domingo, 28 de março de 2010

SEMANA SANTA


Pe. Paulo Nunes de Araujo



A “Semana Santa” surgiu já nos primórdios do cristianismo quando as comunidades cristãs em Jerusalém se reuniam, na sexta-feira e no sábado, por meio de rigoroso jejum, para relembrar o sofrimento e a morte de Jesus, ou seja, a fim de rememorar “os dias em que nos foi tirado o esposo” (diebus in quibus ablatus est sponsus: Cf. Mt 9,15; Mc 2,20). Desse modo, os cristãos se preparavam para a festa da Páscoa, no domingo, em que celebravam a memória da ressurreição de Jesus. Tempos depois, a prática do jejum passou a ser observada também na quarta-feira, “porque nesse dia começaram ‘os judeus’ a tramar a perda do Senhor” (propter initum a Iudaeis consilium de proditione Domini: Cf. Mc 3,6; 14,1-2; Lc 6,11; 19,47; 20,19a; 22,2), ou seja, nesse dia os “chefes judeus” decidiram prender Jesus. Tudo isso ocorria mais intensamente em Jerusalém porque possivelmente ali permaneciam mais vivas as lembranças dos últimos dias de Jesus.

Posteriormente, essas solenidades passaram a ser imitadas pelas Igrejas do Oriente e depois pelas Igrejas européias. Esses dias eram também de descanso para todos os servos e escravos. Em algumas Igrejas em Jerusalém eram celebradas, todas as noites, vigílias solenes com orações e leituras bíblicas, e também a eucaristia. Nesse processo evolutivo, em meados do século III, já se praticava o jejum em todos os dias da Semana Santa.

A importância dessa Semana que antecede a festa da Páscoa está comprovada nos diversos nomes que ela recebeu ao longo dos primeiros séculos: “Hebdomada Paschalis” (Semana da Páscoa); “Hebdomada Authentica” (Semana “sem comparação” ou que “tem uma importância toda sua, em si e por si mesma”); “Hebdomada Maior” (Semana Maior); e “Hebdomada Sancta” (Semana Santa), nome que vigora até hoje. As cerimônias litúrgicas particulares da Semana Santa começaram a se desenvolver a partir do século IV. Resumidamente, a Semana Santa assim se desdobra:


I. Domingo de Ramos e Paixão do Senhor.

Inicialmente, esse domingo chamava-se, em latim, Capitulavium (lavação das cabeças), porque nesse dia, os que iam ser batizados no sábado seguinte, participavam de uma cerimônia preparatória, quando suas cabeças eram solenemente lavadas. Esse domingo é marcado pela procissão de ramos, que começou a ser feita em Jerusalém, no século IV, para relembrar a entrada solene de Jesus, aclamado como Messias. Começava às treze horas, no Monte das Oliveiras. Não se tratava apenas de relembrar um fato do passado, mas de dar um testemunho público de fé em Jesus como o verdadeiro Rei e Salvador enviado. A partir daí, no correr da semana, precisamente na Quinta-feira, se iniciava o “Tríduo Pascal”.

1) Quinta-feira Santa.

Por volta do século V, esse dia chamava-se “Feria quinta in Coena Domini” (Quinta-feira da Ceia do Senhor). Em alguns lugares, chamava-se “Dia da Traição”. Costumava-se chamar também de Quinta-feira de “Endoenças” (corruptela popular do latim: indulgêntia: in­dulgências, daí: endoenças), que é o dia do perdão, do indulto, da expiação dos pecados, da clemência. No século VI, iniciou-se o costume de fazer neste dia a bênção dos óleos, a serem usados nos Sacramentos do Batismo, da Crisma e da Unção dos Enfermos. Nessa Missa dos Santos Óleos, celebra-se a instituição do Sacramento da Ordem.

A Quinta-feira Santa é marcada pela instituição da Eucaristia, a “Ceia do Senhor”, simbolizada pelo amor serviçal (o lava-pés). Desde o século VI, a cerimônia do “lava-pés” procura reproduzir ritualmente o gesto de Jesus que lavou os pés de seus discípulos, como prova de amor e disposição para servir (Cf. Jo 13,1-17). De fato, no Quarto Evangelho não encontramos a narrativa da instituição eucarística, mas a do ‘lava-pés’, para mostrar que Eucaristia é serviço. O lava-pés era chamado também de "Mandatum", para recordar o mandamento novo de Jesus (Cf. Jo 13,34-35; 15,9-15). Em Roma, o papa lavava os pés de treze pobres, aos quais tinha servido uma ceia. Para o papa Gregório I, conhecido como Gregório Magno (590-604), este 13º pobre seria o próprio Cristo disfarçado de mendigo.

Também na Quinta-feira Santa, celebramos a instituição do Sacerdócio ministerial, que neste ano, terá para toda a Igreja um significado muito especial, por estarmos exatamente dentro do Ano Sacerdotal (11/06/2009 a 11/06/2010), instituído pelo papa Bento XVI.

Atualmente, logo após a Eucaristia, o altar é deixado sem nenhuma toalha. Com este gesto simbólico, recordamos a denudação de Cristo antes de sua crucifixão. Além disso, o Santíssimo é transladado pra um lugar preparado à parte, a fim de levar os fiéis a fazerem algum momento de adoração, de vigília, meditando a hora difícil de Jesus no Jardim das Oliveiras e de oração por todos os que atualmente sofrem, pois neles, Jesus continua sofrendo.

2) Sexta-feira Santa.

Inicialmente, este dia chamava-se “Paraskeve” (do grego: paraskeué: preparação; ou, por extensão, “véspera do sábado”, sexta-feira). Segundo o evangelista João, é nesse dia que Jesus foi crucificado: “Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados” (Jo 19,31). Tertuliano (155-222), um dos mais importantes escritores eclesiásticos da antiguidade, deu-lhe o nome de “Dies Paschae” (Dia da Páscoa). Santo Ambrósio (340-397) chamava a Sexta-feira de “Dies amaritudinis” (Dia do amargor, da tristeza), por ser o grande dia de luto para a Igreja. Ainda hoje, também é chamada de Sexta-feira Maior. A liturgia deste dia é composta de três partes:

a) Liturgia da Palavra. A liturgia começa diretamente com leituras dos profetas, cantos e a leitura dialogada da Paixão. Em seguida, a Oração Universal, apresentando as necessidades da Igreja e do mundo. A tradição dessas orações, abandonada no século VI, foi retomada pela nova liturgia depois do Concílio Vaticano II, que acabou introduzindo em todas as Missas as assim chamadas “Oração dos fiéis” ou “Oração da assembléia”.

b) Adoração da Cruz. Quanto a isso, é preciso antes esclarecer: a palavra “adoração” significa apenas “veneração solene”. Adoração, no sentido próprio, pode ser prestada só a Deus. A cerimônia da Adoração da Cruz teve origem em Jerusalém, no século IV, depois que Constantino encontrou as relíquias da Cruz do Salvador. Aos poucos a cerimônia foi sendo adotada também por outras cidades onde havia relíquias da Cruz. Mais tarde, foi assumida por toda a Igreja. Prestando uma veneração especial à Cruz ou ao Crucifixo, manifestamos nossa fé no Cristo Redentor, que nos salvou por sua morte. Adorando a cruz, é ao Cristo que de fato adoramos, reconhecendo nele o Filho de Deus encarnado e oferecido em sacrifício por amor a nós. Portanto, o sentido desta “adoração” é contemplar Jesus que, morto na cruz, ascende, eleva-se dela.

c) Rito da Comunhão. Desde os primórdios, não foi costume celebrar a Missa na Sexta-feira Santa. A razão é que assim a Igreja manifesta seu luto pela morte do Salvador. Até o século VIII não havia nem mesmo a comunhão, que só aos poucos foi introduzida na liturgia do dia. Em l622, foi proibida a comunhão dos fiéis. Isso continuou até recentemente, quando foi reintroduzida, após o Concílio Vaticano II. É bom lembrar que neste dia não se consagram as hóstias, pois já foram consagradas na Quinta-feira Santa.

3) Sábado Santo - Vigília Pascal.

Para a Vigília Pascal convergem todas as celebrações da Semana Santa bem como as de todo o Ano Litúrgico. Na Vigília Pascal recordamos a grande noite de vigília do povo hebreu no Egito, aguardando a hora da libertação da escravidão do Egito, ou seja, relembramos a Páscoa (do hebraico: pessach: passagem) judaica (Cf. Ex 12). Na Vigília Pascal celebramos a nossa própria redenção pelo mistério da Ressurreição de Cristo. Na Ressurreição de Jesus realiza-se a grande Páscoa cristã, isto é, a Passagem da morte para a vida; do estado de perdição para o estado de salvação. É a vitória final de Deus, em Cristo, sobre o pecado, o mal e a própria morte. Cumpriu-se, assim, o que João Batista dissera acerca de Cristo: “No dia seguinte, João viu a Jesus que se aproximava dele. E disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo’” (Jo 1,29). Jesus é agora o novo Cordeiro Pascal, segundo o autor do Sermão aos Hebreus: “ele se manifestou uma vez por todas no fim dos tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9,26). No âmbito espiritual, nos apropriamos da graça desta passagem pelo Batismo. Por isso, a “liturgia batismal” tem aqui um lugar destacante.

A Vigília Pascal, que para Santo Agostinho (354-430) é “a mãe de todas as Vigílias”, é uma soleníssima celebração, muito rica de símbolos universais e de símbolos particulares: as trevas, o fogo, a luz, a água, o círio pascal, a cor alegre dos paramentos, as músicas. A celebração articula quatro partes e conclui com a Procissão da Ressurreição.

a) Celebração da Luz. Essa cerimônia começou a ser realizada de modo mais abrangente só a partir do século IX. Começa com a “bênção do fogo”, feita no pátio, à entrada da igreja. Antigamente, acendia-se o fogo, usando pedras friccionadas, já que na Quinta-feira, tinham sido apagadas todas as luzes da igreja. Isso constava no próprio ritual antigo da bênção do fogo “O Cristo é a pedra usada por Deus para acender em nós o fogo da claridade divina”. Para os antigos, esse simbolismo do Cristo que ilumina, aquece e é centro de vida, era mais significativo. Porque, na Sexta-feira Santa, costumava-se apagar o fogão e todas as luzes das casas. Era no “fogo novo” que cada família acendia uma lâmpada para levar para casa e acender tudo de novo.

Com Cristo ressuscitado, definitivamente a “Luz brilha nas trevas” (Jo 1,5). Recordamos aqui as palavras do próprio Jesus: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Jesus Ressuscitado garante que “a vida é a luz dos seres humanos” (Jo 1,4b). Assim, o círio pascal, que simboliza o Ressuscitado, é bento, aceso no “fogo novo” e conduzido em procissão para dentro da Igreja ainda às escuras, cantando por três vezes: Eis a luz de Cristo! Em seguida, é colocado fixo diante da assembléia. Os participantes são convidados a acenderem as suas velas, imitando aqueles servos de que fala o Evangelho (Lc 12,35-40), os quais esperam, vigilantes, “com as lâmpadas acesas”, o seu Senhor que os fará sentar à sua mesa. Esta parte se encerra cantando a Proclamação da Páscoa (o Precônio Pascal), o Exulte (do latim: Exultet), anunciando solenemente a vitória de Cristo. Não se sabe com certeza quando começou essa tradição litúrgica. Mas por volta do ano 384, já são encontradas referências a ela.

b) Liturgia da Palavra. Neste momento, são narrados os gestos maravilhosos que Deus realizou em favor do povo ao longo da história da humanidade, desde a Criação do mundo até o grande ato da “Nova Criação” conferida pela ressurreição de Cristo, início e primícias de um mundo novo. É uma verdadeira “passeada” pela Escritura e pelo Novo Testamento. Para nós, tudo isso é motivo de júbilo e de ação de graças. Ao cântico solene do Glória, pouco antes da proclamação do Evangelho, a Igreja escurecida torna-se, de repente, uma explosão de luz. Toda a assembléia canta alegre e vibrante, ao som dos instrumentos musicais e até do sino. Note-se que as várias leituras bíblicas são intercaladas por orações e aclamações, a última das quais é o canto do Aleluia pascal (do hebraico: hallelu-yah: louvem a Javé, adorem a Javé).

c) Liturgia Batismal. Se há batismo, entoa-se a “Ladainha” (do grego: litanéia: oração pública; e do latim: litania: oração breve e insistente, pedir insistentemente) dos Santos. O Cristianismo herdou da liturgia das sinagogas esta forma de rezar, repetindo a mesma frase várias vezes como se vê na Escritura (1Rs 18,39; Sl 136/135; 148; 150; Dn 3,52-90). A “ladainha dos santos” surgiu da “Oração dos fieis” (Séc. III), que constava duma lista de nomes de Santos, cuja memória era invocada por quem presidia a Missa. No início eram reverenciados os nomes de mártires, sobretudo os que testemunharam a fé em Roma. Com o tempo, a lista dos santos foi ampliada, tomando caráter de universalidade. A seguir, realiza-se a “bênção da água batismal”. O presidente da celebração mergulha o Círio pascal na água benta, para indicar que fomos sepultados na morte com Cristo e com ele ressuscitamos para a vida. Seguindo a bênção da água, passa-se para a “renovação das promessas do batismo”. Nos primeiros séculos da Igreja, era no Sábado Santo que se fazia o Batismo dos que, durante um bom tempo, tinham sido preparados para a admissão na comunidade. Os que já tinham abraçado a fé cristã, mas ainda estavam recebendo a catequese (do grego katechéo: derramar, verter para dentro de), chamavam-se catecúmenos (do grego kataskeuazómenoi: os iniciandos). Nessa noite de Vigília, eles recebiam as últimas instruções e ouviam com a comunidade leituras da Escritura, apropriadas para a circunstância. Para o Batismo, a água era abundantemente derramada sobre a cabeça dos novatos (do grego: neófitos: novas plantas; daí: iniciantes, novos, imaturos). Assim, se há batizandos, realiza-se o Sacramento do Batismo. E mesmo havendo batismo, é muito significativa a aspersão da água benta sobre toda a assembléia.

d) Liturgia Eucarística. Trata-se de uma celebração festiva, pois já se comemora a vitória sobre a morte: Jesus Ressuscitou! O Santíssimo que havia sido transladado pra um lugar preparado à parte, na Quinta-feira Santa, agora é trazido de volta para Tabernáculo na Igreja. Alimentando-nos do pão eucarístico que é Jesus, realimentamos as nossas forças e o nosso compromisso com a vida. Em muitos lugares, logo após a Celebração, o Santíssimo Sacramento é preparado para uma pequena procissão. De volta ao altar-mor, o presidente da Celebração abençoa todos os fiéis enquanto se canta o “Rainha dos Céus, alegrai-vos” (Regina Coeli, laetare), como se fosse um “parabéns” àquela que de “Senhora das Dores” transformou-se em “Senhora da Alegria”.

Ainda no que se refere ao “Tríduo Pascal”, é bom lembrar que não são três celebrações isoladas, ou três Missas, como a maioria das pessoas pensam e dizem. Notemos que a Celebração da Quinta-feira Santa começa com os “Ritos iniciais” e não conclui com os “Ritos finais”, apenas com a “Oração depois da comunhão” e com a “Transladação do Santíssimo”. A Celebração da Sexta-feira Santa, por sua vez, não é começada com os “Ritos iniciais” e nem terminada com os “Ritos finais”, mas apenas com a “Oração sobre o povo”, pois a Missa que começou na Quinta-feira, ainda continua. E no Sábado Santo, a Celebração também não começa com os “Ritos iniciais”, pois ainda é parte da Missa que deu início na Quinta-feira Santa. Aí, sim, concluída a Celebração da Vigília Pascal, o presidente da Missa vai encerrar o “Tríduo Pascal” com os “Ritos finais”. Podemos assim dizer que o “Tríduo Pascal” é uma grande Missa, uma “Missona”. O que a Igreja realiza de modo mais espichado no “Tríduo Pascal”, é realizado de modo mais breve nos Domingos comuns. Portanto, não é interessante “quebrar” a seqüência desta única Celebração pascal.


II. Páscoa da Ressurreição.

A Missa de Páscoa, no domingo, é a maior solenidade do ano. Até o século XI, era só nesse dia que os simples padres podiam cantar solenemente o “Glória a Deus nas alturas” (no latim: Gloria in excelsis Deo). Nesse momento do canto do Glória, como ainda hoje, novamente os sinos e o órgão irrompiam numa grande explosão de alegria. Cristo venceu a morte, também para nós existe a tranqüila garantia de vida e esperança.

Por isso, é muito importante que no Domingo pascal, a assembléia se reúna em torno de Cristo ressuscitado e presente no meio da comunidade. A tristeza, o desânimo e o medo, devem dar lugar à alegria e à esperança. Jesus venceu a morte para estar definitivamente junto e dentro de nós. Caso contrário, quem participa apenas da “Quinta-feira Santa”, ou só da “Sexta-feira Santa”, corre o risco de assimilar uma fé fracassada pela morte e de viver uma vida marcada pela resignação, pela alienação e inércia. É como se vivesse uma terrível e interminável Sexta-feira Santa, tanto na Igreja como na Sociedade. Para concluir, desejo a todos uma feliz e abençoada Páscoa.

domingo, 14 de março de 2010

NOVA EDIÇÃO DO LIVRO


Caros amigos e amigas, meus fiéis leitores e leitoras. Como sabem, no dia 28 próximo passado eu lancei o meu livro: "Conhecer e praticar a Palavra de Deus". Foi um sucesso! Já esgotou! Como a busca pelo livro ainda é grande, já viabilizei a segunda edição. Deverá estar pronto até o final deste mês.

Adquira o seu durante Semana Santa, ou na Secretaria Paroquial. Creio que será um ótimo presente de Páscoa, para você mesmo ou para alguém que você queira presentear. Dessa forma, será um presente para mim também, pois me servirá de incentivo, a fim de que eu venha a produzir tantos outros escritos.

Desde já, obrigado e fiquem com Deus.


Pe. Paulo Nunes

 
©2007 '' Por Elke di Barros