terça-feira, 7 de abril de 2009

"EU SOU JAVÉ, AQUELE QUE CURA VOCÊ" (Ex 15,26b)


Pe. Paulo Nunes de Araujo


Hoje, dia 7 de abril, é o “Dia mundial da saúde”. Este “dia” foi criado em 1948, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir da preocupação em manter o bom estado de saúde das pessoas do mundo, bem como alertar as autoridades sobre os principais problemas que podem atingir a população. Portanto, a motivação tem como base o direito do cidadão e a obrigação do Estado na promoção da saúde, a fim de que o ser humano não apenas sobreviva, mas viva com dignidade.

Atualmente, “os avanços da medicina, os cuidados mais refinados com a forma física e a alimentação têm contribuído para o crescimento da expectativa de vida no mundo. Mas continuam não explicando por que certas pessoas vivem tanto, (...) enquanto outras morrem relativamente cedo... A resposta para este mistério pode estar no todo ou em parte de dez atitudes interiores de cura cuja influência os cientistas começaram a investigar no fim do século passado” (BORGES, Júlio César. As regras da boa saúde. Planeta, São Paulo: p. 45-49, janeiro, 2003).

Ao ler o artigo do autor sobrescrito, percebi que essas dez atitudes interiores estão intimamente ligadas com o Evangelho. Então, aceitei a proposta do autor de “conhecê-las e depois avaliar qual a minha condição diante delas”. Decidi fazer isso, tomando a liberdade de incrementá-las com os ensinamentos de Jesus, buscando articular fé e pesquisa científica, até porque, como ensina o Magistério eclesial, “diante da falsa visão, tão difundida em nossos dias, de uma incompatibilidade entre fé e ciência, a Igreja proclama que a fé não é irracional” (DA, n. 494; Cf. DA, n. 123.465-466), pois “a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade” (João Paulo II. Carta Encíclica Fides et Ratio. Aos bispos da Igreja Católica sobre as relações entre fé e razão, Preâmbulo. Disponível em: <clique aqui>. Acessado em: 6 abr. 2009).

Conforme eu já comentei em outros artigos, o nosso planeta está vivendo as conseqüências terríveis da globalização. Porque a globalização, “tal como está configurada atualmente, não é capaz de interpretar e reagir em função de valores objetivos que se encontram além do mercado e que constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o amor, e muito especialmente a dignidade e o direito de todos” (DA, n. 60-61; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 24).

Em meio a este mundo tão estigmatizado pelo mercado global ou total, gerado pela civilização pós-industrial, Jürgen Habermas, renomado filósofo e sociólogo alemão, apontou “quatro medos-vergonha” que sempre afligiram e continuam afligindo a humanidade, a saber: a fome e a miséria com o avanço do capitalismo; o contínuo desrespeito aos direitos humanos, individuais e sociais e das nações; a insegurança generalizada; e o risco da destruição nossa e da natureza.

Esses “quatro medos-vergonha” têm criado profundas tensões que produzem sérias repercussões, até de ordem psicossomática (lesões orgânicas produzidas por influências psíquicas: emoções, desejos, medo, angústia), prejudicando a boa saúde e comprometendo a vida.
Sabemos que a vida se manifesta na saúde, um bem inestimável que, normalmente, só a valorizamos quando a perdemos. A própria Organização Mundial de Saúde afirma que “saúde é o completo bem estar físico, social, psíquico e espiritual, ocorrendo conjuntamente, e não apenas a ausência de enfermidades” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Constituição da Organização Mundial da Saúde. Preâmbulo. Nova Iorque, 22 de julho de 1946, p. 1). Este conceito traz uma nova visão sobre saúde, a qual passou a ser classificada como o estudo dinâmico de bem estar físico, psíquico, social e espiritual de um indivíduo. Com isto, podemos dizer que há mais doentes do que se imagina. Portanto, não basta existir; é preciso viver com dignamente e com saúde plena.

Em equivalência surgem outros fatores que têm contribuído para a um maior entendimento sobre o que é saúde, assim como, a saúde entendida como qualidade de vida em uma perspectiva biopsicossocial e até mesmo a inclusão do cultural, histórico e espiritual. Sendo assim, o sujeito deve ser visto em sua completude, em sua integralidade, considerando todos os aspectos essenciais a sua vida.

Muitos estudiosos atualmente mostram que “a psicologia por sua vez, entrará nesse contexto como um campo do saber que contribuirá para a promoção e manutenção da saúde, trocando conhecimentos com outras áreas da saúde, ampliando o espaço educativo e o enriquecimento das ações que visam a prática em saúde. O homem passa a ser entendido em sua complexidade, de maneira que há consolidação e reforço do sujeito bio, psico, social, histórico, cultural e espiritual” (Cf. PUCMINAS. Disponível em: <clique aqui>. Acessado em: 6 abr. 2009).

Recorramos agora àquelas dez atitudes interiores que ajudam a ter uma boa saúde.

1) Amor. É o sentimento terno de uma pessoa para outra. Certamente é a mais concreta e sublime experiência humana que atinge a todos de modo incontrolável, chegando a superar os limites da morte, pois “tão forte como a morte é o amor” (Ct 8,6b). Segundo Júlio César Borges, “as modernas pesquisas no campo da imunologia têm demonstrado que, enquanto os sentimentos negativos minam o sistema imunológico, os positivos têm o dom de aumentar a sua eficiência”.

Diante disso, sabendo que o ser humano só é feliz e se realiza no amor, Jesus ordena: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Jo 13,34; Jo 15,12), e mostra que aí está a identidade da comunidade: “nisso todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). Como povo de Deus, precisamos “amar-nos mutuamente” (1Ts 3,12), servir-nos uns aos outros “através do amor” (Gl 5,13), tolerar-nos, sendo “amáveis e pacientes” (Ef 4,2); “corrigirmos uns aos outros” (Rm 15,14), “consolar-nos” (1Ts 4,18).

2) Amizade. Uma pesquisa feita em Roseto, Pensilvânia, EUA, mostrou que “encarar os outros como uma extensão positiva da própria família (simpatia, senso de comunidade, envolvimento com os outros, disposição a ajudar), reforça o funcionamento do sistema imunológico”.

Frente a isso, Jesus ensina que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Por isso, “não vos chamo servos, mas vos chamo amigos” (Jo 15,15). Com isso, Jesus mostra na prática, o que se ensinava na literatura sapiencial: “amigo fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro” (Sir 6,14).

3) Compaixão. De acordo com Jerry Jampolsky, psiquiatra norte-americano, “enquanto nos concentramos em ajudar outras pessoas e nos desligamos de nossos próprios problemas e do nosso corpo, os medos parecem se dissolver e a paz de espírito toma o seu lugar”. Não se trata aqui de ter dó, pois a dó é um sentimento vertical, opressivo, e a compaixão é horizontal, que iguala as pessoas e cria laços de fraternidade. Na Bíblia Hebraica, a palavra “compaixão” é rahamim, cuja raiz é rehem (útero, ventre materno, vísceras, entranhas: Cf. 2Sm 24,14; Is 63,15; Os 2,21; Sl 51,3; 69,17; 103,4; Lm 3,22; Dn 9,18; Ne 9,21, etc.). Jesus é compassivo porque fez-se “amigo dos pecadores” (Mt 11,19), amando-os com um amor entranhado, visceral, como o amor da mãe pelo filho, um amor capaz de gerar vida (Cf. Is 54,8; 66,13; Sl 27,10; Os 11,4.8c).

Em vista disso, Jesus ensina a romper as barreiras que obstaculizam essa atitude: “Certo samaritano em viagem, chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão” (Lc 10,33); questiona: “Não devias, também tu, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?” (Mt 18,33) e determina: “Sede compassivos, como o vosso Pai é compassivo” (Lc 6,36). Jesus nos ensina que na verdadeira comunidade cristã, devemos “ser compassivos, cheios de amor fraterno, misericordioso e de espírito humilde” (1Pd 3,8).

4) Riso. Rir é o ato que expressa alegria, contentamento e satisfação. Conforme Norman Cousins, jornalista norte-americano, “a doença não é um assunto ligado ao riso. Talvez devesse ser. O riso é uma forma de exercício físico interno. Ele movimenta seus órgãos internos. Ele intensifica a respiração. Dá a partida para uma grande expectativa”. O renomado professor Luis Marins aponta que uma das “dez dicas” para se manter o entusiasmo é “cultivar a alegria, o riso e o bom humor”. E o Magistério eclesial ensina que “a alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita pra anunciar a boa nova do amor de Deus” (DA, n. 29).

Em face disso, penso que deveríamos desenvolver na Igreja uma pujante “teologia da alegria, do prazer”. Porque o nosso Deus é o Deus do prazer: “por acaso, eu sinto prazer com a morte do ímpio? O que eu quero é que ele se converta dos seus maus caminhos, e viva” (Ez 18,23). Portanto, a “alegria” deve ser a reação mais elementar de quem encontrou Jesus e o seu Reino como o absoluto valor (Cf. Mt 13,44). Afinal, essa é a garantia oferecida pelo próprio Jesus: “a vossa tristeza se transformará em alegria; o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará vossa alegria” (Jo 16,20b.22b). Realmente, logo adiante, “os discípulos ficaram cheios de alegria por verem o Senhor” (Jo 20,20).

5) Vontade própria. Trata-se de um sentimento que incita alguém a atingir o fim proposto por esta disposição; é ter capacidade de tomar livremente uma decisão; é ter energia, empenho, interesse, zelo, ânimo, firmeza e perseverança no querer ou no realizar algo. Dizem os médicos que nenhum dos tratamentos de autocura funcionará a contento se a pessoa estiver em dúvida sobre a sua eficiência. Ele deve ter a mente mobilizada e motivada no sentido da boa saúde.

Na Escritura, encontramos fortes expressões de resistência, que mantém viva essa disposição natural e interior, como: “Tem coragem e mostremo-nos fortes!” (1Cr 19,13); “Sê forte e mãos à obra!” (1Cr 20,10b); “Sede firmes, e que vossas mãos não se enfraqueçam” (2Cr 15,7); “Sede fortes, não temais” (Is 35,4). No Evangelho, Jesus também nos desperta ao mesmo empenho: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc 13,24).

6) Esperança. Segundo Bernie Siegel, oncologista e escritor norte-americano, “no âmbito da saúde, a esperança é uma atitude de expectativa positiva, confiante, capaz de aumentar a vontade de viver; sua atuação incentiva o funcionamento do sistema imunológico a pontos freqüentemente inesperados pela ciência médica”.

No Segundo Testamento, o apóstolo Paulo exorta a comunidade dizendo que “a tribulação produz a perseverança, a perseverança a virtude comprovada, a virtude comprovada a esperança. E a esperança não decepciona” (Rm 5,4b-5a). Porque o que se espera é garantido, isto é, “nossa salvação é objeto de esperança” (Rm 8,24a). Diante dos conflitos da vida o apóstolo Pedro encoraja: “estejam sempre prontos a dar razão da vossa esperança” (1Pd 3,15).

7) Fé. Para nós, trata-se de adesão e anuência pessoal a Deus. Muitos médicos dizem que “crer existencialmente que um poder espiritual superior zela por nós, acionado pela oração, tem o dom de retirar pesadas cargas de nosso ombro e fortalecer as defesas imunológicas do corpo”.

Frente a isso, quando os discípulos de Jesus lhe pediram: “aumenta em nós a fé” (Lc 17,5), ele prontamente respondeu: “se tendes a fé como um grão de mostarda...” (Lc 17,6), mostrando que fé não é questão de quantidade, mas de qualidade, de genuinidade. Por conta dessa debilidade de fé, Jesus se decepciona: “vós, homens, fracos na fé” (Mt 6,30); se admira: “em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé!” (Mt 8,10); questiona: “homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31), “por que tendes medo? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40), “quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?" (Lc 18,8). Por fim, encoraja dizendo que “tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o recebereis” (Mt 21,22).

8) Renúncia. Trata-se de eliminar voluntariamente o apego às posses materiais e abdicar do orgulho faz com que a pessoa se desfaça de um dos principais motivos de estresse. De acordo com Arthur Deikman, médico norte-americano, “a renúncia significa desistir da ligação com as coisas do mundo, uma ligação baseada no desejo de possuí-las. O resultado dessa aceitação é a sensação de preenchimento, e não de perda”.

Em vista disso, Jesus nos lança o grande desafio: “Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Por isso, ao convite de Jesus: “segue-me!”, Levi/Mateus “deixou tudo e o seguia” (Lc 5,27-28; Mt 9,9), atitude seguida pelo grupo: “eis que nós deixamos tudo e te seguimos” (Mc 10,28; Mt 19,27; Lc 18,28). Mas este convite de Jesus é estendido a todos. Quando um dia “alguém que era possuidor de muitos bens” lhe perguntou: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Mc 10,17; Mt 19,16; Lc 18,18), Jesus prontamente respondeu: “só uma coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu” (Mc 10,21; Lc 18,22a). Trata-se de uma decisão difícil, tanto assim que “o homem ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10,22).

9) Ausência de julgamento. Colocar as rédeas no juiz interior é uma das tarefas mais complexas desta vida, mas fundamental do ponto de vida da saúde. Trata-se de entrar em estado de equanimidade (serenidade de espírito, moderação, retidão), capaz de aceitar as coisas sem rotulá-las como boas ou más. A meditação é um bom exercício para aprender a não julgar.

Em face disso, Jesus ensina: “não julgueis os outros, para não serdes julgados por Deus. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a mesma medida com que medis sereis medidos” (Mt 7,1-2: Lc 6,37a). Afinal, “quem tu és para julgares o teu próximo?” (Tg 4,12a). Portanto, “não julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça” (Jo 7,24). Assim, devemos ser “bons e compreensivos uma com os outros” (Ef 4,32).

10) Perdão. Conforme Louise Hay, escritora norte-americana, “precisamos escolher nos libertar do passado e perdoar a todos, inclusive a nós mesmos. Para nossa própria cura é imperativo que nós nos libertemos do passado e perdoemos a todos”. De fato, “o perdão é a chave para a felicidade”.

Diante disso, Jesus ensina que é preciso “cada um perdoar, de coração, ao seu irmão” (Mt 18,35). Portanto, “perdoai, e vos será perdoado” (Lc 6,37c); “se teu irmão pecar contra ti sete vezes por dia e sete vezes ele retornar, dizendo ‘estou arrependido’, tu lhe perdoarás” (Lc 17,4). Para o apóstolo Paulo, esta deve ser uma marca distintiva do cristão: “perdoai-vos mutuamente, se alguém tem motivo de queixa contra o outro” (Cl 3,13).

Concluindo esta breve abordagem, fica-nos claro que “diante da exclusão, Jesus defende os direitos dos fracos e a vida digna de todo ser humano. De seu Mestre, o discípulo tem aprendido a lutar contra toda forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa humana. Só o Senhor é autor e dono da vida. O ser humano, sua imagem vivente, é sempre sagrado, desde a sua concepção até a sua morte natural, em todas as circunstâncias e condições de sua vida” (DA, n. 112). Formando laços íntimos e, assim, dando e recebendo amor, carinho e proteção, podemos ter positiva influência moral, física e espiritual uns sobre os outros. A Palavra de Deus está certa em mostrar a importância das boas relações, não no âmbito espiritual, mas também no físico. Como a saúde é a manifestação evidente da vida, faz-se indispensável toda a nossa dedicação emanada da boa articulação entre fé e ciência, a fim de que se realize melhor o profundo desejo de Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10b). Assim sendo, caro leitor/a, “desejo que você prospere em tudo e que a saúde do seu corpo esteja tão bem quanto à de sua alma” (3Jo v 2).

 
©2007 '' Por Elke di Barros