domingo, 15 de junho de 2008

AS DIRETRIZES GERAIS... (DOC. DA CNBB, 87)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Na 46ª Assembléia Geral, realizada de 2 a 11 de abril, os bispos do Brasil aprovaram as novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE), traçando o objetivo geral para o triênio 2008 – 2010: “Evangelizar, a partir do encontro com Jesus Cristo, como discípulos missionários, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, promovendo a dignidade da pessoa, renovando a comunidade, participando da construção de uma sociedade justa e solidária, ‘para que todos tenham vida e a tenham em abundância’ (Jo 10,10).”

O documento foi elaborado a partir de três capítulos: a realidade que nos interpela; discípulos missionários numa Igreja em estado permanente de missão; pistas de ação para a missão evangelizadora. Neste escrito, com o intuito de oferecer esta singela contribuição aos meus leitores, vou ater-me às “pistas de ação pastoral”, expondo-as numa visão geral e direta, dentro dos "três âmbitos de ação", porque são elas que levarão à construção do "novo", sinal do Reino de Deus.


1° ÂMBITO DE AÇÃO: PROMOVER A DIGNIDADE DA PESSOA (nn. 103-149)

O desafio: a construção da identidade pessoal e da liberdade autêntica na atual sociedade. A Palavra como fundamento e critério de ação: “Filhos de Deus, nós o somos” (1Jo 3,2).

PISTAS DE AÇÃO PASTORAL MAIS URGENTES:

a) A pessoa: testemunho, busca, acolhimento e acompanhamento (nn. 115-119): Ir a todas as pessoas, a cada pessoa, às pessoas integralmente. A busca e o acolhimento é sinal do Reino de Deus; Acolher com atenção personalizada, o que é uma dimensão importantíssima do ministério ordenado, à qual ele é chamado; Estar preparados para o encontro e a escuta no momento em que se fizerem necessários; Buscar e criar momentos específicos de visita, escuta, aconselhamento e oração; Criar oportunidades de práticas solidárias ou participação em projetos comuns, de doação gratuita a serviço dos irmãos; Visitar os demais ambientes, além das residências das famílias, como: locais de trabalho, moradia de estudantes, favelas, cortiços, alojamentos de trabalhadores, prisões, albergues, os que moram em situação de rua, etc..

b) A pessoa e as diversas situações de vida (nn. 120-127): Lembrar as crianças, sinal vivo dos que acolhem o Reino de Deus, sobretudo as vítimas da pobreza e da exclusão; Acompanhar a infância desde o direito ao nascimento aos primeiros anos de vida. Destaca-se aí o trabalho da Pastoral da Criança, que encaminha aos grupos de iniciação eucarística, ao ensino religioso, até chegar a Infância Missionária; Acolher melhor e com sincero amor os adolescentes e jovens, pois estão entre os mais expostos aos efeitos da pobreza, como: drogas, prazer, álcool, violência, propostas religiosas e pseudo-religiosas, educação de baixa qualidade, etc.; Renovar a opção afetiva e efetiva de toda a Igreja pela juventude, considerando as ricas indicações do Doc. da CNBB, 85); Subsidiar famílias, escolas, paróquias, pastorais e outras entidades com propostas de educação na área da afetividade e da sexualidade em relação às crianças, adolescentes e jovens; Respeitar e valorizar os idosos pela Pastoral da Pessoa Idosa, e não considerá-los como peso ou carga; Valorizar as mulheres e superar a mentalidade machista, pois elas têm, igual ao homem, dignidade e responsabilidade; Impulsionar uma organização pastoral que promova ainda mais o protagonismo (= que conduz por primeiro) das mulheres; Garantir a efetiva presença das mulheres nos ministérios confiados aos leigos, assim como no planejamento e decisão; Apoiar leis e políticas públicas que harmonizem a vida de trabalho das mulheres com os seus deveres de mãe de família; Usar de criatividade para acolher os homens, tirá-los da margem da Igreja e auxiliá-los no engajamento comunitário.

c) A pessoa e a família (nn. 128-136): Ajudar a família, “patrimônio da humanidade”, por uma Pastoral Familiar intensa e vigorosa; Conscientizar os pais no dever de transmitir a fé e dar testemunho aos filhos, na qualidade de primeiros catequistas; Auxiliar, à luz do Evangelho, as famílias a viverem suas alegrias e dores, bem como a prática efetiva dos valores cristãos; Preparar com seriedade para o matrimônio, desde o namoro e o noivado, e acompanhar depois os novos casais; Acolher, acompanhar e incentivar os casais em segunda união e seus filhos, segundo as orientações do Magistério; Cobrar políticas públicas, efetivas e duradouras, em prol do bem-estar das famílias; Tomar iniciativas de solidariedade em relação a pessoas, famílias e grupos que sofrem, pela miséria, pela fome, etc.; Estimular grupos de apoio às famílias que perderam seus entes queridos em situações de aguda violência; Enfatizar a importância da presença do homem, do pai, na família, como direito dos filhos de terem o pai em casa.

d) A pessoa, o trabalho e a moradia (nn. 137-141): Acompanhar a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, através das Pastorais e Movimentos ligados ao mundo do trabalho; Dar especial atenção aos migrantes e refugiados, criando estruturas nacionais e diocesanas para acompanhá-los e empenhar-se junto aos organismos da sociedade civil, a fim de que se leve em conta os direitos das pessoas em mobilidade; Dar particular atenção aos itinerantes, como: marítimos, pescadores, caminhoneiros, ciganos, circenses, e parquistas; Desenvolver e incrementar uma criativa e articulada Pastoral do Turismo, em vista das pessoas em mobilidade.

e) A pessoa, a pobreza, a exclusão e as ameaças à vida (nn. 142-146): Acompanhar pela Pastoral Social os “novos rostos da pobreza”, fortalecendo a “opção pelos pobres”; Assumir atitudes e práticas na “opção e defesa da vida”, como as pastorais da sobriedade e de prevenção ao HIV; Favorecer o acolhimento das pessoas com deficiência, assegurando-lhes o direito à evangelização e à acessibilidade.

f) A pessoa, a oração e a celebração (nn. 147-149): Educar a pessoa para a oração pessoal, familiar, comunitária e litúrgica, levando-a a orar em qualquer ambiente e hora; Facilitar o direito dos fiéis à participação nos sacramentos, sacramentais e demais atos de piedade cristã.


2° ÂMBITO DE AÇÃO: RENOVAR A COMUNIDADE (nn. 150-175)

O desafio: a fragmentação da vida e a busca de relações mais humanas. A Palavra como fundamento e critério de ação: “Onde dois ou três estiverem reunidos, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20).

PISTAS DE AÇÃO PASTORAL MAIS URGENTES:

a) Diálogo dentro das comunidades (nn. 153-161): Mostrar estima uns pelos outros, dentro da comunidade, pelo princípio de que todos são irmãos e iguais em dignidade; Tornar as Paróquias sempre mais comunidades vivas e dinâmicas, de discípulos missionários de Jesus Cristo; Valorizar ainda mais as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e outras formas associativas. Esse fato indica a necessidade de outras estruturas comunitárias além da paróquia tradicional; Reformular as estruturas paroquiais para que sejam rede de comunidades e grupos, capazes de se articular, conseguindo que seus membros se sintam realmente discípulos missionários de Jesus Cristo, em comunhão; Setorizar as paróquias em unidades territoriais menores. Torna-se cada vez mais urgente e interpelador o fato de que nenhuma comunidade deve se isentar de entrar decisivamente, com todas as suas forças, nos processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé. E “só um sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar uma paróquia” (DA, n. 201); Valorizar, junto com as CEBs, outras formas válidas de pequenas comunidades, de movimentos, de grupos de vida, de oração e de reflexão da Palavra de Deus, pois também são chamados a ser fermento do amor de Deus na sociedade; Observar os critérios indicados pelo Magistério da Igreja para que um grupo, uma pequena comunidade ou um movimento de fiéis leigos possa se considerar autenticamente eclesial (Cf. João Paulo II. Christifideles Laici, n. 30); Acolher a riqueza evangelizadora presente na religiosidade popular. É um catolicismo profundamente inculturado na vida de nosso povo, maneira legítima de viver a fé, modo de sentir-se Igreja e forma de ser missionário; Estimular com urgência a Pastoral Bíblica, a través de cursos, escolas e outros modos de contato com a Palavra de Deus.

b) Comunidade, dons, serviços e ministérios (nn. 162-164): Empenhar por uma efetiva participação de todos nos destinos das comunidades, pela diversidade de carismas, serviços e ministérios, alimentados pela Palavra de Deus anunciada com força querigmática, garantindo sólida espiritualidade; Descobrir e integrar os talentos e carismas escondidos e silenciosos, com os quais o Espírito presenteia os fiéis; Fazer urgentemente um planejamento comunitário de suas ações evangelizadoras, criando assim um esteio de unidade; Planejar a ação evangelizadora, destacando três aspectos: a diversidade ministerial (o trabalho em comunhão manifesta a única Igreja de Cristo), a formação dos conselhos (nos âmbitos pastoral, administrativo e financeiro), e a articulação das ações evangelizadoras (só uma Pastoral de Conjunto ou Orgânica - não uniformista -, é capaz de testemunhar a unidade).

c) Comunidades que dialogam (nn. 165-171): Fazer transbordar o diálogo que há na comunidade cristã rumo a quem ainda não pertence à ela (ser sal, luz e fermento); Ter sensibilidade à presença e atuação do Espírito nos diversos ambientes, horizontes, religiões e culturas; Evitar a indiferença na busca da unidade e a posição preconcebida ou o derrotismo que tendem a ver tudo como negativo; Perseverar no caminho do diálogo ecumênico, pois a divisão entre cristãos permanece como escândalo a nos interpelar; Assumir algumas iniciativas, como: estar bem preparados para “dar as razões de nossa fé e esperança”; Realizar cursos e escolas de ecumenismo, recuperando a força do Batismo como fonte de união e fraternidade; Estabelecer encontro fraterno e respeitoso, através do diálogo inter-religioso com os seguidores de religiões não-cristãs, como os judeus e muçulmanos, nossos irmãos na fé monoteísta; Estender o diálogo inter-religioso aos mundos afro-descendente e indígena, e aprofundar no diálogo com os ateus; Superar a violência, inclusive a de motivação religiosa (fanatismo, fundamentalismo), e trabalhar pela paz e pela vida; Desenvolver bem mais a oração em comum, tanto no diálogo e convívio ecumênico quanto no inter-religioso; Estudar as novas tendências religiosas, as demais Igrejas cristãs e tradições não-cristãs, mesmo quando o diálogo é difícil.

d) Comunidade essencialmente missionária (nn. 172-175): Sair de si e tornar-se cada vez mais missionário. Tal desafio cabe não só a cada um, mas às próprias comunidades; Deixar-nos conduzir à urgência de uma ação missionária planejada, organizada e sistemática; Largar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam mais a transmissão da fé. Trata-se de uma conversão pastoral; Ir além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária (forte comoção: DA, n. 362); Buscar os primeiros destinatários, que são os católicos afastados e indiferentes à riqueza da vida comunitária; Ir ao encontro dos que aceitam Jesus Cristo e a Igreja, mas deixaram a comunidade, por inúmeras razões (DA, 225-226); Estabelecer contato pessoal, diálogo, presença amiga, fraterna e solidária, para o resgate dessas pessoas à comunidade; Assumir efetivamente, além da transformação da Paróquia, a conversão pastoral que a Igreja hoje nos solicita; Comprometer-nos com a missão além-fronteiras, em outras regiões e ambientes, onde o anúncio se faz mais urgente; Desburocratizar a ação, pelo contato direto com as pessoas, grupos e povos, a partir da experiência das Igrejas irmãs; Acolher, no coração, na reflexão e na vida, o profundo sentido de uma Igreja, toda ela, ministerial e missionária; Assumir uma pedagogia que valorize e ponha em destaque esse novo modo de coordenar e de viver, a fim de que haja efetiva participação dos cristãos leigos e leigas na vida da comunidade e em sua missão evangelizadora.


3° ÂMBITO DE AÇÃO: CONSTRUIR UMA SOCIEDADE SOLIDÁRIA (nn. 176-209)

O desafio: o escândalo da exclusão e da violência na sociedade consumista nos interpela à realização da solidariedade. A Palavra como fundamento e critério de ação: “Não havia necessitado entre eles” (At 4,34).

PISTAS DE AÇÃO PASTORAL MAIS URGENTES:

a) Compromisso solidário (nn. 182-186): Tomar iniciativas de solidariedade especialmente em relação aos mais gravemente atingidos pela exclusão; Tornar possível o acolhimento a partir do contato interpessoal efetivo, em face das necessidades humanas básicas; Manter o Mutirão para a superação da miséria e da fome, assim como as diversas iniciativas nesse campo; Apoiar, segundo a Doutrina Social da Igreja, a organização dos movimentos sociais ou populares; Valorizar o voluntariado, tanto nas organizações católicas quanto nas Organizações Não-governamentais (ONGs); Ter consciência de que a doação imediata e necessária à sobrevivência não abrange a totalidade da opção pelos pobres.

b) Compromisso social e político (nn. 187-190): Incentivar cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições; Estimular a participação em campanhas e demais atividades que busquem efetivar a pacificação do bairro ou da região; Empenhar na busca de políticas públicas que dêem condições necessárias ao bem estar de pessoas, famílias e povos; Acompanhar a ação do Legislativo, Executivo e Judiciário, para evitar a corrupção, a impunidade, o prejuízo ao bem comum; Apoiar políticas que visam superar as desigualdades históricas, tais como as cotas estudantis e para concursos públicos; Aprovar as diferentes iniciativas de economia solidária, na busca do desenvolvimento local sustentável e solidário.

c) Compromisso missionário nos novos areópagos (n. 191): Assumir as novas realidades - novos areópagos - que marcam o povo brasileiro, e para onde a atenção evangelizadora se deve voltar, como: o mundo das culturas, a realidade urbana, o mundo da educação, os meios de comunicação, etc..

d) Diálogo com as culturas (nn. 192-199): Apoiar iniciativas ecumênicas, em âmbito religioso e civil, e estabelecer parcerias em vista à difusão da solidariedade; Amparar políticas públicas que favoreçam a inclusão social e os direitos das populações de origem indígena e africana; Conhecer bem a cultura globalizada e, em certo sentido, assumi-la, com uma linguagem compreendida por todos; Denunciar os modelos antropológicos que afastam a pessoa humana de sua centralidade na vida; Anunciar Jesus Cristo como verdade e modelo último do ser humano; Empregar esforços na evangelização de pensadores e de pessoas que estejam em níveis de decisão na sociedade civil; Dialogar sobre as grandes questões éticas, para que a sociedade saiba escolher entre a insensatez e a racionalidade; Eliminar a “estrutura de morte” com a “cultura da vida e da solidariedade”, como imperativo que cabe o a todos nós; Educar a comunidade eclesial na Doutrina Social da Igreja como decorrência ética imprescindível da própria fé cristã; Levar a ética social cristã, inspirada no Evangelho, a ocupar lugar de destaque nos programas de formação e na pregação; Educar os discípulos missionários através da formação na ação, como: Campanha da Fraternidade; escolas de fé e política; Comissão de Justiça e Paz; Fóruns das Pastorais Sociais; Semana Social; Grito dos Excluídos; Cáritas; campanhas eleitorais, etc.; Tornar mais efetiva e dinâmica a partilha de recursos materiais, mantendo a identidade cristã e o mistério da koinonia (= comunhão).

e) Crescente urbanização (n. 200): Criar estruturas eclesiais novas a fim de enfrentar o fenômeno da urbanização e as novas formas de cultura em gestação; Assumir prioridades, como: organizar pastoral adequada; setorizar as paróquias; multiplicar as comunidades nas periferias e em ambientes específicos; Definir estratégias para chegar aos condomínios fechados e prédios residenciais; participar nos centros de decisão da cidade; Elaborar uma pastoral comum entre paróquias vizinhas; acolher os que chegam à cidade.

f) Mundo da educação (nn. 201-205): Assumir o mundo da educação, tanto nas escolas católicas como nas demais escolas, colégios e universidades; Formar professores de ensino religioso confessional para as escolas públicas, verdadeiros novos areópagos; Desenvolver projetos educativos centrados na pessoa humana, em vista de uma sociedade justa, solidária e fraterna; Rever a ação evangelizadora nas Universidades Católicas, para formar profissionais com autêntica vivência do Evangelho; Empenhar-se em outros espaços de educação, para que se cresça nos valores morais e no conhecimento e amor a Deus.

g) Mundo de comunicação (n. 206): Utilizar os meios de comunicação com mais desempenho, competência e profetismo, para o anúncio do Reino de Deus; Incentivar e animar a Pastoral da Comunicação, a fim de contribuir na integração entre as demais pastorais.

h) Compromisso com as questões que envolvem toda a humanidade (nn. 207-209): Assumir as grandes questões da justiça internacional, como: a ética na política; o bem comum; fontes de trabalho para os excluídos; justa regulação da economia; tratados sobre o livre comércio; aquecimento global; integração de refugiados.

Para concluir, sirvo-me das palavras dos próprios bispos: são estas “as pistas de ação pastoral que guiarão a Igreja no Brasil para os próximos anos”. Realmente, são excelentes inspirações que, uma vez assumidas por cada um de nós e por todas as comunidades, certamente “em Cristo” Jesus as “coisas antigas” darão lugar a uma “realidade nova” (2Cor 5,17), tanto eclesialmente quanto socialmente, pois é o Deus Trindade quem nos garante: “Eis que eu faço novas todas as coisas” (Ap 21,5) Portanto, não caminhamos sozinhos. A Trindade Divina está conosco e também nos acompanha dia a dia a Virgem Maria com a sua materna intercessão.



 
©2007 '' Por Elke di Barros