quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"NASCEU PARA VÓS UM SALVADOR" (Lc 2,11)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2,11-12). Com estas palavras do anjo aos pastores, tiradas do Evangelho da Missa da Vigília de Natal, inspirei-me a escrever este artigo sobre o "Natal de Jesus".

Frequentemente o povo pergunta qual o dia e o mês em que Jesus nasceu. Para nós, cristãos, a única fonte escriturística que temos são os Evangelhos. Porém, nos relatos bíblicos não encontramos nenhuma referência datal a respeito do nascimento de Jesus, pois os Evangelhos não são crônicas ou narrações biográficas minuciosas a respeito dele. Os Evangelhos trazem, sim, a experiência de fé dos cristãos do primeiro século baseada no Cristo Ressuscitado. Mas para falar do Senhor Glorioso, é necessário pensar no mesmo Jesus de Nazaré que um dia nasceu. Vemos aí uma perfeita relação de continuidade entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Desta feita, sobre o nascimento de Jesus sabemos muito pouco.

No entanto, o que vale para nós cristãos, é que o Natal é a comemoração e a celebração da maior expressão do amor de Deus por nós; do dia em que Deus nasceu no mundo, trazendo paz, luz, amor, esperança, uma nova aliança, enfim uma nova vida. Segundo o Evangelho, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, “nasceu em Belém” (Cf. Mt 2,1; Lc 2,6), no meio dos pobres e marginalizados, “colocado na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7b). Com isso, o Verbo encarnado mistura-se a toda a humanidade, oferecendo-lhe a presença e a reconciliação de Deus.

A respeito deste acontecimento e data, há muitas discussões e tradições herdadas do passado. A razão é que naquela época os calendários eram muito confusos. No primeiro calendário romano, por exemplo, que era um calendário lunar, o ano tinha apenas 10 meses de 30 ou 31 dias, que totalizavam 304 dias e os demais 61 dias que coincidiam com o inverno não entravam no calendário havendo pouco interesse de acompanhamento temporal neste período do ano. Por volta de 713 a.C., deu-se a primeira reforma deste calendário, onde foram reduzidos os meses de 30 dias para 29 dias e adicionados os meses de Janeiro (29 dias) e Fevereiro (28 dias), transformando-o em um calendário luni-solar, num total 355 dias. Assim, pela dificuldade de se fazer registros históricos da época, o povo em geral não conhecia e nem se lembrava das datas de nascimento, de casamento ou de falecimento.

Por isso, as comunidades cristãs do primeiro século não comemoravam o nascimento de Jesus. Os Evangelhos apenas nos informam que Jesus nasceu antes da morte de “Herodes, rei da Judéia” (Lc 1,5; Cf. Mt 2,1), o qual faleceu na primavera de 750 da era romana, ou seja, no ano 4 a. C.. Assim sendo, conforme os estudiosos, o ano mais provável do nascimento de Jesus seria o 7º ou o 6º ano antes da era cristã. Sobre a definição do dia 25 de dezembro, temos alguns dados extraordinários.

Os Celtas (povo originário da região sudoeste da Alemanha, leste do Reno, no fim do período do Bronze I [2500-1900 a.C.] e que espalhou-se pela Europa entre os séculos VI a I a.C., quando sofreu a dominação do Império romano), por exemplo, tratavam o Solstício do Inverno (quando a luz solar incide com maior intensidade sobre o hemisfério norte) como um momento extremamente importante em suas vidas. Percebendo eles que o inverno ia chegar, com longas noites de frio, e muitas vezes com poucos gêneros alimentícios e rações para si e para os animais, e sem saberem se ficariam vivos até a próxima estação, faziam então um grande banquete de despedida no dia 25 de dezembro. Seguiam-se 12 dias de festas, terminando no dia 6 de Janeiro, data que para nós, cristãos, coincide com a festa da “Epifania do Senhor”.

Em Roma, o Solstício do Inverno também era celebrado muitos séculos antes do nascimento de Jesus. Os romanos chamavam-no de Saturnálias (Férias de Inverno), em homenagem a Saturno, o Deus da Agricultura, que permitia o descanso da terra durante o inverno.

Em 274 o Imperador romano Lúcio Domício Aureliano (270-275) proclamou o dia 25 de dezembro, como “Dies Natalis Invicti Solis” (Dia do Nascimento do Sol Inconquistável). O Sol começou a ser venerado. Buscava-se o seu calor que ficava no espaço muito acima do frio do inverno na Terra. O início do inverno passou a ser festejado como o dia do Deus Sol.

A partir daí, o Papa Júlio I (337-352) decretou, no ano 350, que o nascimento de Cristo deveria ser comemorado no dia 25 de Dezembro, substituindo a veneração ao Deus Sol pela adoração ao Salvador Jesus Cristo, "a luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem" (Jo 1,9). O nascimento de Cristo passou a ser comemorado no Solstício do Inverno em substituição às festividades do Dia do Nascimento do Sol Inconquistável.

Para nós, habitantes do Hemisfério Sul, se considerarmos o Solstício do Inverno, não há razão real para comemorarmos o Natal do Senhor Jesus no dia 25 de dezembro. Porque nesta data vivemos os primeiros dias do verão e não do inverno. Porém, herdamos as tradições cristãs que vieram do Hemisfério Norte e isso nós respeitamos.

Assim sendo, o que profundamente nos interessa é celebrarmos este ato de amor maravilhoso de Deus. Um Deus que veio ao mundo e inaugurou uma nova vida entre nós. Este é o grande motivo da nossa festa. Até porque, natal sem Jesus não é natal.

Face a isso, o Magistério eclesial nos ensina que “a história da humanidade, história que Deus nunca abandona, transcorre sob seu olhar compassivo. Deus amou tanto nosso mundo que nos deu seu Filho. Ele anuncia a boa nova do Reino aos pobres e aos pecadores. Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas. Os cristãos são portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” (DA, n. 29).

A partir desse magnífico evento de amor que é o Natal de Jesus, o Magistério eclesial expressa também o seu grande anseio: “desejamos que a alegria que recebemos no encontro com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como o Filho de Deus encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos pelas adversidades; desejamos que a alegria da boa nova do Reino de Deus, de Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte, chegue a todos quantos jazem à beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (Cf. Lc 10,29-37; 18,25-43). A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e agoniado pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DA, n. 32).

Voltando agora ao texto de Lucas supracitado, podemos perceber dois dados importantes nas palavras do anjo aos pastores. Primeiro, o anúncio da “Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo” (Lc 2,10). De fato, a Boa Notícia mostra que o Menino que nasceu é o Salvador, porque trouxe a libertação e a salvação definitivas; expõe que ele é o Messias, porque é o ungido, o Cristo de Deus que veio estabelecer uma relação de justiça e amor entre nós; indica e que ele é o Senhor, porque derruba todos os obstáculos da nossa caminhada, conduzindo-nos com segurança dentro de um tempo novo.

Em segundo lugar, a emergente necessidade de uma intervenção direta de Deus para que o Messias/Cristo fosse identificado, através de um “sinal”, em razão das circunstâncias estranhas do seu nascimento: “vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2,12). Isto porque Jesus, filho de “José, que era descendente de Davi” (Lc 1,27), não nasceu num palácio real. Foi exatamente entre os deserdados da vida e para os sofredores e desprezados que nasceu “o Salvador, o Cristo, o Senhor”. Por isso, os pastores, figura tipo dos pobres e marginalizados da época, foram os primeiros missionários que receberam a responsabilidade de anunciarem a chegada de Jesus.

Também hoje, devemos saber identificar os ambientes e as realidades onde Jesus está concretamente presente, a fim de que o encontremos. Para nos ajudar nesse processo, o Magistério eclesial nos aponta alguns “lugares de encontro com Jesus Cristo”, a saber: “na Igreja” (DA, n. 246); “na Sagrada Escritura” (DA, n. 247); “na Sagrada Liturgia” (DA, n. 250), de modo privilegiado “na Eucaristia” (DA, n. 251); “no Sacramento da Reconciliação” (DA, n. 254); “na oração pessoal e comunitária” (DA, n. 255); “em meio a uma comunidade viva na fé e no amor fraterno” (DA, n. 256); e “de um modo especial, nos pobres, aflitos e enfermos (Cf. Mt 25,31-46)” (DA, n. 257).

No mundo de hoje, na correria da vida, quase não temos tempo para encontrarmo-nos com Jesus, para celebrarmos e vivermos esta “grande alegria”. Em vista disso, o papa Bento XVI muito bem asseverou: “Nós temos sempre pouco tempo, especialmente para o Senhor. Às vezes, não sabemos ou não queremos encontrá-lo. Mas Deus tem tempo para nós. Dá-nos seu tempo porque tem entrado na história com sua palavra e suas obras de salvação, para abri-la à eternidade e fazê-la história da aliança. O tempo é em si mesmo um sinal fundamental do amor de Deus: um presente que o ser humano pode valorizar, ou ao contrário, estragar; acolher seu significado, ou descuidar com superficialidade” (Notícias da CNBB, 02/12/2008).

Diante disso, vale à pena lembrar a canção: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (VANDRÉ, Geraldo. Pra não dizer que não falei das flores). Assim, empenhemo-nos, enquanto há tempo. Porque “quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos” (At 4,20). E “o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam é a Palavra, que é a Vida” (1Jo 1,1), isto é, o próprio Jesus.

Para concluir, peço que a Virgem Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, estrela da nova evangelização, primeira discípula e grande missionária do Pai nos abençoe e nos ajude a sermos verdadeiros proclamadores desta grande e boa notícia: “nasceu para nós um Salvador que é o Messias, o Senhor”.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

MEUS AGRADECIMENTOS

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Caros amigos e amigas, meus fiéis leitores. O motivo fundamental deste escrito é agradecer, de coração, todos os gestos de amor, de amizade e carinho dispensados a mim, tanto daqui de onde eu estou trabalhando como de vários cantos do Brasil, especialmente de SP, e também do exterior, por ocasião dos meus vinte e um anos de sacerdócio ministerial.

Para a Celebração e os festejos, fiz questão de realizar o evento aqui na cidade de Miranda, MS, onde reside a minha família, e na cidade de Mairiporã, SP, onde residi e trabalhei por quase dois anos e onde deixei um volumoso número de amigos.

Aqui na cidade de Miranda, a Celebração foi realizada no dia 9 de dezembro, às 19h30. Como podem verificar pelas fotos neste mesmo blog, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo ficou quase lotada, considerando que era um meio de semana, e muitos não puderam comparecer. A Celebração da Santa Missa foi muito bem preparada, com os comentários bastante consistentes e as leituras bem feitas. Além disso, toda a assembléia cantou magnificamente os cantos. Foi realmente emocionante.

Ao final da Celebração, foram-me feitas as devidas homenagens e agradecimentos, o que deverasmente muito me comoveu. Quanto a parte festiva, os meus alunos da Escola Bíblica decidiram fazer no dia 14 de dezembro, dia que teríamos aula. Porém, fui recebido com uma grande festa surpresa. Visivelmente emocionado, fiz meus agradecimentos e, logo depois, a palavra foi aberta para que cada um falasse alguma coisa. Muitas foram as falas de benquerer. Nesse momento, senti o quanto eu era querido e estimado pelos mais de sessenta alunos da Escola Bíblica.

Ao terminar a festa, foi-me lida esta mensagem que aqui a transcrevo na íntegra: “Padre Paulo Nunes, mesmo que os espinhos sejam muitos, prove que você nasceu para vencer. Mesmo que as dificuldades estejam presentes em sua vida, prove que você nasceu para vencer. Mesmo que muitos surjam para dizer que nada dará certo, prove que você nasceu para vencer. Mesmo que as rejeições e as frustrações pareçam insuportáveis, prove que você nasceu para vencer. Na vida muitos não irão ajudá-lo, mas, se quiser, você muito bem pode e é capaz de mostrar e de provar que nasceu para vencer. Um abraço e parabéns pelo seu ministério sacerdotal. Nós te amamos” - Seus alunos da Escola Bíblica.

Esta expressão de carinho muito me comoveu, por perceber aí grande sensibilidade dos alunos e amigos da Escola Bíblica. Prontamente lembrei-me do que dizia o filósofo francês católico Jacques Maritain: “Não amamos qualidades, amamos uma pessoa; às vezes tanto pelos seus defeitos quanto por suas qualidades”.

Quanto a Celebração na cidade de Mairiporã, assim eu me expressei, no início: Caros irmãos e irmãs, meus ex-paroquianos de Mairiporã, novamente faço-me presente a esta “Aldeia bonita” (em tupi-guarani: mairy poranga) que aprendi a gostar tanto. Reitero mais uma vez que, apesar da distância (pantanal do MS), não meço esforços para rever os grandes e sinceros amigos e amigas que aqui deixei. De fato, quando há amor verdadeiro, “que importa se a distância estende entre nós léguas e léguas? Que importa se existem entre nós muitas montanhas?” (Vinícius de Maraes).

A Celebração da Santa Missa, seguida da festa, ocorreu na sede da OAB-SP, situada à Rua Ipiranga 499, s/loja, região central da cidade, no dia 19/12, às 20h. O local foi prontamente cedido pelo Ilmo. Sr. Advº Miguel Nagib Moussa, presidente desta 129ª Subseção da OAB em Mairiporã, a quem muito cordialmente agradeço.

O “espaço litúrgico” ficou repleto de convidados e estava rigorosamente preparado, atendendo a dimensão funcional e a simbólica da liturgia, como pede a atual Instrução Geral sobre o Missal Romano: “tudo isso, deve constituir uma unidade íntima e coerente pela qual se manifeste com evidência a unidade de todo o povo de Deus. A natureza e beleza do local e de todas as alfaias (objetos litúrgicos) alimentem a piedade dos fiéis e manifestem a santidade dos mistérios celebrados” (n. 294). Para esse arranjo, o empenho, como sempre, foi dos meus ex-alunos do Grupo de Estudos Bíblicos (GEBI).

Maravilhosa foi a Celebração. Após a comunhão eucarística, foram apresentadas duas encenações: uma, dirigida pela Claudete, baseada no tema de um jovem que deixou tudo para seguir a Jesus; e outra, conduzida pelo casal Luiz Brilha e Vilma, sobre o nascimento de Jesus. Tudo ficou magnífico. Seguindo-se a isso, foram feitas as justas homenagens e oportunos agradecimentos. Neste ensejo, também me foram transmitidas as felicitações de D. Bruno Gamberini, Arcebispo Metropolitano de Campinas, o que extremamente me lisonjeou.

Da minha parte, só restou um “muitíssimo obrigado” a todos, indistintamente, por ver tanta dedicação e tamanho carinho para comigo. Outro acontecimento que igualmente bem me comoveu foi o encontro com tantas pessoas que me reconheceram enquanto eu caminhava pelas ruas da cidade, apesar de eu ter me mudado de Mairiporã a mais de cinco anos. Recebi inúmeros abraços de carinho e de amizade, carregados de consideração pelo meu trabalho proficuamente ali realizado. Vejo isso como algo enobrecedor, pois é muito importante para um padre poder voltar, tranqüilo e sereno, ao lugar onde trabalhou, com a boa consciência de ter ali cumprido a sua missão, isento de qualquer tipo de hipoteca.

Para rematar, peço a Deus que abençoe a mim e a todos os meus irmãos de sacerdócio. E que a “Bem Aventurada” Virgem Maria, Rainha do Clero, interceda por todos nós, mirandenses, mairiporanenses e todo o povo de Deus.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

MEUS 21 ANOS DE SACERDÓCIO MINISTERIAL

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Lembro-me da fé sincera que há em você. (...) Por esse motivo, o convido a reavivar o dom de Deus que está em você pela imposição de minhas mãos” (1Tim 1,5a.6; Cf. 1Tim 4,14-16).

Caros amigos e amigas, a quem cordialmente considero meus irmãos e irmãs em Cristo Jesus, estas palavras do apóstolo Paulo dirigidas a Timóteo bem servem para guiar este artigo a respeito dos meus vinte e um anos de “sacerdócio ministerial” (10/12/1988 - 10/12/2009). E faço-o com desmedida emoção, pois estamos exatamente no coração do “Ano Sacerdotal” proclamado por Bento XVI, sob o tema: “Fidelidade de Cristo, fidelidade do Sacerdote”, com o objetivo de “contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo” (Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal, por ocasião do 150º aniversário do “dies natalis” do Santo Cura d’Ars, 16/06/09).

Segundo o Cardeal Dom Claudio Hummes, de quem recebi o Sacramento da Ordem Diaconal, a 19/03/1988, e atual Prefeito da Congregação para o Clero, “os presbíteros, como ministros ordenados e principais colaboradores do respectivo Bispo, estão sacramentalmente ligados a missão apostólica. Este ano especial foi proclamado pelo Santo Padre em favor dos presbíteros, em razão do seu caráter insubstituível e devido à sua importância na Igreja. Como tais, necessitam hoje, de modo especial, de apoio e de renovação espiritual e pastoral” (Homilia pronunciada por ocasião do curso aos bispos de recente nomeação reunidos em Roma, 21/09/09).

Também minha atenção está voltada para o 13° Encontro Nacional de Presbíteros (ENP), que acontecerá de 3-9/02/2010, em Itaici, município de Indaiatuba, São Paulo, com o tema: “ENPs, 25 anos celebrando e fortalecendo a comunhão presbiteral” e o lema: “Eu me consagro por eles” (Jo 17,19a). Minha particular esperança é que este evento, dentro de um âmbito maior, como vimos, seja realmente um instrumento de comunhão e de confirmação da caminhada ministerial, procurando traduzir as aspirações, sentimentos e necessidades de todos nós, os presbíteros.

Quase vinte anos atrás, João Paulo II assinalou o ideal de um verdadeiro presbitério alicerçado nos princípios humanos e evangélicos. Segundo ele, “a fisionomia do presbitério é a de uma verdadeira família, de uma fraternidade, cujos laços não são da carne nem do sangue, mas os da graça sacramental da Ordem: uma graça que assume e eleva as relações humanas, psicológicas, afetivas e espirituais entre os sacerdotes; uma graça que se expande, penetra, se revela e concretiza nas mais variadas formas de ajuda recíproca, não só espirituais mas também materiais. A fraternidade presbiteral não exclui ninguém, mas pode e deve ter as suas preferências: são as preferências evangélicas, reservadas a quem tem maior necessidade de ajuda ou encorajamento. Assim, essa fraternidade ‘tem um cuidado especial pelos jovens presbíteros, tem um cordial e fraterno diálogo com os de meia idade e os de idade avançada e com os que, por razões diversas, experimentam dificuldades; e também aos sacerdotes que abandonaram esta forma de vida ou que não a seguem, não os abandona, pelo contrário, acompanha-os ainda mais com fraterna solicitude" (Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, sobre a formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais, n. 74g, 25/03/1992. Os realces gráficos são meus).

Nesta minha caminhada de vinte e um anos de “sacerdócio ministerial”, sempre servindo à Igreja de Jesus e ao seu Evangelho, penso que aquele ideal apontado por João Paulo II ainda continua como urgente desafio a ser perseguido cotidianamente. Entendo que precisamos avançar mais, e bem mais, na amizade, na fraternidade, na solidariedade e na compaixão entre nós. E aí levanto uma questão basal: será que o povo a quem servimos, percebe que realmente nós padres somos amigos uns dos outros? Que nós nos amamos uns aos outros?

Porque o que vale para nós em relação ao povo, vale, em princípio, para nós também em relação a nós mesmos, como ensinou João Paulo II, no que se refere a “formação humana” do sacerdote, ao dizer que “de particular importância, se coloca a capacidade de relacionamento com os outros, elemento verdadeiramente essencial para quem é chamado a ser responsável por uma comunidade e a ser ‘homem de comunhão’. Isto exige que o sacerdote não seja arrogante nem briguento, mas afável, hospitaleiro, sincero nas palavras e no coração, prudente e discreto, generoso e disponível para o serviço, capaz de oferecer pessoalmente e de suscitar em todos relações francas e fraternas, pronto a compreender, perdoar e consolar” (PDV, n. 43c. Os realces gráficos são meus).

Percebemos nessa orientação magisterial de João Paulo II, que o elementar na vida do “ministro ordenado” perpassou por todos os séculos, desde o começo, como vemos nas palavras do apóstolo Paulo, quando ele definiu que o presbítero “deve ser hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo, piedoso, disciplinado, e de tal modo fiel à fé verdadeira, conforme o ensinamento transmitido, que seja capaz de aconselhar segundo a sã doutrina e também de refutá-la quando a contradizem” (Tt 1,8-9). E, inflexivelmente, isto deve perpetuar até o fim.

Da minha parte, sei comprovadamente que a caminhada é longa e difícil, e muitas vezes desalentadora. Além das alegrias, há também desafios, tropeços e ciladas, infelizmente muitas delas provenientes de onde nunca se espera. Frequentemente caímos, cansados, desfalecidos. Aí me lembro das palavras do anjo ao profeta Elias, no mais profundo da sua crise existencial: “levante-se e coma, pois o caminho é superior as suas forças” (1Rs 19,7). Realmente, é preciso levantar, recobrar os ânimos e caminhar, vendo nessa situação momento de graça, pois é no caminho que aprendemos a sermos humildes, tolerantes e a provarmos a vida e a dignidade, como no caso dos dez leprosos que “enquanto caminhavam, ficaram curados” (Lc 17,14b). Por isso, precisamos retomar a cada dia a nossa estrada, como dizia São Francisco de Assis: “até agora nada fizemos. Precisamos começar tudo de novo”.

Nesse tempo gracioso, muita coisa boa eu aprendi, que me fizeram amadurecer. Senti na carne aquele conselho do autor sapiencial: “meu filho, se você se apresenta para servir ao Senhor, prepare-se para a provação. Tenha coração reto, seja constante e não se desvie no tempo da adversidade. Seja paciente nas situações dolorosas, porque o ouro é provado no fogo, e as pessoas escolhidas, no fogo da humilhação” (Sir 2,1-2.4-5; Cf. 2Cor 11,23-28).

Tendo vivenciado exatamente isso, hoje eu estou seguro que “as pessoas mais felizes não são aquelas livres de problemas, mas as que sabem lidar com eles” (Leo Buscaglia, professor e escritor italiano). De fato, “é sinal de grandeza e consciência de si quando alguém reconhece seus erros e sua visão limitada de ontem” (MARTINI, Cardeal Carlo Maria. Diálogos noturnos em Jerusalém. Sobre os riscos da fé. Paulus: São Paulo, 2008, p 119). Afinal, nos instruímos também nas falhas, nos reveses da vida, pois certamente “há derrotas que criam o sucesso e vitórias que criam o fracasso. As lições que tiramos dos tropeços são um verdadeiro tesouro para futuros triunfos. Ser um vencedor é assumir a responsabilidade nas derrotas e nas vitórias” (Roberto Shinyashiki, médico-psiquiatra, autor de temas de auto-ajuda).

Enfim, o Evangelho nos mostra que quem tem “a marca dos pregos nas mãos” e “no lado”, é um ressuscitado (Cf. Jo 20,25). Ou seja, “quem tem os estigmas, e não os esconde nem deles se envergonha, testemunha, precisamente, que a ferida impressa pela “morte” (a morte da renúncia à ternura de um afeto humano) não tem poder mortal, já não é morte, mas tornou-se fonte de vida” (CENCINI, Amadeo. Virgindade e celibato hoje. Para uma sexualidade pascal. São Paulo: Paulus, 2008, p. 121-122).

Um outro aspecto importantíssimo para mim, é que nessa caminhada eu nunca estive sozinho. Sempre contei com o auxílio de três forças indispensáveis: em primeiro lugar, o alento de Deus, presença constante na minha vida, com aquela mesma confiança do apóstolo Paulo: “aquele que planta não é nada, e aquele que rega nada é: só Deus é que conta, pois é ele quem faz crescer” (1Cor 3,7); em segundo lugar, o vigor da minha família (mãe e irmãos), que mesmo sem entender direito as minhas circunstâncias, as minhas contradições pessoais, sempre esteve e está do meu lado; por fim, a energia dos meus verdadeiros e leais amigos, os quais são para mim um presente de Deus.

Na “Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal”, Bento XVI bem expressou que “no mundo atual, é preciso que os presbíteros, na sua vida e ação, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico”. Para tal, ele ressaltou o exemplo de São João Maria Vianey, a partir da vivência dos ‘conselhos evangélicos’, a saber: a pobreza, a castidade e a obediência.

Indiscutivelmente, tais características que marcam esse “vigoroso testemunho” são perenes, exatamente porque inspiradas no Evangelho. Assim sendo, sempre procurei viver o valor da “pobreza” não como uma teoria encantadora ou uma ideologia, mas na prática, sem privilégios e honrarias, desprovido de qualquer vantagem financeira e totalmente livre da ganância e do consumismo; sempre busquei viver a audácia da “castidade”, não como negação da minha subjetividade e nem da minha sexualidade, mas como entrega do meu coração ao Senhor de maneira indivisa, para poder servir com liberdade e dedicação ainda maiores aos meus irmãos, vivendo um amor aberto, alegre e honrado, na alteridade e na gratuidade para com todos, homens e mulheres, pobres ou não, jovens e crianças, sem distinção, ou seja, uma castidade “como sinal de amor sem reservas, estímulo de caridade que a todos abraça” (PAULO VI. Carta Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, sobre o celibato sacerdotal, n. 24, 24/06/1967); sempre me esforcei para viver a ousadia da “obediência”, não como subserviência, mas como adesão às exigências diárias do meu ministério, colocando-me totalmente à serviço da vida e da missão da Igreja, realizando a vontade de Deus.

Sobre o meu empenho para viver retamente este “vigoroso testemunho evangélico”, quem melhor pode dizer algo consistente a respeito, são as pessoas concretas, ajuizadas e comprometidas, memobros de fato do povo de Deus, em todas as doze paróquias onde residi, convivi e trabalhei ao longo de todos esses anos. Isso é tão verdadeiro que conservo, até hoje, grandes amizades, em todos esses lugares. Porque, como dizia São João Crisóstomo, Patriarca de Constantinopla (349-407), “um homem cheio de zelo, é quanto basta para transformar um povo”. E isso só é possível porque seguramente é o próprio Cristo quem age através dos seus escolhidos.

Mas sei que ainda não estou pronto, completo. Humildemente conto sempre com os indispensáveis auxílios como sugere o Cardeal Dom Cláudio Hummes: “Os nossos presbíteros precisam ser amados e sustentados na vocação e na missão, antes de tudo, pelo próprio Bispo e pela comunidade. Querem ser reconhecidos pelo que são e pelo que fazem; necessitam de ser ajudados e orientados para renovar em seus corações, a verdadeira identidade do sacerdócio e o verdadeiro sentido do celibato” (Homilia pronunciada por ocasião do curso aos bispos de recente nomeação reunidos em Roma, 21/09/09; Cf. Carta Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, n. 91). Porém, além do amor e da estima, da parte do Bispo e da comunidade, indispensável é a força da oração, tanto pessoal quanto comunitária. Porque, sem dúvida, "o presbítero para continuar fiel à Cristo e fiel à comunidade, necessita ser um homem de oração, um homem que vive na intimidade com o Senhor. Ele precisa, além do mais, ser confortado pela oração da Igreja e de cada cristão" (Cardeal Dom Cláudio Hummes, em: Notícias da CNBB, 10/12/2009).

Neste meu aniversário de “ordenação sacerdotal” relembro que Santo Ambrósio (340-397 d.C.), um dos quatro maiores doutores da Igreja e quem batizou Santo Agostinho, no seu livro “De Poenitentia”, fala dos seus temores e da sua relutância em ser bispo, de como sentia a própria indignidade. Em meio aos seus questionamentos, foram-lhe inspiradoras as palavras de Jesus dirigidas aos “chefes dos sacerdotes e anciãos do povo”, no Templo, sobre quem realmente fez a vontade do Pai”, donde a sua conclusão foi definitiva: “os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão no lugar de (no grego: proagusin) vocês no Reino do céu” (Mt 21,31c). Porque “os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele” (Mt 21,32b). Assim, eles e elas ajudam a revelar quem de fato nós somos.

Também a mim se apresenta agora a consciência da minha pequenez, de quão temerário e ousado é reassumir, hoje, o ministério presbiteral com a sua grandeza evangélica, mas também com as suas exigências e difículdades. E aqui, mais uma vez a mensagem de Bento XVI me surge como grande apoio: “À Virgem Santíssima entrego este Ano Sacerdotal, pedindo-Lhe para suscitar no ânimo de cada presbítero um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à Igreja que inspiraram o pensamento e a ação do Santo Cura d’Ars. Possa o seu exemplo suscitar nos sacerdotes aquele testemunho de unidade com o Bispo, entre eles próprios e com os leigos que é tão necessário hoje, como o foi sempre. Não obstante o mal que existe no mundo, ressoa sempre atual a palavra de Cristo aos seus apóstolos, no Cenáculo: ‘No mundo sofrereis tribulações. Mas tende confiança: Eu venci o mundo’ (Jo 16,33). A fé no divino Mestre dá-nos a força para olhar confiadamente o futuro. Amados sacerdotes, Cristo conta convosco. A exemplo do Santo Cura d’Ars, deixai-vos conquistar por Ele e sereis também vós, no mundo atual, mensageiros de esperança, de reconciliação, de paz” (Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal).

Para concluir, sirvo-me desta linda oração composta por Santo Ambrósio em vista do seu ministério: “Senhor, visto que me concedeste trabalhar para a tua Igreja, protege os frutos do meu trabalho. Tu chamaste-me ao sacerdócio quando eu era um filho perdido. Não permitas que eu me perca agora, que sou presbítero. Sobretudo, dá-me a graça da compaixão. Concede que eu saiba compadecer-me dos pecadores, do fundo do coração, pois é esta a virtude suprema (...). Concede-me ter compaixão de cada vez que eu for testemunha da queda de um pecador, que eu não o censure com arrogância, mas chore e me aflija com ele. Faz com que, chorando sobre o meu próximo, eu também chore por mim mesmo, aplicando a mim a própria Palavra: a prostituta é mais justa do que eu” (AMBRÓSIO. De Poenitentia, II, 8,67,63: PL 16,431).

Que Deus abençoe a mim e a todos os meus irmãos de sacerdócio ministerial. E que a Santíssima Virgem Maria, Rainha do Clero, interceda por todos nós. Assim seja!

sábado, 31 de outubro de 2009

“VINDE, BENDITOS DE MEU PAI” (Mt 25,34)

Pe. Paulo Nunes de Araújo



Em janeiro do ano que vem Bento XVI lançará a mensagem para a 44ª edição do Dia Mundial das Comunicações que será celebrado no dia 16/05/2010 (festa da Ascensão do Senhor). Por estarmos dentro do “Ano Sacerdotal” (19/06/2009-19/06/2010), na sua mensagem, cujo tema é: “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”, Bento XVI “convida os padres a considerar os novos meios de comunicação como um possível grande recurso para seu ministério a serviço da Palavra. Outro objetivo da mensagem é ser um encorajamento aos sacerdotes em sua vivencia com os desafios surgidos com a nova cultura digital” (Notícias da CNBB, em 30/09/2009).

Como já me sinto parte da chamada “geração digital”, fazendo-me chegar a vários cantos do mundo através desta fantástica “rede mundial” (a World Wide Web) de computadores interconectados (Internet), mais uma vez sirvo-me desta grande “mídia” para transmitir uma mensagem de fé e esperança aos meus leitores e leitoras a intento do “Dia dos fiéis defuntos”.

A história da “comemoração dos finados”, momento em que solenizamos a recordação de nossos falecidos, tem a sua origem e sua a evolução no tempo. Temos notícia de que o “culto dos mortos” é um dos mais antigos, surgido no meio agrícola e pastoril, e esteve presente em quase todas as religiões da época. Para os antigos, os mortos eram como sementes, e por isso eram enterrados na espera de um novo nascimento (ressurreição).

No século I, os cristãos tinham o costume de visitar os mortos, mas iam apenas aos túmulos dos mártires, daqueles foram mortos por defenderem e testemunharem a fé cristã. No século IV, o “Dia dos mortos” surgiu na Igreja Católica como uma ligação suplementar entre os mortos (Igreja Triunfante, constituída pelos que se encontram salvos) e os vivos (Igreja Militante, atuante no mundo). Afinal, o Senhor da vida “não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22,32). Esta prática que foi assumida por todo o mundo em geral.

A partir do século V, a Igreja Católica passou a dedicar um dia do ano para rezar pelos mortos, especialmente pelos mais esquecidos. No ano de 998, a Igreja começou a apontar um dia oficial para os mortos, o “Dia de Finados”. Por fim, entre os anos 1024 e 1033, a Igreja Católica fixou o dia 2 de novembro como o “Dia de Finados”, estabelecendo uma ligação deste dia com a “Solenidade de todos os santos”, a qual surgiu a 1º de novembro de 835.

Para os cristãos de modo geral, sobretudo nós católicos, esse “Dia” não pretende ser um momento fúnebre e triste, mas de fé e esperança, porque são “felizes os mortos, aqueles que desde agora morrem no Senhor” (Ap 14,13). Até porque “se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de vocês dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo também não ressuscitou; e se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também é vazia a fé que vocês têm” (1Cor 15,12-14).

O “Dia dos fiéis defuntos” quer ser também uma ocasião oportuna para nos lembrar que a nossa vida aqui na terra é passageira, transitória e que nós, seres humanos, somos a única criatura divina que “aspira a eternidade”, e que caminhamos para Deus, pois é para ele mesmo que fomos criados. Na verdade, “se a nossa esperança em Cristo é somente para esta vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens” (1Cor 15,19). Portanto, a morte deve ser vista como “fim bom”, meta almejada e um dia alcançada. Não há porque temer a morte.

O eminente teólogo e professor Leonardo Boff, assevera que “a morte pertence à vida, e a vida pertence à eternidade”, e que a morte “é a realização plena das virtualidades da vida”. Assim, é a vida que conta, como nos mostra a canção do Roberto Carlos e Erasmo Carlos: “É preciso saber viver”. Aliás, já dizia Confúcio, mestre e filósofo chinês, bem antes de Cristo: “Aprende a viver e saberás morrer bem”.

No entanto, mesmo para os que crêem, a realidade da morte até agora permanece um profundo mistério para o ser humano: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? E para os que não crêem direito, a morte provoca ao menos um grande respeito, uma profunda reverência; uma postura ao menos cultural e social. Não há quem não se curva diante de um féretro.

A comemoração do “Dia de Finados” ainda se propõe a advertir-nos contra toda e qualquer forma de reencarnação. A nossa fé cristã e católica é clara, fundamentada na Palavra de Deus: “É um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem o julgamento” (Hb 9,27). Por isso, reitera o Magistério eclesial: “Vigiemos constantemente, a fim de que no termo de nossa vida sobre a terra, que é só uma, mereçamos entrar com Ele para o banquete (...) e ser contados entre os eleitos” (Lumen Gentium, n. 48). Por isso, na “Solenidade de todos os santos”, a Igreja celebra todos os que morreram na graça de Deus, mesmo os que não foram canonizados oficialmente. Afinal, todos somos chamados à santidade, como dom de Deus e não mérito nosso. Porque foi assim que Deus se apresentou a nós: “Eu sou Javé, o Deus de vocês. E vocês foram santificados, porque eu sou santo” (Lv 11,44a; Cf. 1Pd 1,16).

Tomemos agora alguns pressupostos fundamentais, a partir do Evangelho. Quando Jesus ficou sabendo que estava prestes a morrer, seus discípulos ficaram tristes, angustiados, perturbados. Em face disso, Jesus dirigiu a eles essas palavras de conforto e consolo: “Eu vou preparar-vos um lugar. Quando tiver ido e tiver preparado um lugar para vós, voltarei novamente e vos levarei comigo para que, onde eu estiver, estejais também vós” (Jo 14,3c-3).

Nós cremos que Jesus Vivo já habita em nosso coração. A “morada” (teologicamente podemos entender como ambiente de gostosa fraternidade e amorosa convivência) que ele preparou para si em nosso íntimo não será, jamais, destruída pela morte, mas transformada no “lugar” eterno que já preparou também para nós junto ao Pai.

O que acreditamos a respeito de Jesus, podemos dizer igualmente das pessoas amadas que nos precedem na morte. Cremos que também elas nos preparam um lugar junto de Deus. Quando uma pessoa querida morre, leva para Deus tudo o que com ela partilhamos aqui na terra: as conversas, a amizade, o amor, as experiências de vida em comum, etc. Vale dizer, leva consigo um pedaço de nós para junto de Deus. Diz Ladislao Boros, teólogo húngaro, que “pela ressurreição tudo se tornará então imediato para o homem: o amor se desabrocha na pessoa, a ciência se torna visão, o conhecimento se transforma em sensação, a inteligência se faz audição. Desaparecem as barreiras do espaço: a pessoa humana existirá imediatamente onde estiver seu amor, seu desejo e sua felicidade”. Mais ainda, “a ressurreição, na concepção cristã, não é a volta a vida de um cadáver, senão a realização exaustiva das capacidades do homem” (Ibidem).

Portanto, quando morremos, não iremos par um “lugar” totalmente estranho, mas para a “morada” que Cristo e as pessoas boas e amadas que nos precederam na morte nos prepararam. Lá, fixaremos morada eternamente, contemplando a Deus “face a face” (1Cor 13,12), tal como ele realmente é. Esta certeza nós a encontramos já na literatura sapiencial, que apresenta os primeiros balbucios sobre a fé na ressurreição: “Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e, depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne verei a Deus. Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,25-27a). Destaca-se aí a figura do “redentor”. (no latim: redemere: re + edemere: recomprar, comprar de volta). Para o povo judeu, o “redentor” (no hebraico: go'el: redentor, resgatador, libertador, o vingador de sangue em nome da justiça) era um membro da família, do clã ou da tribo que deveria fazer justiça ao seu próximo que fora injustiçado. Para os cristãos do primeiro século, Jesus é agora o novo e definitivo Redentor, que resgata a nossa vida das garras da morte, fazendo-nos justiça com o seu próprio sangue.

Na minha experiência pastoral, nas inúmeras visitas a enfermos que realizei, ouvi muitas pessoas de fé dizerem, já à beira da morte: “Um dia vamos nos rever na eternidade”. São pessoas que realmente crêem nas palavras do próprio Jesus, dirigidas àquele que com ele também foi crucificado: “Eu te asseguro: ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).

O amor que nós demos e recebemos aqui na terra não morre jamais. Dizia Gabriel Marcel, filósofo e dramaturgo francês: “amar uma pessoa significa dizer-lhe: você não morrerá”, ou ainda Anselm Grün, monge beneditino e teólogo: “na amizade existe algo indestrutível, divino, que mesmo na morte não pode ter fim”. A pessoa amada aqui na terra, será amada também na eternidade, só que de maneira nova, dentro do mistério de Deus. Essa certeza nos deu o autor do Apocalipse: “Felizes os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que repousem dos seus trabalhos, pois as suas obras os seguem” (Ap 14,13). Aí será um amor sem distorções, um amor livre, sem exclusivismos, sem limites, enfim, um amor divino, total e eterno.

Mas fatalmente, a morte de uma pessoa querida nos causa tristeza, angústia, aflição. Afinal, somos humanos. A dor da partida de alguém é inevitável. Muitos psicólogos afirmam que é preciso sofrê-la e suportá-la até o fim, ou melhor, até superá-la. Os cristãos do primeiro século, diante do conflito da morte, souberam conservar e nos ensinar a “nostalgia esperançosa” pela vinda nova do Senhor: “Nós somos cidadãos do céu. De lá esperamos o Salvador e Senhor Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21).

Também nós, hoje, vivemos esta mesma “nostalgia esperançosa”. No correr da Celebração Eucarística, por exemplo, no momento em que solenizamos a recordação de nossos falecidos, assim rezamos: “Nele (em Deus) brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Missal Romano. Prefácio dos mortos I: a esperança da ressurreição em Cristo).

Há ainda outra situação causada pela realidade da morte; ela nos coloca diante do luto (no latim: luctu: tristeza profunda, consternação, pesar ou dor pela morte de alguém). O luto pela perda da pessoa querida nos põe também à vista de todo o tipo de luto que provavelmente já ocorreu em nossa vida, como: abandono, decepção, humilhação, fracasso, indiferença, angústia, depressão, etc.. Porém, o luto terá fim, se transformará, conduzirá a uma nova alegria de viver. Aqui, mais uma vez, em meio ao sofrimento do povo, a Palavra de Deus surge como grande acalento. No final, “não haverá mais morte, nem pranto, nem grito, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram” (Ap 21,4).

Realmente, a pessoa que tem uma fé autêntica, está convencida de que não pode ficar de luto o tempo todo, a vida inteira, porque tem certeza de que quem faleceu está em Deus, como nos assegura o apóstolo Paulo: “Irmãos, não queremos que ignoreis coisa alguma sobre os mortos, para não vos entristecerdes como as outras pessoas que não têm esperança” (1Ts 4,13). Com isso, Paulo não proíbe o luto, mas nos faz um apelo: Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (1Ts 4,17).

Quando S. Jerônimo traduziu os textos bíblicos originais em hebraico e grego para o latim, nesta passagem (1Ts 4,17) ele traduziu o verbo grego “parakaléo” (exortar, consolar) por “consolamini” (isto é: cum + solus = sozinho + com). De fato, Paulo pede que nos unamos à pessoa que está sozinha em seu luto. Esta é, sem dúvida, uma atitude profundamente humana e cristã, no entender do próprio apóstolo: “alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (Rm 12,15). Grande exemplo disso foi o próprio Jesus que, no episódio da “morte-ressurreição de Lázaro” (Cf. Jo 11,1-44), ao ver o povo consternado pela morte do amigo, também ele “começou a chorar” (Jo 11,35). Porém, certamente não foi um choro de desespero, mas de solidariedade.

No Quarto evangelho, Jesus compara a sua própria morte com o nascimento de uma criança. Assim como o parto, a morte é cheia de dores e angústias. Mas no parto, quando nasce o bebê, só a alegria toma conta. Por isso, diz Jesus que “quando a mulher está para dar a luz, fica triste porque chegou a sua hora. Mas, depois que nasceu a criança, já não se lembra mais da aflição, pela alegria que sente de ter vindo ao mundo um ser humano. Assim também vós estais tristes agora, mas eu vos verei de novo. Então o vosso coração se alegrará e ninguém poderá tirar-vos a alegria” (Jo 16,21-22). Nesta simples comparação, Jesus quer nos mostrar a grandiosidade da sua e da nossa ressurreição. Na verdade, a ressurreição de Jesus vem dizer-nos que nós não nascemos para morrer, mas morremos para ressuscitar, para termos “vida plena” (Jo 10,10).

Na Liturgia da Palavra da Missa deste “Dia dos fiéis defuntos”, a palavra do profeta nos dá imensa coragem: “naquele dia se dirá: ‘Este é o nosso Deus, e esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvado’” (Is 26,9). Trata-se de uma esperança segura em meio aos mais variados conflitos da vida, uma esperança carregada da certeza de alcançarmos a glória de Deus, pois, como dizia Sto. Ireneu de Lião, “a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem consiste em ver a Deus. Pois se a manifestação de Deus que é feita por meio da criação, permite a vida de todos os seres vivos na terra, muito mais a revelação do Pai que nos é comunicada pelo Verbo, comunica a vida àqueles que amam a Deus” (Contra as Heresias, IV,20,7).

Entretanto, mais determinante, insubstituível e eficaz é a palavra do próprio Jesus, acerca da morte-ressurreição: “Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que me deu, mas os ressuscite no último dia. (...), pois esta é a vontade do meu pai: que toda pessoa que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,39-40).

Assim, para todos aqueles e aquelas que “fizeram” acontecer a justiça do Reino, o prêmio eterno é a plena felicidade e o envolvente abraço de Jesus: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei côo herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo” (Mt 25,34).

À guisa de conclusão, eu deixo aqui um belo poema de Santo Agostinho, o mais profundo filósofo da era Patrística e um dos maiores gênios teológicos de todos os tempos, que eu conservei durante os meus estudos de Patrologia. O poema intitula-se: “A Morte não é nada”.

“A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.
Dêem-me o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado.

Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?
Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho...
Você que ai ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi”.

domingo, 25 de outubro de 2009

DIA NACIONAL DA JUVENTUDE - 2009

Pe. Paulo Nunes de Araujo



Hoje é o “Dia Nacional da Juventude” (DNJ). Historicamente, o DNJ tem sua origem em 1985, quando a Organização das Nações Unidas (ONU), decretou aquele ano como o “Ano Internacional da Juventude”. Além deste tema, os jovens de todo o mundo foram convidados a participar mais efetivamente da sociedade a partir do lema: “Construindo uma Nova Sociedade”.

Como gesto concreto de acolhimento à proposta da ONU, a Pastoral da Juventude do Brasil (PJ) prontamente assumiu o compromisso de comemorar e celebrar o “Dia Nacional da Juventude”. Assim sendo, em 1986, foi realizado o primeiro DNJ, a partir do tema: “Juventude e Terra”, e do lema: “Juventude construindo a Terra Prometida”.

Aqui no Brasil, o DNJ é comemorado e celebrado anualmente, sempre no último domingo de outubro, o “mês missionário”. Esse “Dia” é marcado pela mobilização de milhares de jovens, em todo o país, para celebrar, como igreja, a vida e a luta da juventude. De fato, o DNJ quer ser fundamentalmente um tempo de revisão da vida como jovens, de profunda visão da realidade social eclesial, buscando sempre o que fazer e como fazer para melhorar a situação vigente, principalmente dos adolescentes e jovens, “pois estão entre os mais expostos aos efeitos da pobreza, como: drogas, prazer, álcool, violência, propostas religiosas e pseudo-religiosas, educação de baixa qualidade, etc.” (Doc. da CNBB, 87, nn. 103-149). Consequentemente, o DNJ quer sinalizar um tempo de mudança, de transformação radical, de modo que a vida melhor se realize.

Por esta razão não basta “pintar a cara”, pois como diz o aforismo popular: “quem vê a cara não vê o coração”, e nem tampouco usar uma “camiseta bonita” com uma frase de efeito, só para chamar a atenção, como se fosse um desfile de modas. Isto porque não há indignação sem motivo e nem inconformismo sem causa. Assim, é preciso que todos os jovens assumam um compromisso concreto, ou seja, "mostrem a cara" expressando o seu pensamento inteligente, e se “vistam” da causa de Jesus, o seu Reino. Porque existem muitas iniciativas na sociedade que são valiosas e que contam com o apoio dos jovens, como: campanha em favor da paz, da moradia, da terra, da dignidade do povo indígena, da mulher, Campanhas da Fraternidade, Fóruns das Pastorais Sociais, Semana Social, Grito dos Excluídos, e tantas outras.

Por isso, devemos ter claro que o DNJ não deve ser um dia de luta só dos jovens para os jovens, mas dos jovens em vista da sociedade inteira, pois esta envolve a todos, os “pobres, crianças, jovens, adultos e idosos, homens e mulheres” (Documento de Aparecida, n. 422). Ademais, ensina o Magistério eclesial que “a juventude não é só um grupo de pessoas de idade cronológica. É também uma atitude frente à vida” (Documento de Puebla, n. 1167. Os grifos são meus).

Neste aspecto, segundo a Viacom Brand Solutions, unidade de publicidade da MTV Networks, que realizou um estudo com uma amostra de 25 mil pessoas de 19 países, com idade entre 16 a 46 anos, a juventude corresponde às idades compreendidas entre 16 a 34 anos. Concluiu ainda esta pesquisa que “a imagem juvenil já não é patrimônio exclusivo dos jovens” e que “o significado e a definição tradicional de juventude mudou” (Cf. SESSÃO EXPERIMENTAL. Disponível em: <clique aqui>. Acessado em: 20 out. 2009).

Com esses dados, podemos dizer que existem, tanto na Igreja quanto na Sociedade, jovens com pouca idade cronológica, mas tão envelhecidos nas idéias e nos ideais, marcados por um conservadorismo anacrônico e inerte. Por outro lado, há pessoas com idade cronológica bem mais avançada, porém, alegres, entusiasmadas (etimologicamente: cheias de Deus), com uma visão positiva das coisas, do mundo e das pessoas, e bem mais comprometidas.

Por isso, continuam valendo aqueles “traços muito característicos” que marcam a juventude, apontados pelo Magistério eclesial trinta anos atrás: “um inconformismo que a tudo questiona; um espírito de aventura que a leva a compromissos e situações radicais; uma capacidade criadora com respostas novas para o mundo em transformação, que aspira a sempre melhorar em sinal de esperança. Sua aspiração pessoal mais espontânea e forte é a liberdade, emancipada de qualquer tutela exterior. É sinal de alegria e felicidade. Muito sensível aos problemas sociais. Exige autenticidade e simplicidade, rejeitando com rebeldia uma sociedade invadida por hipocrisias e contravalores” (DP, n. 1168). Por fim, “este dinamismo a torna capaz de renovar ‘as culturas’ que, doutra forma, envelheceriam” (Ibidem, n. 1169).

Recentemente, observando a realidade dos jovens e adolescentes, assim se expressou animadoramente o Magistério eclesial: “os jovens e adolescentes constituem a grande maioria da população da América latina e do Caribe. Representam um enorme potencial para o presente e futuro da Igreja e de nossos povos como discípulos e missionários do Senhor Jesus. Os jovens são sensíveis para descobrir sua vocação a ser amigos e discípulos de Cristo. São chamados a ser “sentinelas da manhã”, comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus. Não temem o sacrifício nem a entrega da própria vida, mas sim uma vida sem sentido. Por sua generosidade, são chamados a servir a seus irmãos, especialmente aos mais necessitados, com todo seu tempo e sua vida. Tem capacidade para se opor às falsas ilusões de felicidade e aos paraísos enganosos das drogas, do prazer, do álcool e de todas as formas de violência. Em sua procura pelo sentido da vida, são capazes e sensíveis para descobrir o chamado particular que o Senhor Jesus lhes faz. Como discípulos missionários, as novas gerações são chamadas a transmitir a seus irmãos jovens, sem distinção alguma, a corrente de vida que procede de Cristo e a compartilhá-la em comunidade, construindo a Igreja e a sociedade” (DA, n. 443).

Olhando com sensibilidade, inteligência e indignação a realidade atual que nos envolve, tão marcada por medos e inseguranças, porque tudo se torna ameaça à vida, para este ano de 2009, o DNJ traz como tema: “Contra o extermínio da juventude, na luta pela vida” e como lema: “Juventude em marcha contra a violência”.

Trata-se de uma proposta pertinente, porque a violência hoje virou notícia comum em todos os meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que se atenta a vida do planeta por pretextos escusos, se mata a vida do ser humano por razões banais. Disseminou-se uma terrível “mentalidade delinqüente”, infelizmente muito presente também no meio dos jovens do nosso país. É o que aconteceu exatamente com o Pe. Gisley Azevedo Gomes, CSS, assessor nacional do Setor Juventude da CNBB, que foi assassinado por jovens, no dia 15/06 deste ano, “vítima da violência que ansiava combater” (nota das Pastorais da Juventude do Brasil). Por isso, carregados de justa indignação, disseram ainda os jovens que “a tragédia que se abateu entre nós, das Pastorais da Juventude do Brasil, nos desafia a denunciar a força com que a violência tem ceifado a vida de milhares de jovens em todo o país” (Ibidem).

Em face disso, é muito triste e lamentável ver jovens trucidando jovens, ver jovens escravizados de tudo aquilo que brutalmente os serviliza. Muitos jovens se vêem levados pelo falso discurso de uma sociedade que propõe a felicidade a partir de coisas que mais criam dependências, como a moda, o consumismo e as drogas. E, contraditoriamente, o que o jovem mais aspira neste mundo é vida e liberdade. Porque “a liberdade humana é, como a vida, a coisa mais preciosa e valiosa do mundo” (Frei Bartolomeu de Las Casas). São dons de Deus.

Em vista do que está exposto acima, o Evangelho da Missa deste domingo, que apresenta a cena do “cego Bartimeu” (Mc 10,46-52) bem serve para iluminar este meu artigo, pois seu gesto reflete a postura do verdadeiro seguidor de Jesus. De fato, após tê-lo descoberto (ouvido e visto) Bartimeu seguia Jesus pelo caminho” (Mc 10,52b).

Num primeiro momento, Marcos apresenta Bartimeu como símbolo da extrema marginalidade: “cego”, “mendigo” (“sentado à beira do caminho”), humilhado (pois tinha que gritar a sua miserabilidade), e sem liberdade de expressão (“muitos o repreendiam que se calasse”).

A seguir, Marcos mostra a reversão dos fatos. Ao “ouvir dizer” que “Jesus estava passando” por ali, Bartimeu grita a Jesus insistentemente e cheio de confiança (Cf. Mc 10,47.48), porque sabe que só ele pode mudar a sua vida, só nele se encontra a verdadeira compaixão (no grego: eléeson). Assim, no encontro com Jesus e na observância à ordem dele: "Vai" (no grego: hipágue), Bartimeu “recuperou a vista” (Mc 10,52b). E foi uma reabilitação plena: “A tua fé te salvou (no grego: hé pistis su sessoken se). O texto conclui dizendo que “naquele mesmo instante (no grego: euqueos), além de ter recuperado a vista, Brtimeu “seguia Jesus pelo caminho”. A partir daí, Bartimeu tornou-se modelo de toda pessoa que precisa abrir os olhos, tomar consciência, comprometer-se e seguir Jesus prontamente.

O interessante é que nesse processo de libertação total, Jesus não quis agir sozinho, mas responsabilizou a todos: “Chamai-o” (no grego: fonequenai) E “eles chamaram o cego” (no grego: kai fonusin ton tiflon: Mc 10,49a). Com isso, tudo muda. De fato, é nessa parceria entre Jesus e nós e entre nós e Jesus, que o mundo novo começa a aparecer.

Porém, penso que esta transformação deve partir de dentro dos próprios jovens. Porque hoje, tanto na Sociedade como na Igreja, percebo que ainda há muitos jovens “cegos” (alienados), “mendigos” (carentes de consciência e da força do Evangelho), “sentados à beira do caminho” (à margem da luta, atraídos por outros interesses) e “calados” (resignados, submetidos).

Tendo visto a realidade, e agora à luz do episódio do “cego Bartimeu”, lanço aqui alguns desafios bem incisivos para todos os jovens deste país: a) Lutar pela conscientização do povo, principalmente da grande maioria dos jovens (“recuperar a vista”); b) Comprometer-se com a construção de uma sociedade mais justa, humana e livre (“o cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”); c) Empenhar-se pela edificação de uma sociedade onde todos tenham vez e voz (o cego “gritou mais ainda”). Lembremo-nos que o verdadeiro discípulo de Jesus não pode silenciar-se, como nos mostra o evangelista Lucas: “alguns fariseus disseram a Jesus: ‘Mestre, manda que seus discípulos se calem’. Jesus respondeu: ‘Eu digo a vocês: se eles se calarem, as pedras gritarão’” (Lc 19,40). Nesta passagem, “as pedras” simbolizam as pequenas comunidades, discípulas missionárias e proféticas (Cf. Mt 16,18).

Seguindo-se a esses desafios, o Magistério eclesial sugere também algumas linhas de ação no que se refere a juventude (DA, n. 446):

a) Renovar, em estreita união com a família, de maneira eficaz e realista, a opção preferencial pelos jovens, em continuidade com as Conferências Gerais anteriores, dando novo impulso à Pastoral da Juventude nas comunidades eclesiais (dioceses, paróquias, movimentos, etc);

b) Estimular os Movimentos eclesiais que tem uma pedagogia orientada à evangelização dos jovens e convidá-los a colocar mais generosamente suas riquezas carismáticas, educativas e missionárias a serviço das Igrejas locais;

c) Propor aos jovens o encontro com Jesus Cristo vivo e seu seguimento na Igreja, à luz do Plano de Deus, que garanta a realização plena de sua dignidade de ser humano, que estimule-os a formar sua personalidade e que proponha a eles uma opção vocacional específica: o sacerdócio, a vida consagrada ou o matrimônio. Durante o processo de acompanhamento vocacional, irá aos poucos introduzindo gradualmente os jovens na oração pessoal e na lectio divina, na freqüência aos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, da direção espiritual e do apostolado;

d) Privilegiar na Pastoral da Juventude processos de educação e amadurecimento na fé como resposta de sentido e orientação da vida e garantia de compromisso missionário. De maneira especial, buscar-se-á implementar uma catequese atrativa para os jovens que os introduza no conhecimento do mistério de Cristo, buscando mostrar a eles a beleza da Eucaristia dominical que os leve a descobrir nela Cristo vivo e o mistério fascinante da Igreja;

e) A Pastoral da Juventude ajudará os jovens a se formar de maneira gradual, para a ação social e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja, fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados;

f) É imperativa a capacitação dos jovens para que tenham oportunidades no mundo do trabalho e evitar que caiam na droga e na violência;

g) Nas metodologias pastorais, procurar uma maior sintonia entre o mundo adulto e o mundo dos jovens;

h) Assegurar a participação dos jovens em peregrinações, nas Jornadas nacionais e mundiais da Juventude, com a devida preparação espiritual e missionária e com a companhia de seus pastores.

Assim, considerando aqueles desafios brotados do Evangelho e estas linhas de ação, a nova sociedade, sinal do Reino que Deus quer para todos, só se realizará com satisfação quando todos nós, preferencialmente os jovens, acatarmos decisivamente o convite do Evangelho: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” (Mc 10,49b).

domingo, 4 de outubro de 2009

“UNGIU-ME PARA ANUNCIAR A BOA NOTÍCIA” (Lc 4,18)

Pe. Paulo Nunes de Araujo



“Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova a toda a humanidade. Quem crer e for batizado, será salvo” (Mc 16,15-16a; Cf. Mt 28,19). Com essas palavras de Jesus, inspirei-me a escrever este artigo, em vista do mês de outubro, o “mês missionário”. Tendo já em vista que o Dia Mundial das Comunicações a ser comemorado no dia 16/05/2010 traz como tema: “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”, mais uma vez faço uso deste poderoso veículo de comunicação para expor este meu escrito.

As atividades do mês de outubro atingem culminância no “Dia Mundial das Missões”, criado por Pio XI, chamado de “papa missionário”, em razão do seu enorme ardor evangelizador. Quanto a origem e evolução dessa data, temos algumas informações históricas. Conta-se que na Solenidade de Pentecostes de 1922, início do seu pontificado, Pio XI, num gesto surpreendente e profético, interrompeu sua homilia e, diante de um pasmo silêncio, tomou seu solidéu, fazendo-o passar entre a multidão de bispos, presbíteros e fiéis na Basílica de São Pedro, no Vaticano, enquanto pedia a toda a Igreja ajuda para as missões. Foi assim que, no mesmo ano, ele criou as Pontifícias Obras Missionárias (POM), recomendando-as como instrumento principal e oficial da Cooperação Missionária de toda a Igreja. Além de estimular a criação de novas frentes missionárias, Pio XI conferiu o Sacramento da Ordem Episcopal aos primeiros bispos indianos, em 1923. E no Ano Santo de 1925, promoveu uma vasta Exposição Missionária Mundial, que, depois, deu origem ao atual Museu Missionário do Vaticano.

No ano seguinte, a 28/02/1926, Pio XI publicou a Carta Encíclica Rerum Ecclesiae, sobre a história da Igreja e as missões, na qual reafirmou a importância dos objetivos missionários programados no início do seu pontificado e acentuou a estima dos apóstolos nativos (sacerdotes, religiosos e leigos), tanto que, nesse mesmo ano, foram Ordenados em Roma os seis primeiros bispos chineses. Também estimulou a disponibilidade missionária da Igreja que envia e da que é ajudada, destacando a responsabilidade da Igreja particular (Diocese) na evangelização universal. A motivação colocada por Pio XI na Encíclica, foi a gratidão pelo dom da fé (fidei donum), a qual deve levar o agradecido à prática da caridade, pois “não há caridade maior e mais perfeita do que arrancar os irmãos das trevas da superstição e iluminá-los com a verdadeira fé em Jesus Cristo” (nn. 20-21).

Ainda em 1926, Pio XI acatou e propôs “a instituição, em todo o mundo católico, de um dia de oração e ofertas em favor da evangelização dos povos, a ser celebrado em um mesmo dia em todas as dioceses, paróquias e instituições do mundo católico”. Por fim, vendo isso como “uma inspiração que vem do céu”, Pio XI aprovou, em 14 de abril de 1926, a celebração anual do “Dia Mundial das Missões”, estabelecendo-o no penúltimo domingo de outubro. Para este ano de 2009, o tema da Campanha Missionária sugerido pelas Pontifícias Obras Missionárias é: “Enviados para anunciar a Boa Nova” (Lc 4,18).

Após oitenta e três anos de caminhada, hoje no espírito do “Ano Sacerdotal”, percebo a urgência urgentíssima de assumirmos a nossa missão de “povo sacerdotal”, condição esta evocada já no nosso batismo (Cf. Ap 1,5b-6; 6,10; 1Pd 2,5.9; Ex 19,6), igualmente e sem distinção. É evidente que não estou descartando o sacerdócio ministerial. Mas o que eu quero é acentuar o fato de que somos todos chamados a sermos autênticos “discípulos missionários”, expressão que perpassa por todo o Documento de Aparecida.

A nossa ação missionária começa a acontecer no momento em que respondemos positivamente ao chamado de Jesus: “Sigam-me” (Mc 1,17; Cf. Mc 2,14; Mt 4,19; Lc 5,10b; 9,59). Neste aspecto, o Magistério eclesial nos orienta com clareza que “ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas as nações (Cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isso, todo discípulos é missionário, pois Jesus o faz partícipe da sua missão, ao mesmo tempo que o vincula a Ele, como amigo e irmão” (DA, n. 144). Face ao chamado de Jesus que diz: “Sigam-me”, os seus discípulos aprenderam duas coisas básicas: “por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre, foi Cristo quem os escolheu (Cf. 1Jo 4,10.19). E por outro lado, eles não foram convocados para algo (para purificar-se, aprender a Lei...), mas para Alguém, escolhidos para se vincularem intimamente à pessoa dele” (DA, n. 131; Cf. Mc 3,14).

Nesse aspecto, afirma Bento XVI: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Carta Encíclica Deus caritas est, n. 1; Cf. DA, n. 12). A partir daí formamos a comunidade-igreja (Cf. At 2,47b; 4,32; 5,14). E os membros de uma comunidade, pelo batismo, são todos chamados e consagrados (ungidos com óleo como Jesus, o Cristo (“o ungido”: Lc 4,18-22; Cf. Is 61,1-2; 2Cor 1,21), para uma missão. Ou seja, deixamos de ser apenas discípulos(as), para sermos apóstolos(as); deixamos de ser meros objetos de ação pastoral, para nos tornar participantes ativos de evangelização (Cf. Lc 6,13), servidores do Evangelho.

Na verdade, “discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda. Quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva” (DA, n. 146; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 172). Portanto, a comunidade é a fonte e o fundamento da missão, da vida e do crescimento da Igreja toda. Isto porque “a comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto de a comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão” (João Paulo II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Chritifideles Laici, 32; Cf. DA, n. 163; Doc. da CNBB, 87, nn. 48-59 e 152).

Sabemos que a missão primária e fundamental da Igreja é evangelizar. Mas é preciso “anunciar o Evangelho de maneira tal que garanta a relação entre a fé e a vida tanto na pessoa individual como no contexto sócio-cultural em que as pessoas vivem, atuam e se relacionam entre si” (DA, n. 331; Cf. Doc. da CNBB, 87, nn. 7-8). Trata-se do verdadeiro anúncio de Jesus e do seu Reino, “que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção integral e a autêntica libertação cristã” (DA, n. 146; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 6).

Este profético ensinamento do Magistério eclesial a respeito da “opção preferencial” ou incondicional pelos pobres é para nós de alta importância. Porque, atualmente, com o crescimento desenfreado de grupos pentecostalistas e pentecostalizantes, nota-se uma proposital, maldosa e clara tendência de desarticular a fé da vida, de desencarnar Jesus e o seu Evangelho. No entanto, “a vida no Espírito não nos fecha em intimidade cômoda e fechada, mas sim nos torna pessoas generosas e criativas, felizes no anúncio e no serviço missionário” (DA, n. 285). E mais ainda, a nossa fé “nos capacita a assumir a missão de Jesus Cristo de realizar, na história, o Reino de Deus, proclamando-o com nossas palavras e testemunhando-o em nossa vida” (Doc. da CNBB, 87, n. 2), a exemplo do próprio Jesus (Cf. Doc. da CNBB, 87, nn. 5 e 54).

Diante disso, podemos afirmar que, além de evangelizar, a Igreja também precisa ser evangelizada. Ela deve desenvolver a sua missão evangelizadora com humildade e com um diálogo aberto, sincero e positivo. E nesse diálogo, a Igreja é desafiada a comunicar bem, com uma linguagem fácil, atraente, contagiante e rica em símbolos, procurando fazer com que o Evangelho se encarne de fato na realidade, na história, na vida das pessoas. Para isso, precisamos usar de todos os “meios e processos de comunicação que visem uma ação evangelizadora que comprometa os cristãos com o seguimento de Jesus Cristo”, segundo o objetivo da XIX Semana teológica (Comunicação e Evangelização), realizada pela UCDB, Campo Grande, MS, de 21-25/09/2009. Porque de fato, na boca de muitos pregadores, a mensagem não passa, não convence, não contagia, não muda a vida. Porque a mensagem acaba ficando carente de força necessária, de profetismo.

Em nosso contexto atual, inúmeros são os desafios à evangelização, como o aumento populacional, as enormes extensões territoriais, a escassez de evangelizadores, a indiferença religiosa, a falta de apoio afetivo e encorajador de muitos pastores, a secularização, o relativismo de valores, as perseguições e ataques até violentos aos anunciadores do Evangelho, entre tantos outros. Face a essa difícil realidade, o Magistério eclesial nos lança algumas luzes, que nos reacendem novo ardor, como por exemplo:

a) “A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias da vida. (...). Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo” (DA, n. 11);

b) “Não temos outro tesouro a não ser este (Jesus). Não temos outra felicidade nem outra prioridade senão a de sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante as dificuldades e resistências” (DA, n. 14);

c) “Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é ameaça para o homem, que Ele está perto com o seu poder salvador e libertador de seu Reino, que ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas” (DA, n. 30).

Posto isto, a Igreja na América Latina e no Caribe está convocada a colocar-se em “estado permanente de missão” (DA, n. 551). Porque “só uma Igreja missionária e evangelizadora experimenta a fecundidade e a alegria de quem realmente realiza a sua vocação” (Doc. da CNBB, 87, n. 210). Assim, ninguém deve isentar-se dessa proposta, muito especialmente os fiéis “leigos”, os quais de fato “realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo de Cristão na Igreja e no mundo” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 31). Realmente, “a evangelização do Continente não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fiéis leigos” (João Paulo II. Exortação Apostólica Ecclesia in America, n. 44). O anúncio de Jesus e do seu Reino, indiscutivelmente, é missão de todos nós, povo sacerdotal.

Essa responsabilidade que recai sobre nós batizados, indistintamente, não pode ser vista como algo enfadonho, esmorecedor, desagregador. Seguramente, o desejo da Igreja é que a caminhada das comunidades se faça de forma ordenada evitando-se abusos, discriminações, arbítrios, etc.. Pois tal era o senso de co-responsabilidade reinante entre os cristãos do primeiro século: “de fato, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias” (At 15,28). Assim, precisamos fazer valer sempre uma sincera caridade pastoral.

Para concluir, lembrando que este é também o “Mês do Rosário”, peço a Deus que nos abençoe e que a Virgem do Rosário, “Maria, Mãe do Senhor, primeira evangelizada e primeira evangelizadora, nos inspire com seu exemplo de fidelidade e disponibilidade incondicional ao Reino de Deus e nos acompanhe com sua materna intercessão” (Doc. da CNBB, 87, n. 216). E que Santa Terezinha do Menino Jesus, a “padroeira das missões”, nos leve a seguir fielmente o exemplo de Jesus que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45). Nessa caminhada, rezemos junto a “Oração Missionária 2009”: “Deus, Pai de toda a humanidade: ouvi o clamor dos Vossos filhos. Enviai-nos aonde nada mais existe, senão a dor e a incerteza. Dai-nos as mãos de Marta e o coração de Maria, para que sejamos Boa-Notícia para os povos. Maria, Mãe da Igreja, intercedei por nós! Amém”.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

ENCERRAMENTO DO MÊS DA BÍBLIA

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”.
Tema do 44º “Dia Mundial das Comunicações” a ser comemorado no dia 16/05/2010.

Caros amigos e amigas, meus fiéis leitores. O intuito deste escrito é expor o quanto foi magnífico o encerramento do “Mês da Bíblia” aqui na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, município de Miranda, portal do pantanal sul-matogrossense. Cerca de oitenta pessoas vindas das várias comunidades da Paróquia participaram assiduamente dos três dias de formação, de 28 a 30, cujo conteúdo foi a “Introdução ao estudo da Carta aos Filipenses”, a “Carta do coração”.

Foi um encontro de formação valiosíssimo não só pelo fato de termos bem encerrado o “Mês da Bíblia”, cumprindo o que pede a Igreja, mas também por termos atendido uma das três atuais prioridades da Diocese de Jardim, MS, da qual fazemos parte, que é exatamente a “formação”, a qual abrange várias dimensões, como a “dimensão humana comunitária, espiritual, intelectual, comunitária e pastoral-misisonária” (DA, 280). Assim sendo, nas palavras do apóstolo Paulo digo que “foi grande a minha alegria no Senhor” (Fl 4,10a), isto porque, fazendo jus ao início da estação primaveril, “finalmente vi florescer de novo o interesse” (Fl 4,10a) de mais pessoas pelo Evangelho e pela vida da Igreja.

Durante o estudo da Carta aos Filipenses, dentre as várias questões que ajudaram a dinamizar o curso, uma delas se sobressaiu e tornou-se o motivo deste meu artigo. Ei-la: Se fomos criados para o amor, como viver a “ternura de Cristo” em meio a uma sociedade tão individualista e egocêntrica como a nossa?

Vejo que esta é uma questão relevante, porque, sem dúvida, atualmente “a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos” (BENTO XVI. Carta Encíclica Cáritas in veritate, n. 19). De fato, as relações claramente são muito mais transacionais, marcadas por tramas e acordos, do que transformacionais, o que exige mudança, crescimento, realização, tanto pessoal quanto interpessoal.

E podemos ir ainda mais a fundo na questão acima: Como dizer hoje em dia “eu te amo” (Jo 21,17), a uma pessoa estimada e admirada, independentemente da questão do “gênero” (DA, n. 40), sem que esta expressão tão divina e humana seja tomada como algo incômodo e constrangedor? Porque dentro das comunidades cristãs, normalmente o que ocorre são os indivíduos se abraçarem e dizerem “Jesus te ama”. Isto é evidente, é ponto pacífico! Mas a Palavra de Deus propõe exatamente o contrário, ou seja, que amemos a Deus: “ame o Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento e com toda a sua força” (Mc 12,30; Cf. Jo 21,15-17), e amemos ao irmão: “Ame ao seu próximo como a si mesmo” (Mc 12,31), ou, traduzindo melhor, “Ame ao seu próximo porque ele é como a ti mesmo”. Só a partir dessas duas práticas é que tudo se transforma e a fraternidade se estabelece.

No entanto, esta expressão tão gratuita e natural, acaba sendo tomada como assédio, como algo irreverente. Na verdade, segundo o Dicionário Michaelis, o verbete “assédio” quer dizer: “impertinência”, “importunação”, “insistência junto de alguém, para conseguir alguma coisa”. E a situação se agrava quando a declaração “eu te amo” tem como interlocutor alguém que ainda não fez, ou se fez, não amadureceu suficientemente na experiência do amor, podendo a pessoa conduzir o caso para o campo da sexualidade, levando a caracterizá-la como “assédio sexual”.

Nessa circunstância, a coisa fica complicada, porque conforme o art. 216-A, inserido no Código Penal Brasileiro pela Lei n. 10.224, de 15/05/2001, o “assédio sexual” é um comportamento que visa “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. De fato, aí se torna algo muito desagradável.

Fazendo essas conjecturas, eu fico pensando no quanto ainda devemos crescer na verdadeira experiência e prática do amor. Na Escritura Sagrada, a literatura sapiencial conservou um dos mais belos poemas de amor no livro Cântico dos Cânticos, em que aparece um versículo destacante: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu” (Ct 6,3). Esta frase, atribuída à amada, em relação ao seu amado, podemos interpretá-la atualmente como sendo uma declaração de amor da Igreja (a amada) à Jesus Salvador (o amado). Quanto ao amor de Jesus por nós, sabemos que é infinito, sublime e verdadeiro. Mas será que o nosso amor por Jesus também é assim? Será que nós, enquanto igreja-comunidade, nos amamos uns aos outros de forma límpida, verdadeira, altruista, humana e divina?

Jesus, na sua sabedoria plena, entendendo que somente no amor somos felizes e nos realizamos, deixou-nos um mandamento novo, superior a toda e qualquer outra Lei: “amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uma aos outros” (Jo 13,34). Para Jesus, é na prática exigente do amor que a comunidade cristã se distingue de outros agrupamentos humanos, pois, no amor, está a nossa identidade: “se vocês tiverem amor uns aos outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos” (Jo 13,35).

O apóstolo Paulo, por sua vez, escreveu um capítulo inteiro sobre o amor (1Cor 13), concluindo-o que “agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor (13,13). Assim sendo, para o apóstolo, a prática do amor deve ser algo constante na nossa vida; é como que uma “dívida impagável”: “não fiquem devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo (Rm 13,8).

Para concluir, possso afirmar com tranquilidade que não devemos ter, jamais, medo de amar. Porque “o amor – cáritas – é uma força extraordinária que impele as pessoas a se comprometerem com coragem e generosidade no campo da justiça e da paz. É uma força que tem sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta” (BENTO XVI. Carta Encíclica Cáritas in veritate, Introdução). De fato, "no amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. Por conseguinte, quem sente medo ainda não está realizado no amor" (1Jo 4,18-19). Desta feita, só posso dizer nas palavras do apóstolo: “Continuem firmes no Senhor, ó amados (Fl 4,1) e “que o amor de vocês cresça cada vez mais” (Fl 1,9). Leia a seguir, a íntegra da carta enviada pelos participantes do curso à todas as comunidades da Paróquia. É para você também!




CARTA ÀS IRMÃS E AOS IRMÃOS DAS COMUNIDADES DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DO CARMO

“Vocês estão no nosso coração” (Fl 1,7a)


1. Nós, membros da Escola Bíblica Paroquial, agentes de pastoral, lideranças, catequistas e ministros extraordinários da comunhão eucarística, saudamos com amor e afeto as irmãs e irmãos de todas as comunidades desta Paróquia, que sonham conosco com um mundo novo, num jeito novo de ser igreja e de atuar juntos, amorosa e respeitosamente na sociedade.

2. Fomos convocados de 28 a 30 de setembro, pelo Espírito Santo e pela Igreja no Brasil para estudarmos a Carta aos Filipenses, a “Carta do coração”, no encerramento do “Mês da Bíblia”. Com muito carinho todos foram bem acolhidos e gostosa foi a nossa convivência.

3. Encheu-nos de entusiasmo e emoção ver chegando, apesar das distâncias e ocupações, irmãos e irmãs de todas as comunidades urbanas e muitos irmãos e irmãs de algumas comunidades rurais e indígenas. Somamos um total de cerca de 80 pessoas, assiduamente presentes nos três dias de estudo. Desde já, carinhosamente agradecemos as equipes de recepção e acolhimento, de limpeza e organização do local, de animação dos cantos, de preparação do cafezinho todas às noites e daquela bela festa de comemoração de todos os aniversariantes do mês.

4. “Sejam bem-vindos/as, sintam-se à vontade. Damos por aberto estes três dias de estudo da Carta aos Filipenses. E sejam perseverantes!”. Assim, fomos recebidos, pelo assessor do curso, Pe. Paulo Nunes, pós-graduado em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, SP, professor de Sagrada Escritura e colaborador aqui na Paróquia. Nesse ambiente amável, parecia ressoar ali as palavras do apóstolo Paulo: “eu fico contente e me alegro com todos vocês” (Fl 2,17).

5. Os assuntos dos três dias de estudo foram assim divididos: a) introdução geral as Cartas Paulinas (objetivos, como lê-las, atitudes que devemos ter ao ler uma Carta de Paulo); b) visão ampla da Carta aos Filipenses (os remetentes, os destinatários, a atuação das mulheres, o motivo da carta, os assuntos, a estrutura da Carta); c) exposição de quatro temas específicos a partir da Carta: “comunidade acolhedora e afetuosa”, “comunidade despojada e comprometida”, “comunidade discípula missionária”, “comunidade apaixonada por Cristo e seu Projeto”. No final, discutimos em pequenos grupos cinco questões básicas: a) Fomos criados para o amor. Em meio a uma sociedade individualista, como assumir a “ternura de Cristo” vivida por Paulo?; b) Nós também “confessamos que Jesus Cristo é o Senhor”. Mas como mostramos no dia a dia esse Jesus aos nossos irmãos e irmãs de caminhada?; c) Será que nós, “discípulos e discípulas missionários” somos motivo de alegria, força e gratidão ou de preocupação para os nossos pastores (padres e bispo)?; d) A exemplo do apóstolo Paulo, nós também deixamos tudo por causa desta meta? O que deixamos? Que outros interesses ainda nos prende?; e) O que ainda falta para sermos comunidades apaixonadas (“conquistadas”) por Cristo?

6. Na noite do encerramento do Curso e de comemoração de todos os aniversariantes do mês de setembro, tivemos a presença do Pe. Altair Rossati, o pároco, que avaliou muito positivamente o nosso estudo, destacando especialmente a seriedade e o empenho dos participantes, o clima sereno e fraterno e o envolvimento de várias comunidades da Paróquia na organização e realização do evento. E contou com a atuação de todos na concretização da Segunda Grande Semana Missionária, que se realizará entre os dias 22 a 29 de novembro.

7. Por fim, além de um abraço fraterno e cheio de revigorada esperança, decidimos também transmitir algumas palavras de encorajamento, saídas do nosso coração para o coração de todos os irmãos e irmãs das comunidades da Paróquia:

Desejamos que proclamem Cristo por amor e não fracassem diante dos obstáculos. Estejam firmes no Espírito Santo, lutando juntos numa só alma pela fé ao Evangelho. Certamente surgirão críticas, alguns dirão que esses trabalhos são perda de tempo. Mas sejam confiantes, pois isso nada mais é do que um sinal de amadurecimento e de salvação. Afinal, foi Deus quem deu a vocês o dom de acreditar em Cristo e em seu projeto e de se empenharem com ardor na mesma luta.

Inspirem-se sempre nas palavras do apóstolo Paulo: “se há um conforto em Cristo, uma consolação no amor, se existe uma comunhão de espírito, se existe ternura e compaixão, completem a minha alegria: tenham uma só aspiração, um só amor, uma só alma e um só pensamento. Não façam nada por competição e por desejo de receber elogios, mais por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo. Que cada um procure, não o próprio interesse, mas o interesse dos outros. Tenham em vocês os mesmos sentimentos que houve em Cristo Jesus” (Fl 2,1-5).

Sejam perseverantes! A exemplo de Jesus, esvaziem-se a si mesmos assumindo a condição de servos, através dos trabalhos pastorais na comunidade, de modo que “ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob a terra; e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fl 2,10-11). Continuem firmes “na luta pelo Evangelho”. Só assim os “seus nomes estarão no livro da vida” (Fl 3,3). Deus os bençoe e a Virgem Maria os proteja! Assim seja!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

“VOCÊS ESTÃO NO MEU CORAÇÃO” (Fl 1,7a)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Em nosso século tão influenciado pelos meios de comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o posterior aprofundamento da fé não podem prescindir desses meios. Colocados a serviço do Evangelho, eles oferecem a possibilidade de difundir quase sem limites o campo da audiência da Palavra de Deus, fazendo chegar a Boa Nova a milhões de pessoas. A Igreja se sentiria culpada diante de Deus se não empregasse esses poderosos meios, que a inteligência humana aperfeiçoa cada vez mais. Com eles, a Igreja ‘proclama a partir dos telhados’ (Cf. Mt 10,27; Lc 12,3) a mensagem da qual é depositária. Neles, encontra uma versão moderna e eficaz do 'púlpito'. Graças a eles, pode falar às multidões” (DA, n. 485).

Com estas palavras do Magistério eclesial, mais uma vez faço uso deste extraordinário meio de comunicação, a internet, para fazer chegar até os meus queridos e fiéis leitores, mais um artigo, desta vez sobre o “Mês da Bíblia”.

O “Mês da Bíblia” tem sua origem na Liga de Estudos Bíblicos (LEB), a qual foi fundada no dia 6/02/1947, durante a Primeira Semana Bíblica Nacional, que realizou-se de 3-8/02/1947, no Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Esse evento contou com cerca de quarenta professores de Sagrada Escritura, vindos de muitos Estados do Brasil e de diversos países. Das várias propostas apontadas, uma foi a de se criar o “Dia da Bíblia”. A data escolhida foi o último domingo do mês de setembro, porque a 30/09/420, na cidade de Belém (Palestina), morreu Jerônimo, homem de larga cultura literária e bíblica. Ele é considerado “Doutor da Igreja” e “Patrono dos biblistas” porque, a pedido do papa Dâmaso, traduziu os originais da Bíblia (hebraico e grego) para o latim, versão conhecida como Vulgata, por ter usado um latim comum, usual.

O “Dia da Bíblia” foi ganhando destaque na vida da Igreja até ser incluído no Diretório Litúrgico. Mas foi em 1971 que surgiu definitivamente o “Mês da Bíblia”, quando a Arquidiocese de Belo Horizonte (MG) solicitou às comunidades sugestões para a comemoração do seu cinqüentenário. Nesse encontro de Belo Horizonte, foram lançados alguns objetivos para o “Mês da Bíblia”, como: contribuir para o desenvolvimento das diversas formas de presença da Bíblia nas Pastorais da Igreja; criar subsídios bíblicos nas diferentes formas de comunicação; facilitar o diálogo criativo e transformador entre a Palavra, a pessoa e as comunidades.

A partir de então, foram criados o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), em 1979, o Grupo de Reflexão Catequética (GRECAT), em 1984, o Serviço de Animação Bíblica (SAB), em 1985 e, mais recentemente, o Grupo de Reflexão Bíblica Nacional (GREBIN), em 1990. Todos atuam em nível nacional e em colaboração com a Dimensão Bíblico-Catequética das “Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil” da CNBB. De 1971 até o momento, trinta e oito temas bíblicos já foram elaborados e se tornaram matéria de reflexão e oração em milhares de comunidades do Brasil, buscando sempre animar a e a vida do povo.

Inicialmente, de 1971 a 1977, os temas do “Mês da Bíblia” eram assuntos gerais e não um livro específico da Bíblia. Porém, desde o começo, os temas bíblicos sugeridos são relacionados com o tema da Campanha da Fraternidade do mesmo ano, com o intuito de reforçar o que foi refletido e rezado durante a Quaresma. Vejamos, a seguir, os “slogans” e os conteúdos, segundo o SAB, que orientaram a Pastoral Bíblica no mês setembro, desde 1971 até hoje:

1971: Bíblia, Jesus Cristo está aqui;
1972: Deus acredita em você;
1973: Deus continua acreditando em você;
1974: Bíblia, muito mais nova do que você pensa;
1975: Bíblia, palavra nossa de cada dia;
1976: Bíblia, Deus caminhando com a gente;
1977: Com a Bíblia em nosso lar, nossa vida vai mudar;
1978: Como encontrar justiça e paz? (O livro de Amós);
1979: Bíblia, o livro da criação (Gênesis 1—11);
1980: Buscamos uma nova terra (História de José do Egito);
1981: Que todos tenham vida! (Carta aberta de Tiago);
1982: Que sabedoria é esta? (As Parábolas);
1983: Esperança de um povo que luta (O Apocalipse de João);
1984: O caminho feito pela palavra (Os Atos dos Apóstolos);
1985: Rute, uma história da Bíblia – Pão, família e terra (O livro de Rute);
1986: Bíblia, o livro da Aliança (Êxodo 19—24);
1987: Homem de Deus, homem do povo (O livro do Profeta Elias);
1988: Salmos, a oração do povo que luta (O livro dos Salmos);
1989: Jesus: palavra e pão (Evangelho segundo João, capítulo 6);
1990: Mulheres celebrando a libertação (Cantos de Míriam, Débora, Ana e Maria);
1991: Paulo, trabalhador e evangelizador (Vida e viagens de Paulo);
1992: Jeremias, profeta desde jovem (O livro de Jeremias);
1993: A força do povo peregrino sem lar, sem terra (Primeira Carta de Pedro);
1994: Cântico: uma poesia de amor (O livro do Cântico dos Cânticos);
1995: Com Jesus na contramão (Sobre a pessoa de Jesus nos Evangelhos);
1996: Jó, o povo sofredor (O livro de Jó);
1997: Curso Bíblico Popular – Evangelho segundo Marcos;
1998: Curso Bíblico Popular – Evangelho segundo Lucas;
1999: Curso Bíblico Popular – Evangelho segundo Mateus;
2000: João: luz para as Comunidades (Evangelho segundo João);
2001: E todos repartiam o pão... (Atos dos Apóstolos 1—15);
2002: Evangelizar um mundo hostil (Atos dos Apóstolos 16—28);
2003: Curso Bíblico Popular – As Cartas de Pedro;
2004: Reviver na ternura e na misericórdia (Profeta Oséias e o Evangelho segundo Mateus);
2005: Sonhar de novo (Uma releitura do Segundo e Terceiro Isaías, a partir de Jesus);
2006: Come teu pão com alegria! (O livro do Eclesiastes);
2007: Deus viu tudo o que tinha feito e era muito bom (Gênesis 1—11);
2008: A caridade sustenta a comunidade (Introdução ao estudo da Primeira Carta aos Coríntios);
2009: Carta do Coração (Introdução ao estudo da Carta aos Filipenses).

O “Mês da Bíblia” é um tempo especial para que sejam criados novos grupos de reflexão e para manter os já existentes e, conseqüentemente, ajudar a perceber que a Palavra de Deus é eficaz na formação da comunidade, como nos mostra o profeta: “assim acontece com a minha palavra que sai da minha boca: ela não volta pra mim sem efeito, sem ter realizado o que eu quero e sem ter cumprido com sucesso a missão para a qual eu a mandei” (Is 55,10-11). O Frei Carlos Mesters, carmelita holandês, doutor em Teologia Bíblica e um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil afirma que: “o Mês da Bíblia não é mais um movimento, mas uma pastoral na Igreja”.

Por isso, é importante e necessário que cada Paróquia crie a “Escola Bíblica”, a fim de atender, além daqueles objetivos do encontro de Belo Horizonte, as mais recentes e pertinentes diretrizes do Magistério eclesial. Quanto às orientações, o Documento de Aparecida e Documentos da CNBB apontam as seguintes:

“O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus irmãos. Discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda: quando o discípulos está apaixonado por cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva” (DA, n. 146);

“Toda paróquia é chamada a ser o espaço onde se recebe e se acolhe a Palavra. (...). Sua própria renovação exige que se deixe iluminar de novo e sempre pela Palavra viva e eficaz” (DA, n. 172).

“As comunidades eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como fonte de sua espiritualidade, como farol de seu caminho e de sua atuação na única Igreja de Cristo” (DA, nn. 179-180).

“Encontramos Jesus (também) na Sagrada Escritura, lida na Igreja. (...). Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo” (DA, n. 247).

“A proclamação da Palavra de Deus pela Igreja é decisiva para a fé do cristão. (...). É através da pregação do quérigma que acontece um autêntico encontro com Jesus Cristo; por isso ele deve ser uma oferta imprescindível a todos” (Doc. da CNBB, 87, n. 61; DA, 226a).

“O anúncio e a acolhida da Palavra são, portanto, fundamentais para a vida e a missão da Igreja e ocupam lugar central na liturgia. (...). A proclamação da Palavra na liturgia torna-se para os fiéis a primeira e fundamental escola da fé (Doc. da CNBB, 87, n. 62).

“O ministério da Palavra exige o ministério da Catequese a todos, porque fortalece a conversão inicial e permite que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em meio ao mundo que os desafia” (Doc. da CNBB, 87, n. 64).

É pela pregação da Palavra que todos podem ter acesso à fé e à salvação (Cf. Rom 10,17). (...). O ministério da Palavra, pelo chamado do Espírito, revela-se no carisma da profecia. (...). Profecia e martírio são legados da memória da Igreja chamada a testemunhar, com coragem e liberdade, a Palavra que defende a vida e julga os poderes deste mundo (Doc. da CNBB, 87, n. 66).

E no que se refere às propostas, o mesmo Documento de Aparecida e Documentos da CNBB indicam as seguintes:

Desenvolver “uma pastoral que leve em consideração a beleza no anúncio da Palavra” (DA, n. 512L);

Que se “difunda a Palavra de Deus, anuncie-a com alegria e ousadia e realize a formação dos leigos” (DA, n. 517h).

Diante dos “que deixaram a Igreja para se unir a outros grupos religiosos”, em nossa Igreja devemos reforçar quatro eixos, entre os quais, a formação bíblico-doutrinal: “nossos fiéis precisam aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus e os conteúdos da fé, visto que esta é a única maneira de amadurecer sua experiência religiosa” (DA, n. 226c).

“Por isso, a importância de uma 'pastoral bíblica', entendida como animação bíblica da pastoral, que seja escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, de comunhão com Jesus ou oração com a Palavra e de evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra” (DA, n. 248; Doc. da CNBB, 87, n. 63).

“Seja incentivada a prática dos círculos bíblicos ou da s reuniões de grupo, com a partilha da vivência da Palavra para a edificação mútua, de modo que a Palavra de Deus ilumine a realidade vivida pelos participantes, animando-as e despertando-as para o compromisso evangélico a serviço do Reino de Deus” (Doc. da CNBB, 87, n. 63).

“Aos fiéis leigos continuem sendo oferecidas oportunidades de formação bíblico-teológica, o que exige uma renovação da pastoral catequética nas paróquias” (Doc. da CNBB, 87, n. 65).

Face à exigência do estudo da Palavra de Deus, aconteceu, no Vaticano, a Assembléia Geral Ordinária do Sínodo sobre a Palavra de Deus, de 5-26/10/08, abordando o tema: “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Ao encerrar este Sínodo, o papa Bento XVI, em sua homilia, apontou algumas provocações a serem assumidas com urgência:

“A tarefa prioritária da Igreja, no início deste novo milênio, é antes de tudo alimentar-se da Palavra de Deus, para tornar eficaz o compromisso da nova evangelização, do anúncio nos nossos tempos. Isto exige em primeiro lugar um conhecimento mais íntimo de Cristo e uma escuta sempre dócil da sua palavra”;

“A plenitude da Lei, como de todas as Escrituras divinas, é o amor. Portanto, quem pensa que compreendeu as Escrituras, ou pelo menos uma parte delas, sem se comprometer a construir, mediante a sua inteligência, o duplo amor de Deus e do próximo, na realidade demonstra que ainda está longe de ter compreendido o seu sentido profundo”;

“Torna-se indispensável uma promoção pastoral robusta e crível do conhecimento da Sagrada Escritura, para anunciar, celebrar e viver a Palavra na comunidade cristã, dialogando com as culturas do nosso tempo”;

“O lugar privilegiado no qual ressoa a Palavra de Deus, que edifica a Igreja, (...), é sem dúvida a Liturgia. Nela sobressai que a Bíblia é o livro de um povo e para um povo”.

E nesse empenho, ao tratar da “Pastoral bíblica”, os Padres Sinodais explicitaram que “os Bispos devem ser os primeiros promotores desta dinâmica nas suas dioceses. Para anunciar a Palavra, para a anunciar de maneira credível, o Bispo deve nutrir-se, ele em primeiro lugar, da Palavra de Deus, de forma que possa sustentar e tornar cada vez mais fecundo o seu próprio ministério episcopal. O Sínodo recomenda que se intensifique a “pastoral bíblica”, não justapondo-a a outras formas de pastoral, mas como animação bíblica de toda a pastoral. Guiados pelos seus pastores, todos os batizados participam da missão da Igreja” (Proposição n. 30).

Em vista das orientações e propostas do Magistério da Igreja na América Latina e Caribe e do Sínodo sobre a Palavra de Deus, realizou-se, dos dias 9 a 12 de julho próximo passado, o “Primeiro Encontro Latino-Americano de Animação Bíblica da Pastoral”, em Bogotá, na Colômbia, com o tema: “A Palavra de vida, fonte de discipulado e missão”. Ao final do Encontro, foi lançada uma “mensagem”, na qual se destaca, como imperativo, “que os fiéis tenham amplo acesso à Palavra de Deus (Cf. DV, n. 22), adquirindo, antes de tudo, o livro da Bíblia e contando com subsídios que lhes permitam iniciar-se em sua leitura, para que alcancem a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo, Palavra encarnada do Pai, centro de toda a Escritura (Cf. Jo 5,39)”.

Por aí percebemos que não estamos sozinhos e sem direção. Caminhamos como Igreja e com a Igreja, buscando sempre nos colocar na perspectiva de Jesus que escolheu os seus discípulos “para que estivessem com ele e para enviá-los a pregar” (Mc 3,14), dando-lhes este mandato: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15; Cf. Mt 28,19). Daí que a decisão do apóstolo deve ser também a nossa: “Ai de mim se eu não evangelizar” (1Cor 9,16). Mas para que este intuito se realize a contento, precisamos nos preparar mais, homens e mulheres, casais e jovens, buscando o exemplo do servo Apolo, “homem eloqüente e versado nas Escrituras, que tinha sido instruído no caminho do Senhor e, no fervor do Espírito, falava com intrepidez (no grego: parresía) e ensinava com exatidão o que se refere a Jesus” (At 18,25).

Neste ano, durante o mês de setembro, o livro bíblico escolhido para a reflexão, oração e o aprofundamento do “Mês da Bíblia” é a Carta do apóstolo Paulo aos Filipenses. O título “Carta do Coração” está ligado ao fato de que expressões como amor, ternura e alegria, perpassam por toda a Carta (Cf. Fl 1,4.7-9; 2,17-18.29; 4,1.4.10). Aqui na paróquia já temos um grupo de setenta alunos na “Escola Bíblica”. E vamos encerrar o “Mês da Bíblia” com um grande encontro de todas as comunidades para estudarmos a “Carta do Coração”, a fim de sermos comunidades mais hospitaleiras, desprendidas, comprometidas, alegres, apaixonadas por Jesus Cristo e verdadeiramente missionárias.

Assim, espero que esta “primavera bíblica” floresça a cada dia, com mais e mais pessoas participando da “Escola Bíblica”, como ocorria nos primórdios da igreja, quando “o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos” (At 2,47). Porém, isto só se realizará se cada um se fizer verdadeiro “amante da Palavra” (DA, n. 292), tomando consciência que o estudo bíblico não é uma mera extensão na vida da comunidade, mas uma “prioridade da Igreja” (João Paulo II. Novo millennio ineunte, n. 40). Porque “devido à animação bíblica da pastoral, aumenta o conhecimento da Palavra de Deus e do amor por ela” (DA, n. 99a). Ai, sim, poderemos dizer com o apóstolo: “Foi grande a minha alegria no Senhor” (Fl 4,10).

 
©2007 '' Por Elke di Barros