fiéis leigos continuem sendo oferecidas oportunidades de formação bíblico-teológica, o que exige uma renovação da pastoral catequética nas paróquias” (Doc. da CNBB, 87, n. 65);
Face à exigência do estudo da Palavra de Deus, aconteceu, de 5-26/10/08, no Vaticano, a Assembléia Geral Ordinária do Sínodo sobre a Palavra de Deus, abordando o tema: “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Ao encerrar este Sínodo, o papa Bento XVI, em sua homilia, apontou algumas luzes a serem assumidas com urgência:
• “A tarefa prioritária da Igreja, no início deste novo milênio, é antes de tudo alimentar-se da Palavra de Deus, para tornar eficaz o compromisso da nova evangelização, do anúncio nos nossos tempos. Isto exige em primeiro lugar um conhecimento mais íntimo de Cristo e uma escuta sempre dócil da sua palavra”;
• “A plenitude da Lei, como de todas as Escrituras divinas, é o amor. Portanto, quem pensa que compreendeu as Escrituras, ou pelo menos uma parte delas, sem se comprometer a construir, mediante a sua inteligência, o duplo amor de Deus e do próximo, na realidade demonstra que ainda está longe de ter compreendido o seu sentido profundo”;
• “Torna-se indispensável uma promoção pastoral robusta e crível do conhecimento da Sagrada Escritura, para anunciar, celebrar e viver a Palavra na comunidade cristã, dialogando com as culturas do nosso tempo”;
• “O lugar privilegiado no qual ressoa a Palavra de Deus, que edifica a Igreja, (...), é sem dúvida a Liturgia. Nela sobressai que a Bíblia é o livro de um povo e para um povo”.
No âmbito do Sínodo, ao tratar da “Pastoral bíblica”, os Padres Sinodais explicitaram que “os Bispos devem ser os primeiros promotores desta dinâmica nas suas dioceses. Para anunciar a Palavra, para a anunciar de maneira credível, o Bispo deve nutrir-se, ele em primeiro lugar, da Palavra de Deus, de forma que possa sustentar e tornar cada vez mais fecundo o seu próprio ministério episcopal. O Sínodo recomenda que se intensifique a “pastoral bíblica”, não justapondo-a a outras formas de pastoral, mas como animação bíblica de toda a pastoral. Guiados pelos seus pastores, todos os batizados participam da missão da Igreja” (Proposição n. 30).
Seguidamente, em vista das orientações e propostas do Magistério da Igreja na América Latina e Caribe, e do Sínodo sobre a Palavra de Deus, realizou-se, dos dias 9-12/07/2009, o “Primeiro Encontro Latino-Americano de Animação Bíblica da Pastoral”, em Bogotá, na Colômbia, com o tema: “A Palavra de vida, fonte de discipulado e missão”. Ao final do Encontro, foi lançada uma “mensagem”, na qual se destaca, como imperativo, “que os fiéis tenham amplo acesso à Palavra de Deus (Cf. DV, n. 22), adquirindo, antes de tudo, o livro da Bíblia e contando com subsídios que lhes permitam iniciar-se em sua leitura, para que alcancem a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo, Palavra encarnada do Pai, centro de toda a Escritura (Cf. Jo 5,39)”.
Percebemos assim que não estamos sozinhos e errantes. Caminhamos como Igreja e com a Igreja, buscando sempre nos colocar na ótica de Jesus que escolheu os seus discípulos “para que estivessem com ele e para enviá-los a pregar” (Mc 3,14), dando-lhes o mandato: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15; Cf. Mt 28,19). Daí que a decisão do apóstolo deve ser também a nossa: “Ai de mim se eu não evangelizar” (1Cor 9,16). Mas para que este intuito bem se realize, precisamos nos preparar mais, homens e mulheres, casais e jovens, buscando o exemplo do servo Apolo, “homem eloqüente e versado nas Escrituras, que tinha sido instruído no caminho do Senhor e, no fervor do Espírito, falava com intrepidez (no grego: parresía) e ensinava com exatidão o que se refere a Jesus” (At 18,25).
Neste ano, durante o mês de setembro, o “Mês da Bíblia”, a Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética, juntamente com as Instituições Bíblicas existentes, propõe para o estudo e a meditação o Livro do profeta Jonas, dando destaque para a evangelização e a missão na cidade, no meio urbano, motivados pela ordem divina: “Levante-se e vá a Nínive, a grande cidade, e anuncie aí que a maldade dela chegou até mim” (Jn 1,2).
Aqui na paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, vamos inaugurar a “Escola Bíblica” no dia 2 de setembro, que funcionará todas as terças-feiras, das 19h às 20h30. E pretendemos encerrar o “Mês da Bíblia” com um grande encontro de todas as comunidades da Paróquia para estudarmos o livro do “Profeta Jonas”, a fim de sermos comunidades mais alegres, fervorosas, comprometidas, e verdadeiramente missionárias.
Assim, espero que esta “primavera bíblica” floresça a cada dia, com mais e mais pessoas participando da “Escola Bíblica”, como ocorria nos primórdios da igreja, quando “o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos” (At 2,47). Porém, isto só se realizará melhor se cada um se fizer verdadeiro “amante da Palavra” (DAp, n. 292), e tomar consciência que o estudo bíblico não é uma mera extensão na vida da comunidade, mas uma “prioridade da Igreja” (João Paulo II. Novo millennio ineunte, n. 40). Porque somente “devido à animação bíblica da pastoral, aumenta o conhecimento da Palavra de Deus e do amor por ela” (DAp, n. 99a). Ai, sim, estaremos aptos a “levantar” e “ir” profetizar, em atenção à ordem de Deus, anunciando-o como o Deus vivo e verdadeiro, “compassivo, clemente e cheio de amor” (Jn 4,2b).