domingo, 4 de outubro de 2009

“UNGIU-ME PARA ANUNCIAR A BOA NOTÍCIA” (Lc 4,18)

Pe. Paulo Nunes de Araujo



“Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova a toda a humanidade. Quem crer e for batizado, será salvo” (Mc 16,15-16a; Cf. Mt 28,19). Com essas palavras de Jesus, inspirei-me a escrever este artigo, em vista do mês de outubro, o “mês missionário”. Tendo já em vista que o Dia Mundial das Comunicações a ser comemorado no dia 16/05/2010 traz como tema: “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”, mais uma vez faço uso deste poderoso veículo de comunicação para expor este meu escrito.

As atividades do mês de outubro atingem culminância no “Dia Mundial das Missões”, criado por Pio XI, chamado de “papa missionário”, em razão do seu enorme ardor evangelizador. Quanto a origem e evolução dessa data, temos algumas informações históricas. Conta-se que na Solenidade de Pentecostes de 1922, início do seu pontificado, Pio XI, num gesto surpreendente e profético, interrompeu sua homilia e, diante de um pasmo silêncio, tomou seu solidéu, fazendo-o passar entre a multidão de bispos, presbíteros e fiéis na Basílica de São Pedro, no Vaticano, enquanto pedia a toda a Igreja ajuda para as missões. Foi assim que, no mesmo ano, ele criou as Pontifícias Obras Missionárias (POM), recomendando-as como instrumento principal e oficial da Cooperação Missionária de toda a Igreja. Além de estimular a criação de novas frentes missionárias, Pio XI conferiu o Sacramento da Ordem Episcopal aos primeiros bispos indianos, em 1923. E no Ano Santo de 1925, promoveu uma vasta Exposição Missionária Mundial, que, depois, deu origem ao atual Museu Missionário do Vaticano.

No ano seguinte, a 28/02/1926, Pio XI publicou a Carta Encíclica Rerum Ecclesiae, sobre a história da Igreja e as missões, na qual reafirmou a importância dos objetivos missionários programados no início do seu pontificado e acentuou a estima dos apóstolos nativos (sacerdotes, religiosos e leigos), tanto que, nesse mesmo ano, foram Ordenados em Roma os seis primeiros bispos chineses. Também estimulou a disponibilidade missionária da Igreja que envia e da que é ajudada, destacando a responsabilidade da Igreja particular (Diocese) na evangelização universal. A motivação colocada por Pio XI na Encíclica, foi a gratidão pelo dom da fé (fidei donum), a qual deve levar o agradecido à prática da caridade, pois “não há caridade maior e mais perfeita do que arrancar os irmãos das trevas da superstição e iluminá-los com a verdadeira fé em Jesus Cristo” (nn. 20-21).

Ainda em 1926, Pio XI acatou e propôs “a instituição, em todo o mundo católico, de um dia de oração e ofertas em favor da evangelização dos povos, a ser celebrado em um mesmo dia em todas as dioceses, paróquias e instituições do mundo católico”. Por fim, vendo isso como “uma inspiração que vem do céu”, Pio XI aprovou, em 14 de abril de 1926, a celebração anual do “Dia Mundial das Missões”, estabelecendo-o no penúltimo domingo de outubro. Para este ano de 2009, o tema da Campanha Missionária sugerido pelas Pontifícias Obras Missionárias é: “Enviados para anunciar a Boa Nova” (Lc 4,18).

Após oitenta e três anos de caminhada, hoje no espírito do “Ano Sacerdotal”, percebo a urgência urgentíssima de assumirmos a nossa missão de “povo sacerdotal”, condição esta evocada já no nosso batismo (Cf. Ap 1,5b-6; 6,10; 1Pd 2,5.9; Ex 19,6), igualmente e sem distinção. É evidente que não estou descartando o sacerdócio ministerial. Mas o que eu quero é acentuar o fato de que somos todos chamados a sermos autênticos “discípulos missionários”, expressão que perpassa por todo o Documento de Aparecida.

A nossa ação missionária começa a acontecer no momento em que respondemos positivamente ao chamado de Jesus: “Sigam-me” (Mc 1,17; Cf. Mc 2,14; Mt 4,19; Lc 5,10b; 9,59). Neste aspecto, o Magistério eclesial nos orienta com clareza que “ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas as nações (Cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isso, todo discípulos é missionário, pois Jesus o faz partícipe da sua missão, ao mesmo tempo que o vincula a Ele, como amigo e irmão” (DA, n. 144). Face ao chamado de Jesus que diz: “Sigam-me”, os seus discípulos aprenderam duas coisas básicas: “por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre, foi Cristo quem os escolheu (Cf. 1Jo 4,10.19). E por outro lado, eles não foram convocados para algo (para purificar-se, aprender a Lei...), mas para Alguém, escolhidos para se vincularem intimamente à pessoa dele” (DA, n. 131; Cf. Mc 3,14).

Nesse aspecto, afirma Bento XVI: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Carta Encíclica Deus caritas est, n. 1; Cf. DA, n. 12). A partir daí formamos a comunidade-igreja (Cf. At 2,47b; 4,32; 5,14). E os membros de uma comunidade, pelo batismo, são todos chamados e consagrados (ungidos com óleo como Jesus, o Cristo (“o ungido”: Lc 4,18-22; Cf. Is 61,1-2; 2Cor 1,21), para uma missão. Ou seja, deixamos de ser apenas discípulos(as), para sermos apóstolos(as); deixamos de ser meros objetos de ação pastoral, para nos tornar participantes ativos de evangelização (Cf. Lc 6,13), servidores do Evangelho.

Na verdade, “discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda. Quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva” (DA, n. 146; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 172). Portanto, a comunidade é a fonte e o fundamento da missão, da vida e do crescimento da Igreja toda. Isto porque “a comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto de a comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão” (João Paulo II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Chritifideles Laici, 32; Cf. DA, n. 163; Doc. da CNBB, 87, nn. 48-59 e 152).

Sabemos que a missão primária e fundamental da Igreja é evangelizar. Mas é preciso “anunciar o Evangelho de maneira tal que garanta a relação entre a fé e a vida tanto na pessoa individual como no contexto sócio-cultural em que as pessoas vivem, atuam e se relacionam entre si” (DA, n. 331; Cf. Doc. da CNBB, 87, nn. 7-8). Trata-se do verdadeiro anúncio de Jesus e do seu Reino, “que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção integral e a autêntica libertação cristã” (DA, n. 146; Cf. Doc. da CNBB, 87, n. 6).

Este profético ensinamento do Magistério eclesial a respeito da “opção preferencial” ou incondicional pelos pobres é para nós de alta importância. Porque, atualmente, com o crescimento desenfreado de grupos pentecostalistas e pentecostalizantes, nota-se uma proposital, maldosa e clara tendência de desarticular a fé da vida, de desencarnar Jesus e o seu Evangelho. No entanto, “a vida no Espírito não nos fecha em intimidade cômoda e fechada, mas sim nos torna pessoas generosas e criativas, felizes no anúncio e no serviço missionário” (DA, n. 285). E mais ainda, a nossa fé “nos capacita a assumir a missão de Jesus Cristo de realizar, na história, o Reino de Deus, proclamando-o com nossas palavras e testemunhando-o em nossa vida” (Doc. da CNBB, 87, n. 2), a exemplo do próprio Jesus (Cf. Doc. da CNBB, 87, nn. 5 e 54).

Diante disso, podemos afirmar que, além de evangelizar, a Igreja também precisa ser evangelizada. Ela deve desenvolver a sua missão evangelizadora com humildade e com um diálogo aberto, sincero e positivo. E nesse diálogo, a Igreja é desafiada a comunicar bem, com uma linguagem fácil, atraente, contagiante e rica em símbolos, procurando fazer com que o Evangelho se encarne de fato na realidade, na história, na vida das pessoas. Para isso, precisamos usar de todos os “meios e processos de comunicação que visem uma ação evangelizadora que comprometa os cristãos com o seguimento de Jesus Cristo”, segundo o objetivo da XIX Semana teológica (Comunicação e Evangelização), realizada pela UCDB, Campo Grande, MS, de 21-25/09/2009. Porque de fato, na boca de muitos pregadores, a mensagem não passa, não convence, não contagia, não muda a vida. Porque a mensagem acaba ficando carente de força necessária, de profetismo.

Em nosso contexto atual, inúmeros são os desafios à evangelização, como o aumento populacional, as enormes extensões territoriais, a escassez de evangelizadores, a indiferença religiosa, a falta de apoio afetivo e encorajador de muitos pastores, a secularização, o relativismo de valores, as perseguições e ataques até violentos aos anunciadores do Evangelho, entre tantos outros. Face a essa difícil realidade, o Magistério eclesial nos lança algumas luzes, que nos reacendem novo ardor, como por exemplo:

a) “A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias da vida. (...). Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo” (DA, n. 11);

b) “Não temos outro tesouro a não ser este (Jesus). Não temos outra felicidade nem outra prioridade senão a de sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante as dificuldades e resistências” (DA, n. 14);

c) “Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é ameaça para o homem, que Ele está perto com o seu poder salvador e libertador de seu Reino, que ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas” (DA, n. 30).

Posto isto, a Igreja na América Latina e no Caribe está convocada a colocar-se em “estado permanente de missão” (DA, n. 551). Porque “só uma Igreja missionária e evangelizadora experimenta a fecundidade e a alegria de quem realmente realiza a sua vocação” (Doc. da CNBB, 87, n. 210). Assim, ninguém deve isentar-se dessa proposta, muito especialmente os fiéis “leigos”, os quais de fato “realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo de Cristão na Igreja e no mundo” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 31). Realmente, “a evangelização do Continente não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fiéis leigos” (João Paulo II. Exortação Apostólica Ecclesia in America, n. 44). O anúncio de Jesus e do seu Reino, indiscutivelmente, é missão de todos nós, povo sacerdotal.

Essa responsabilidade que recai sobre nós batizados, indistintamente, não pode ser vista como algo enfadonho, esmorecedor, desagregador. Seguramente, o desejo da Igreja é que a caminhada das comunidades se faça de forma ordenada evitando-se abusos, discriminações, arbítrios, etc.. Pois tal era o senso de co-responsabilidade reinante entre os cristãos do primeiro século: “de fato, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias” (At 15,28). Assim, precisamos fazer valer sempre uma sincera caridade pastoral.

Para concluir, lembrando que este é também o “Mês do Rosário”, peço a Deus que nos abençoe e que a Virgem do Rosário, “Maria, Mãe do Senhor, primeira evangelizada e primeira evangelizadora, nos inspire com seu exemplo de fidelidade e disponibilidade incondicional ao Reino de Deus e nos acompanhe com sua materna intercessão” (Doc. da CNBB, 87, n. 216). E que Santa Terezinha do Menino Jesus, a “padroeira das missões”, nos leve a seguir fielmente o exemplo de Jesus que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45). Nessa caminhada, rezemos junto a “Oração Missionária 2009”: “Deus, Pai de toda a humanidade: ouvi o clamor dos Vossos filhos. Enviai-nos aonde nada mais existe, senão a dor e a incerteza. Dai-nos as mãos de Marta e o coração de Maria, para que sejamos Boa-Notícia para os povos. Maria, Mãe da Igreja, intercedei por nós! Amém”.

 
©2007 '' Por Elke di Barros