quinta-feira, 9 de abril de 2009

"ELE NÃO ESTÁ AQUI! RESSUSCITOU" (Lc 24,6a)


Pe. Paulo Nunes de Araujo


Durante a “Semana Santa” (veja o meu artigo sobre este assunto neste blog) nós, cristãos, somos todos convidados a caminhar com Jesus nos momentos mais decisivos da sua vida. As narrativas bíblicas da Paixão têm fundamentalmente o mesmo esquema e conteúdo nos quatro evangelhos, embora cada evangelista tenha algo de particular na exposição do conteúdo, no modo de apresentar a sua obra e nos enfoques teológicos próprios. Neste pequeno estudo, pretendo analisar apenas uma parte ínfima das narrativas da morte (Paixão) e ressurreição de Jesus.

Muitos estudiosos da Bíblia (biblistas) afirmam que o Evangelho segundo Marcos (o evangelho fonte, por ter sido escrito primeiro), começou a ser documentado pela parte final, ou seja, a partir da última semana de Jesus em Jerusalém. Isso vale dizer que o evangelho segundo Marcos desenvolveu-se desde as narrativas já existentes da paixão de Jesus, pelo menos de forma oral. Esta afirmação faz sentido porque, de fato, o evangelho nasceu da experiência de fé no ressuscitado, exatamente aquele que foi morto, como nos mostra terceiro Evangelho, que provavelmente “bebeu” da fonte de Marcos, ao referir-se à aparição do Ressuscitado: “Vejam minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo” (Lc 24,39; Cf. Jo 20,27).

A partir daí, com o passar do tempo, a pregação inicial feita pelos apóstolos (do grego ἀπόστολος: apóstolos: enviados) foi criando “esquemas” estruturados, fixos. Tais “esquemas” ou estruturas serviam para a boa realização do “kérigma” (do verbo grego κηρύσσω: kerisso: proclamar, anunciar, pregar), isto é, do anúncio ao povo, especialmente aos judeus que ainda não criam em Jesus, e depois, aos pagãos. O plano destas pregações corresponde basicamente aos dos outros evangelhos. Como exemplo deste “esquema kerigmático”, destaco apenas dois textos bíblicos, um do apóstolo Paulo e outro do evangelista Lucas:

a) “Por primeiro, eu lhes transmiti aquilo que eu mesmo recebi, isto é: Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; ele foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos Doze” (1Cor 15,3-5).

b) “Vocês sabem o que aconteceu em toda a Judéia, a começar pela Galiléia, depois do batismo pregado por João. Eu me refiro à Jesus de Nazaré: Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder. E Jesus andou por toda a parte, fazendo o bem e curando todos os que estavam dominados pelo diabo; porque Deus estava com Jesus. E nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles mataram a Jesus suspendendo-o numa cruz. Deus, porém, o ressuscitou ao terceiro dia e lhe concedeu manifestar a sua presença, não para todo o povo, mas para as testemunhas que Deus já havia escolhido: para nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ele ressuscitou dos mortos” (At 10,37-41).

Como se percebe, tanto a proclamação de Paulo como o do discurso de Pedro começam pela recordação da morte de Jesus para chegarem ao anúncio da ressurreição. Com isso, vejamos agora esses dois momentos da trajetória de Jesus.


1. A morte de Jesus

Não podemos desconhecer que a morte de Jesus foi decorrência direta dos conflitos sociais, econômicos, políticos e religiosos da sua época. Porém, há muitos métodos de catequese, ainda hoje, que não apresentam com clareza esta faceta da vida de Jesus. Diz-se simplesmente que “Jesus morreu por nossos pecados” (1Cor 15,3b). Isto é bastante comprometedor porque, além de reduzir o pensamento inteiro do apóstolo, ainda acaba criando certa ambigüidade, pois oferece o risco de incriminar todos os sofredores que, além de tanta aflição, ainda acabam sendo culpabilizados pela crucificação de Jesus. Com isso, deixa-se de mostrar que a morte de Jesus é fruto de todo o seu compromisso com a vida do povo e de toda uma luta contra as injustiças. O Evangelho nos mostra que a missão do Filho de Deus não é outra senão a de nos salvar: “De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3, 17; Cf Jo 12,47). Porque este é o gozo de Deus: “Por acaso, eu sinto prazer com a morte do injusto? O que eu quero é que ele se converta dos maus caminhos, e viva” (Ez 18,23). Face a isso, penso que uma boa abordagem sobre a morte de Jesus deve considerar basicamente três aspectos:


a) A morte de Jesus como “fruto de sua coerência”

Incontestavelmente, a morte de Jesus foi conseqüência de toda a sua vida dada a favor dos oprimidos e marginalizados do seu tempo. Nesse sentido, podemos afirmar que a morte de Jesus foi o extremo de um caminho, o resultado de toda uma luta; foi o fruto de sua coerência até o fim; foi o que lhe sobrou de sua solidariedade com os pobres, de seu compromisso com a causa popular de sua época. Neste nível de reflexão, nós podemos ligar a vida de Jesus com toda a perspectiva do êxodo do Egito. O Deus do êxodo é um Deus solidário, comprometido com o seu povo, como se percebe: Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-los do poder dos egípcios e para fazê-lo subir desta terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel...” (Ex 3,7-8). Da mesma forma, Jesus de Nazaré foi solidário com seu povo, assumindo para si a sua realidade sofrida. Por isso, coerentemente, Jesus enfrentou a morte.


b) A morte de Jesus como resultado de uma “trama humana”

A morte de Jesus é também o efeito de uma trama humana. O seu trucidamento foi o que lhe restou dos desarranjos sociais da época. A mesma coisa acontece hoje em dia com os nossos mártires que dedicam inteiramente a sua vida ao povo e ao Evangelho, como constata o próprio Magistério eclesial: “profecia e martírio são legados da memória da Igreja chamada a testemunhar, com coragem e liberdade, a Palavra que defende a vida e julga os poderes deste mundo” (Doc. da CNBB, 87, n. 66; Cf. Doc. da CNBB, 71, n. 25). Assim, a morte dos mártires é fruto das injustiças de uma sociedade gananciosa baseada no modo de produção “capitalista neoliberal” e excludente, da qual nós fazemos parte. Podemos assim dizer, que tanto a morte de Jesus como a morte dos mártires de ontem e de hoje, é o resultado de uma decisão política.

Da mesma forma, a grande causa da morte de milhares de pessoas, homens e mulheres, idosos, jovens e crianças, é a opção política e econômica mal feita, ou melhor, muito bem arquitetada a favor dos grandes. São decisões forjadas por quem têm nas mãos as rédeas do poder. É nesse horizonte que nós descobrimos e assimilamos a “dimensão política” da morte de Jesus. E não podemos, de modo algum, desconhecer ou escamotear este aspecto. Não é o único, mas é um aspecto fundamental, porque é no cerne desta trama humana e no interior da morte política de Jesus que nós vamos desvelar a “dimensão teológica” de sua morte.

Ainda com relação ao motivo da morte política de Jesus, os Evangelhos não nos deixam dúvidas sobre toda a “trama” que o fez perecer (Cf. Mc 3,6; 14,1-2; 15,1-2; Mt 16,21; 17,12c; 20,17-28; 26,31-32; Lc 6,11; 11,53-54; 13,31; 15,2; 16,14; 19,47; 20,19-20; 22,2.22.54; 23,2.5.14-15; Jo 11,45-57; 18,30). Neste sentido, Jesus segue perfeitamente a mesma trajetória profética do passado: “Vamos tramar um plano contra Jeremias, (...). Vamos ferir Jeremias com a língua, e não vamos fazer caso de suas palavras” (Jr 18,18). Comparativamente à época de Jesus, hoje em dia existem métodos muito mais sofisticados para se travar uma conspiração contra alguém. Por exemplo, às vezes, não é vantagem perseguir, intimidar, ameaçar ou matar um líder; é preferível cooptar, isto é, “associar-se a”, “agregar-se a”, “juntar-se a”, puxar para o seu lado, oferecendo-lhe um agrado, como um emprego, uma casa, um terreno, algum privilégio, etc.. Ou seja, trata-se de converter um líder popular num “pelego”, em alguém que em vez de lutar pelos interesses dos necessitados, acaba defendendo secretamente os interesses dos exploradores, amaciando, conciliando, ajeitando os conflitos de classes. Tudo isso porque foi “comprado” pelo sistema.


c) A morte de Jesus como “desígnio de Deus”

A morte política de Jesus foi muito bem captada teologicamente pelas comunidades cristãs do primeiro século. Neste sentido, dizemos que a morte de Jesus faz parte do desígnio de Deus, ou seja, faz parte da vontade de Deus, como ele mesmo nos revelou: “Abáh! Pai! Afasta de mim este cálice! Contudo, não seja o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36; Mt 26,39). Isto significa dizer que a morte de Jesus está perfeitamente de acordo com o Projeto de Deus Pai. Por isso, Jesus foi apresentado como o porta voz de Deus por excelência: “De fato, este homem é mesmo o profeta (Jo 7,40; Cf. Mc 6,4; Lc 13,33; 24,19b; Jo 9,17; At 2,22). Desse modo, Jesus assumiu a sua morte livre e espontaneamente, como dono do seu destino: “Ninguém tira a minha vida; eu a dou livremente. Tenho o poder de dar a vida e tenho o poder de retomá-la” (Jo 10,18a).

Assim, a partir da perspectiva política da morte de Jesus, as comunidades cristãs foram gradativamente descobrindo o sentido teológico da sua morte. Sabemos que a vontade de Deus é que o povo tenha vida (Cf. Jo 10,10). E a vida só acontece quando seus filhos e filhas são coerentes com esta vontade, com este desígnio. É justamente pela causa da vida que Jesus vai até o fim. Por isso, Jesus é apresentado como aquele que morre para destruir o pecado fundamental da sociedade que obstaculiza a vida do povo e gera a morte.

O precursor João Batista, no quarto Evangelho, apontou Jesus com asseveridade: “Eis o cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo (1,29). Para o profeta João Batista, “o pecado do mundo” é, sem dúvida, o pecado social, o pecado estrutural que divide a sociedade em classes antagônicas ruindo o Projeto igualitário de Deus. Portanto, este é o maior atentado à honra de Deus, porque deixa na maior parte dos seus filhos e filhas, a morte. É isso que Jesus veio realizar fundamentalmente: tirar o ser humano da morte para estabelecer a vida.

Mas, será possível uma sociedade sem classes? Porque na época de Jesus a classe dominante lia a Bíblia e dizia: “nós temos uma lei, e segundo esta lei ele deve morrer porque se fez Filho de Deus” (Jo 19,7; Cf. Lv 24,16). Por outro lado, os seguidores de Jesus diziam: “Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3b-4). Eles entenderam com extrema clareza que Jesus morreu e ressuscitou “segundo as Escrituras”, não numa perspectiva fatalista, mas devido a sua infinita sintonia e coerência com a “intentio” divina. Inexoravelmente, é nesse sentido que Jesus entendeu muito bem o sentido da sua morte: “o Filho do Homem vai morrer, conforme Deus determinou” (Lc 22,22a).

Os dominadores usavam a Escritura para incriminar Jesus, determinando a sua morte acusando-o de “blasfemo”, de “subversivo”, de “revoltoso”, de “agitador do povo”, de “malfeitor” (Cf. Mc 14,64; Lc 23,2.5.14; Jo 18,30); como aquele que estava solapando a lei e destruindo a nação (Cf. Jo 11,47-48). Mas as comunidades, usando a mesma Escritura, diziam exatamente o contrário. Basta ver a variedade de títulos dados a Jesus que revelavam a fé e a prática das primeiras comunidades que buscavam ser, viver, testemunhar e morrer como Jesus. Estes títulos aplicados a Jesus desvelavam uma prática que desmontava a ideologia da classe dominante. Ainda mais, os títulos traduziam a compreensão da realidade social, vivida pelas pessoas da base, as mais sofridas e abandonadas. Foi a partir da vida de Jesus que as comunidades iam tomando corpo. Então, era muito importante que o povo produzisse e atribuísse títulos a Jesus, porque eles transmitiam seus próprios interesses e anseios.

O Evangelista Marcos (texto fonte), por exemplo, nos dá um vasto elenco com os títulos dados a Jesus: “Cristo / Messias” (1,1; 8,29; 9,41; 12,35-37; 14,61; 15,32), “Filho de Deus” (1,1; 3,11; 15,39), “Senhor” (1,3; 5,19; 7,28; 11,3), “Filho amado” (1,11; 9,7), “Nazareno” (1,24; 10,47; 14,67; 16,6), “Santo de Deus” (1,24), “Filho do Homem” (2,10.28; 8,31.38; 9,9.12.31; 10,33.45; 13,26; 14,21.21.41.62), “Noivo” (2,19), “Filho do Deus altíssimo” (5,7), “Mestre” (5,35; 9,17.38; 10,20.35; 12,14.19.32; 13,1; 14,14), “Carpinteiro” (6,3), “Filho de Maria” (6,3), “Profeta” (6,4.15; 8,28), “Rabi” (9,5; 11,21; 14,45), “Bom Mestre” (10,17), “Filho de Davi” (10,47.48; 12,35-37), “Rabuni” (10,51), “Bendito aquele que vem em nome do Senhor” (11,9), “o Filho” (13,32), “Pastor” (14,27), “Filho do Deus Bendito” (14,61), “Rei dos judeus” (15,2.9.18.26), “Rei de Israel” (15,32).

Então, dentro da trama humana, assim como nos primórdios da Igreja, nós hoje vamos também descobrindo o que é teológico na morte de Jesus. Assim sendo, uma sociedade sem classes é possível, desde que os interesses antagônicos passem a apontar para a mesma direção, assumam a mesma causa, a da vida. Porque inequivocamente o deus dos opressores não é o mesmo Deus dos oprimidos. O Deus Verdadeiro é aquele que nos aponta a opção certa: “Escolhe, portanto, a vida, para que você e seus descendentes possam viver” (Dt 30,19; Cf. Lc 16,19-31).


2. A ressurreição de Jesus

A ressurreição de Jesus é um dado concreto. O evangelista Marcos, conservou esta verdade com uma frase bastante incisiva: “Ele ressuscitou! Não está aqui!” (Mc 16,6c). Lucas também o fez da mesma forma, embora com ênfase diferente: “Ele não está aqui! Ressuscitou!” (Lc 24,6a). Sobre a ressurreição de Jesus podemos falar, a meu ver, a partir de dois aspectos:


a) A ressurreição evento que deu sentido a morte

A ressurreição de Jesus foi o acontecimento que levou a comunidade a tomar posse plenamente do significado de toda a vida de Jesus. Foi esta experiência que levou Pedro a proclamar com intrepidez, “em voz alta” o “kérigma”, isto é, o anúncio essencial: “Que todo o povo de Israel fique sabendo com certeza que Deus tornou Senhor e Cristo aquele Jesus que vocês crucificaram” (At 2,36; Cf. At 2,23-24; 2,36; 3,15; 4,10; 5,30; 10,37-41). Nesta proclamação de Pedro percebemos dois elementos fundamentais de uma autêntica profecia: o anúncio (“Deus tornou Senhor e Cristo”) e a denúncia (“aquele Jesus que vocês crucificaram”).

Percebemos também, nesta fala eloqüente de Pedro, a sua preocupação em mostrar que a ressurreição confere uma continuidade (o Jesus histórico, o Homem de Nazaré que foi morto é o mesmo Senhor Ressuscitado) e uma descontinuidade (Jesus ressuscitado já não é mais somente o Homem de Nazaré, o Jesus histórico, mas é agora o Senhor da Glória, um novo ser).

A ressurreição é, portanto, a confirmação da vida e da mensagem de Jesus, por Deus Pai. Por outro lado, é também a denúncia e a negação de Deus Pai a toda a estrutura dominante que matou Jesus. Nesse sentido, ressurreição foi a reabilitação e a glorificação do mártir perseguido e morto. Aquele que apareceu como um fracassado na cruz, “escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1,23), agora é apresentado como o “Senhor da história”, “o caminho da verdadeira vida” (Jo 14,6).

Porque a Escritura dizia que “Se um homem sentenciado à pena de morte, for executado e suspenso a uma árvore, seu cadáver não poderá permanecer na árvore durante a noite. Você deverá sepultá-lo no mesmo dia , pois quem é suspenso, torna-se um maldito de Deus” (Dt 21,22-23). Face a essa mentalidade, certamente o grande esforço da comunidade cristã foi buscar superar o “escândalo” da cruz (Cf. 1Cor 1,18-25). Quer dizer, a morte de Jesus na cruz foi um “escândalo” que tinha que ser superado pelo salto qualitativo da fé. Assim, corajosamente, a comunidade se opõe mostrando veementemente que Jesus pendurado no madeiro não é “um maldito”, mas o bendito, sinal de bênção e garantia de salvação para todos os deserdados da vida (Cf. Gl 3,13-14).

Semelhantemente àquela época, também hoje muitos dizem resignados: Para que lutar? Isso é uma loucura! Deixe como está! Não adianta mudar, Deus quer assim mesmo! Assim como a comunidade do primeiro século teve que se empenhar com afinco para rever a Escritura e buscar superar o abismo escavado pela morte de Jesus, a fim de tornar-se prolongamento vivo dos seus gestos e ensinamentos, devemos nós também ter a mesma atitude.

Na vida litúrgica da Igreja expressamos a densidade desse anúncio kerigmático quando exclamamos na celebração da Eucaristia: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus”. Somente o encontro com o Ressuscitado, na Eucaristia, permite-nos compreender a relação entre estas três realidades: a morte de Cristo não foi uma desgraça, é, antes, uma boa-nova a anunciar; ser cristão é proclamar, sempre e em tudo, a ressurreição de Jesus, o que fundamenta a nossa esperança de que Ele virá, um dia, ao nosso encontro, na plenitude da Sua glória de Filho de Deus; e acreditar que Jesus ressuscitou dos mortos, é mais do que aceitar o acontecimento, por mais inaudito que seja.

Porque acreditar na ressurreição de Cristo é aderir, como mistério próprio, à vida desse ressuscitado, reconhecendo a sua glória de Filho de Deus. Acreditar não é só aceitar, é mergulhar na imensidão desse mistério e sentir que Jesus pode transformar a nossa vida. É sentir que na ressurreição de Cristo, nós próprios já ressuscitamos, porque podemos viver uma vida de ressurreição, mesmo antes da nossa morte. Acreditar na ressurreição de Cristo, é ainda mergulhar na aventura da fé, é iniciar um caminho que tudo transformará.


b) A ressurreição como revelação da imagem de Jesus em profundidade

A ressurreição de Jesus, ao invés de apagar a sua imagem histórica, pelo contrário, revelou-a em profundidade. Isso significa que pela sua ressurreição Jesus penetrou definitivamente na nossa história. Agora nós não precisamos mais buscar Deus no céu, distante de nós. Deus adentrou na história, e a história entrou definitivamente na vida de Deus. Este é o grande valor da ressurreição. Jesus levou para junto do Pai a fantástica experiência de ser gente, de ser humano. É como diz o escritor e religioso dominicano brasileiro Frei Betto: “Humano assim, como Jesus foi, só podia ser Deus mesmo”. Isso nos mostra que Jesus continua sendo gente, sendo pessoa, apesar de muitos acharem que Jesus ressuscitado, “sentado à direita do Poderoso” (Mc 14,62; Lc 22,69; Cf. Rm 8,34; Ef 1,20; Cl 3,2) ou “de pé, à direita de Deus” (At 7,55-56), nada mais tem a ver com a nossa história, que já não é mais humano. Isto é uma heresia (do grego αἵρεσις: háiresis: escolha), ou seja, uma opção por um pensamento contrário à sã doutrina, o que pode vir a se tornar uma negação da fé.

A experiência de Jesus de ser humano, de ser gente, foi a mesma experiência vivida por Maria de Nazaré, uma mulher do povo, engajada em suas lutas e em seus anseios. É por isso que a Igreja, sob o pontificado de Pio XII, ao proclamar “dogma da Assunção”, a 1º/11/1950, ensina que a Mãe de Deus, no fim de sua vida terrena foi elevada em corpo e alma à glória celestial. A assunção de nossa Senhora ao céu quer mostrar justamente que a feminilidade também penetra o ser de Deus, um Deus que é ao mesmo tempo masculino e feminino. Portanto, “a Assunção da Santíssima Virgem constitui uma participação singular na Ressurreição do seu Filho e uma antecipação da Ressurreição dos demais cristãos” (Catecismo, n. 966). Tudo isso vale para nós também, porque quanto mais humanos nós formos, mais próximos da divindade estaremos.


Conclusão

Neste pequeno estudo, busquei apresentar uma parte muito pequena das narrativas mais marcantes da morte (Paixão) e da ressurreição de Jesus. Mas hoje em dia já há uma vasta pesquisa e grandes discussões cristológicas a respeito desse assunto. Este breve artigo sobre e a partir de Jesus Cristo não teve por objetivo definir a ele, mas a nós mesmos. Não pretendi definir este mistério de fé, mas despertar a nossa posição frente ao mistério. Porque o que aqui escrevi sobre a morte e ressurreição de Jesus Cristo, nada é diante daquilo que a fé contempla e abraça com louvor. É claro que diante do mistério que envolve a pessoa de Jesus, devemos nos calar reverentes. Mas isso não dispensa o bom estudo e o adequado aprofundamento no que se refere à Jesus Cristo, o que chamamos de Cristologia. Então, vamos refletir sobre e a partir de Jesus, para que melhor falemos com ele!

Por isso, todo estudioso de Jesus Cristo deve imprescindivelmente partir da experiência e do exemplo do frade carmelita e grande místico espanhol São João da Cruz: “Há muito que aprofundar em Cristo, sendo ele qual abundante mina com muitas cavidades, cheias de ricos veios, e por mais que se cave, nunca se chega ao termo, nem se acaba de esgotar; ao contrário, se vai achando em cada cavidade novos veios de novas riquezas, aqui e ali, conforme testemunha São Paulo quando disse do mesmo Cristo: ‘Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e ciência’ (Cl 2,3)” (Obras de São João da Cruz, II. Vozes: Petrópolis, 1960, p. 201). Assim sendo, na busca decidida de conhecer a Jesus cada vez mais, continuemos pedindo: “Vinde, Senhor Jesus!” (1Cor 16,23).

terça-feira, 7 de abril de 2009

"EU SOU JAVÉ, AQUELE QUE CURA VOCÊ" (Ex 15,26b)


Pe. Paulo Nunes de Araujo


Hoje, dia 7 de abril, é o “Dia mundial da saúde”. Este “dia” foi criado em 1948, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir da preocupação em manter o bom estado de saúde das pessoas do mundo, bem como alertar as autoridades sobre os principais problemas que podem atingir a população. Portanto, a motivação tem como base o direito do cidadão e a obrigação do Estado na promoção da saúde, a fim de que o ser humano não apenas sobreviva, mas viva com dignidade.

Atualmente, “os avanços da medicina, os cuidados mais refinados com a forma física e a alimentação têm contribuído para o crescimento da expectativa de vida no mundo. Mas continuam não explicando por que certas pessoas vivem tanto, (...) enquanto outras morrem relativamente cedo... A resposta para este mistério pode estar no todo ou em parte de dez atitudes interiores de cura cuja influência os cientistas começaram a investigar no fim do século passado” (BORGES, Júlio César. As regras da boa saúde. Planeta, São Paulo: p. 45-49, janeiro, 2003).

Ao ler o artigo do autor sobrescrito, percebi que essas dez atitudes interiores estão intimamente ligadas com o Evangelho. Então, aceitei a proposta do autor de “conhecê-las e depois avaliar qual a minha condição diante delas”. Decidi fazer isso, tomando a liberdade de incrementá-las com os ensinamentos de Jesus, buscando articular fé e pesquisa científica, até porque, como ensina o Magistério eclesial, “diante da falsa visão, tão difundida em nossos dias, de uma incompatibilidade entre fé e ciência, a Igreja proclama que a fé não é irracional” (DA, n. 494; Cf. DA, n. 123.465-466), pois “a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade” (João Paulo II. Carta Encíclica Fides et Ratio. Aos bispos da Igreja Católica sobre as relações entre fé e razão, Preâmbulo. Disponível em: <clique aqui>. Acessado em: 6 abr. 2009).

Conforme eu já comentei em outros artigos, o nosso planeta está vivendo as conseqüências terríveis da globalização. Porque a globalização, “tal como está configurada atualmente, não é capaz de interpretar e reagir em função de valores objetivos que se encontram além do mercado e que constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o amor, e muito especialmente a dignidade e o direito de todos” (DA, n. 60-61; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 24).

Em meio a este mundo tão estigmatizado pelo mercado global ou total, gerado pela civilização pós-industrial, Jürgen Habermas, renomado filósofo e sociólogo alemão, apontou “quatro medos-vergonha” que sempre afligiram e continuam afligindo a humanidade, a saber: a fome e a miséria com o avanço do capitalismo; o contínuo desrespeito aos direitos humanos, individuais e sociais e das nações; a insegurança generalizada; e o risco da destruição nossa e da natureza.

Esses “quatro medos-vergonha” têm criado profundas tensões que produzem sérias repercussões, até de ordem psicossomática (lesões orgânicas produzidas por influências psíquicas: emoções, desejos, medo, angústia), prejudicando a boa saúde e comprometendo a vida.
Sabemos que a vida se manifesta na saúde, um bem inestimável que, normalmente, só a valorizamos quando a perdemos. A própria Organização Mundial de Saúde afirma que “saúde é o completo bem estar físico, social, psíquico e espiritual, ocorrendo conjuntamente, e não apenas a ausência de enfermidades” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Constituição da Organização Mundial da Saúde. Preâmbulo. Nova Iorque, 22 de julho de 1946, p. 1). Este conceito traz uma nova visão sobre saúde, a qual passou a ser classificada como o estudo dinâmico de bem estar físico, psíquico, social e espiritual de um indivíduo. Com isto, podemos dizer que há mais doentes do que se imagina. Portanto, não basta existir; é preciso viver com dignamente e com saúde plena.

Em equivalência surgem outros fatores que têm contribuído para a um maior entendimento sobre o que é saúde, assim como, a saúde entendida como qualidade de vida em uma perspectiva biopsicossocial e até mesmo a inclusão do cultural, histórico e espiritual. Sendo assim, o sujeito deve ser visto em sua completude, em sua integralidade, considerando todos os aspectos essenciais a sua vida.

Muitos estudiosos atualmente mostram que “a psicologia por sua vez, entrará nesse contexto como um campo do saber que contribuirá para a promoção e manutenção da saúde, trocando conhecimentos com outras áreas da saúde, ampliando o espaço educativo e o enriquecimento das ações que visam a prática em saúde. O homem passa a ser entendido em sua complexidade, de maneira que há consolidação e reforço do sujeito bio, psico, social, histórico, cultural e espiritual” (Cf. PUCMINAS. Disponível em: <clique aqui>. Acessado em: 6 abr. 2009).

Recorramos agora àquelas dez atitudes interiores que ajudam a ter uma boa saúde.

1) Amor. É o sentimento terno de uma pessoa para outra. Certamente é a mais concreta e sublime experiência humana que atinge a todos de modo incontrolável, chegando a superar os limites da morte, pois “tão forte como a morte é o amor” (Ct 8,6b). Segundo Júlio César Borges, “as modernas pesquisas no campo da imunologia têm demonstrado que, enquanto os sentimentos negativos minam o sistema imunológico, os positivos têm o dom de aumentar a sua eficiência”.

Diante disso, sabendo que o ser humano só é feliz e se realiza no amor, Jesus ordena: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Jo 13,34; Jo 15,12), e mostra que aí está a identidade da comunidade: “nisso todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). Como povo de Deus, precisamos “amar-nos mutuamente” (1Ts 3,12), servir-nos uns aos outros “através do amor” (Gl 5,13), tolerar-nos, sendo “amáveis e pacientes” (Ef 4,2); “corrigirmos uns aos outros” (Rm 15,14), “consolar-nos” (1Ts 4,18).

2) Amizade. Uma pesquisa feita em Roseto, Pensilvânia, EUA, mostrou que “encarar os outros como uma extensão positiva da própria família (simpatia, senso de comunidade, envolvimento com os outros, disposição a ajudar), reforça o funcionamento do sistema imunológico”.

Frente a isso, Jesus ensina que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Por isso, “não vos chamo servos, mas vos chamo amigos” (Jo 15,15). Com isso, Jesus mostra na prática, o que se ensinava na literatura sapiencial: “amigo fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro” (Sir 6,14).

3) Compaixão. De acordo com Jerry Jampolsky, psiquiatra norte-americano, “enquanto nos concentramos em ajudar outras pessoas e nos desligamos de nossos próprios problemas e do nosso corpo, os medos parecem se dissolver e a paz de espírito toma o seu lugar”. Não se trata aqui de ter dó, pois a dó é um sentimento vertical, opressivo, e a compaixão é horizontal, que iguala as pessoas e cria laços de fraternidade. Na Bíblia Hebraica, a palavra “compaixão” é rahamim, cuja raiz é rehem (útero, ventre materno, vísceras, entranhas: Cf. 2Sm 24,14; Is 63,15; Os 2,21; Sl 51,3; 69,17; 103,4; Lm 3,22; Dn 9,18; Ne 9,21, etc.). Jesus é compassivo porque fez-se “amigo dos pecadores” (Mt 11,19), amando-os com um amor entranhado, visceral, como o amor da mãe pelo filho, um amor capaz de gerar vida (Cf. Is 54,8; 66,13; Sl 27,10; Os 11,4.8c).

Em vista disso, Jesus ensina a romper as barreiras que obstaculizam essa atitude: “Certo samaritano em viagem, chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão” (Lc 10,33); questiona: “Não devias, também tu, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?” (Mt 18,33) e determina: “Sede compassivos, como o vosso Pai é compassivo” (Lc 6,36). Jesus nos ensina que na verdadeira comunidade cristã, devemos “ser compassivos, cheios de amor fraterno, misericordioso e de espírito humilde” (1Pd 3,8).

4) Riso. Rir é o ato que expressa alegria, contentamento e satisfação. Conforme Norman Cousins, jornalista norte-americano, “a doença não é um assunto ligado ao riso. Talvez devesse ser. O riso é uma forma de exercício físico interno. Ele movimenta seus órgãos internos. Ele intensifica a respiração. Dá a partida para uma grande expectativa”. O renomado professor Luis Marins aponta que uma das “dez dicas” para se manter o entusiasmo é “cultivar a alegria, o riso e o bom humor”. E o Magistério eclesial ensina que “a alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita pra anunciar a boa nova do amor de Deus” (DA, n. 29).

Em face disso, penso que deveríamos desenvolver na Igreja uma pujante “teologia da alegria, do prazer”. Porque o nosso Deus é o Deus do prazer: “por acaso, eu sinto prazer com a morte do ímpio? O que eu quero é que ele se converta dos seus maus caminhos, e viva” (Ez 18,23). Portanto, a “alegria” deve ser a reação mais elementar de quem encontrou Jesus e o seu Reino como o absoluto valor (Cf. Mt 13,44). Afinal, essa é a garantia oferecida pelo próprio Jesus: “a vossa tristeza se transformará em alegria; o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará vossa alegria” (Jo 16,20b.22b). Realmente, logo adiante, “os discípulos ficaram cheios de alegria por verem o Senhor” (Jo 20,20).

5) Vontade própria. Trata-se de um sentimento que incita alguém a atingir o fim proposto por esta disposição; é ter capacidade de tomar livremente uma decisão; é ter energia, empenho, interesse, zelo, ânimo, firmeza e perseverança no querer ou no realizar algo. Dizem os médicos que nenhum dos tratamentos de autocura funcionará a contento se a pessoa estiver em dúvida sobre a sua eficiência. Ele deve ter a mente mobilizada e motivada no sentido da boa saúde.

Na Escritura, encontramos fortes expressões de resistência, que mantém viva essa disposição natural e interior, como: “Tem coragem e mostremo-nos fortes!” (1Cr 19,13); “Sê forte e mãos à obra!” (1Cr 20,10b); “Sede firmes, e que vossas mãos não se enfraqueçam” (2Cr 15,7); “Sede fortes, não temais” (Is 35,4). No Evangelho, Jesus também nos desperta ao mesmo empenho: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc 13,24).

6) Esperança. Segundo Bernie Siegel, oncologista e escritor norte-americano, “no âmbito da saúde, a esperança é uma atitude de expectativa positiva, confiante, capaz de aumentar a vontade de viver; sua atuação incentiva o funcionamento do sistema imunológico a pontos freqüentemente inesperados pela ciência médica”.

No Segundo Testamento, o apóstolo Paulo exorta a comunidade dizendo que “a tribulação produz a perseverança, a perseverança a virtude comprovada, a virtude comprovada a esperança. E a esperança não decepciona” (Rm 5,4b-5a). Porque o que se espera é garantido, isto é, “nossa salvação é objeto de esperança” (Rm 8,24a). Diante dos conflitos da vida o apóstolo Pedro encoraja: “estejam sempre prontos a dar razão da vossa esperança” (1Pd 3,15).

7) Fé. Para nós, trata-se de adesão e anuência pessoal a Deus. Muitos médicos dizem que “crer existencialmente que um poder espiritual superior zela por nós, acionado pela oração, tem o dom de retirar pesadas cargas de nosso ombro e fortalecer as defesas imunológicas do corpo”.

Frente a isso, quando os discípulos de Jesus lhe pediram: “aumenta em nós a fé” (Lc 17,5), ele prontamente respondeu: “se tendes a fé como um grão de mostarda...” (Lc 17,6), mostrando que fé não é questão de quantidade, mas de qualidade, de genuinidade. Por conta dessa debilidade de fé, Jesus se decepciona: “vós, homens, fracos na fé” (Mt 6,30); se admira: “em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé!” (Mt 8,10); questiona: “homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31), “por que tendes medo? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40), “quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?" (Lc 18,8). Por fim, encoraja dizendo que “tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o recebereis” (Mt 21,22).

8) Renúncia. Trata-se de eliminar voluntariamente o apego às posses materiais e abdicar do orgulho faz com que a pessoa se desfaça de um dos principais motivos de estresse. De acordo com Arthur Deikman, médico norte-americano, “a renúncia significa desistir da ligação com as coisas do mundo, uma ligação baseada no desejo de possuí-las. O resultado dessa aceitação é a sensação de preenchimento, e não de perda”.

Em vista disso, Jesus nos lança o grande desafio: “Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Por isso, ao convite de Jesus: “segue-me!”, Levi/Mateus “deixou tudo e o seguia” (Lc 5,27-28; Mt 9,9), atitude seguida pelo grupo: “eis que nós deixamos tudo e te seguimos” (Mc 10,28; Mt 19,27; Lc 18,28). Mas este convite de Jesus é estendido a todos. Quando um dia “alguém que era possuidor de muitos bens” lhe perguntou: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Mc 10,17; Mt 19,16; Lc 18,18), Jesus prontamente respondeu: “só uma coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu” (Mc 10,21; Lc 18,22a). Trata-se de uma decisão difícil, tanto assim que “o homem ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10,22).

9) Ausência de julgamento. Colocar as rédeas no juiz interior é uma das tarefas mais complexas desta vida, mas fundamental do ponto de vida da saúde. Trata-se de entrar em estado de equanimidade (serenidade de espírito, moderação, retidão), capaz de aceitar as coisas sem rotulá-las como boas ou más. A meditação é um bom exercício para aprender a não julgar.

Em face disso, Jesus ensina: “não julgueis os outros, para não serdes julgados por Deus. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a mesma medida com que medis sereis medidos” (Mt 7,1-2: Lc 6,37a). Afinal, “quem tu és para julgares o teu próximo?” (Tg 4,12a). Portanto, “não julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça” (Jo 7,24). Assim, devemos ser “bons e compreensivos uma com os outros” (Ef 4,32).

10) Perdão. Conforme Louise Hay, escritora norte-americana, “precisamos escolher nos libertar do passado e perdoar a todos, inclusive a nós mesmos. Para nossa própria cura é imperativo que nós nos libertemos do passado e perdoemos a todos”. De fato, “o perdão é a chave para a felicidade”.

Diante disso, Jesus ensina que é preciso “cada um perdoar, de coração, ao seu irmão” (Mt 18,35). Portanto, “perdoai, e vos será perdoado” (Lc 6,37c); “se teu irmão pecar contra ti sete vezes por dia e sete vezes ele retornar, dizendo ‘estou arrependido’, tu lhe perdoarás” (Lc 17,4). Para o apóstolo Paulo, esta deve ser uma marca distintiva do cristão: “perdoai-vos mutuamente, se alguém tem motivo de queixa contra o outro” (Cl 3,13).

Concluindo esta breve abordagem, fica-nos claro que “diante da exclusão, Jesus defende os direitos dos fracos e a vida digna de todo ser humano. De seu Mestre, o discípulo tem aprendido a lutar contra toda forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa humana. Só o Senhor é autor e dono da vida. O ser humano, sua imagem vivente, é sempre sagrado, desde a sua concepção até a sua morte natural, em todas as circunstâncias e condições de sua vida” (DA, n. 112). Formando laços íntimos e, assim, dando e recebendo amor, carinho e proteção, podemos ter positiva influência moral, física e espiritual uns sobre os outros. A Palavra de Deus está certa em mostrar a importância das boas relações, não no âmbito espiritual, mas também no físico. Como a saúde é a manifestação evidente da vida, faz-se indispensável toda a nossa dedicação emanada da boa articulação entre fé e ciência, a fim de que se realize melhor o profundo desejo de Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10b). Assim sendo, caro leitor/a, “desejo que você prospere em tudo e que a saúde do seu corpo esteja tão bem quanto à de sua alma” (3Jo v 2).

 
©2007 '' Por Elke di Barros