sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

"O SENHOR ABENÇOA SEU POVO NA PAZ" (Sl 29/28,11b)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e tenha misericórdia de ti! O Senhor dirija para ti o seu rosto e te conceda a paz!” (Nm 6,24-26).

Com estas palavras tiradas da primeira leitura da Missa deste primeiro dia do ano civil, ainda dentro do “ciclo do Natal”, propus-me a escrever este escrito, a intento do “Dia mundial da paz”. Historicamente, este “dia” foi instituído pelo papa Paulo VI, em 1968, fixando o 1º de janeiro para toda a Igreja Católica, com o objetivo de rezar para que a humanidade encontre o caminho da justiça e da paz, a fim de que todos os povos abandonem as armas e reconheçam e vivam como irmãos. Nesta mesma ocasião, comemora-se também o “Dia da Fraternidade Universal”. Aqui no Brasil, esta data foi instituída pela lei n. 108, de 29/10/1935.

Para este ano de 2010, já na 41ª edição do “Dia mundial da paz”, Bento XVI lançou uma mensagem intitulada: “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”. Eis aí o nosso desafio!

Na abordagem sobre “a realidade que nos interpela”, o Magistério eclesial brasileiro ao tratar da “situação sociopolítica” nas “Diretrizes Gerais” ainda em vigor, faz ecoar o clamor de todo o povo que pede justiça e paz, diante de tanta violência: “Preocupa-nos, como construtores da paz, que a vida social em convivência harmônica e pacífica está se deteriorando gravemente em nosso país pelo crescimento da violência, que banaliza a vida (...). A violência se reveste de várias formas e tem vários agentes (...). Suas causas são múltiplas e interdependentes, expressões diversas da ausência de Deus no coração de muitas pessoas” (Doc. da CNBB, 87, n. 35). Daí a pertinente provocação: “Diante de tudo isso, nós, cristãos, não podemos nos calar” (Ibidem).

No Documento de Aparecida, o Magistério eclesial veementemente denunciou que “a vida social em convivência harmônica e pacífica está se deteriorando gravemente em muitos países da América Latina e do Caribe pelo crescimento da violência, que se manifesta em roubos, assaltos, seqüestros, e o que é mais grave, em assassinatos que a cada dia destroem mais vidas humanas e enchem de dor as famílias e a sociedade inteira. A violência se reveste de várias formas e tem diversos agentes: o crime organizado e o narcotráfico, grupos paramilitares, violência comum sobretudo na periferia das grandes cidades, violência de grupos de jovens e crescente violência intra-familiar. Suas causas são múltiplas: a idolatria pelo dinheiro, o avanço de uma ideologia individualista e utilitarista, a falta de respeito pela dignidade de cada pessoa, a deterioração do tecido social, a corrupção inclusive nas forças de ordem e a falta de políticas públicas de equidade social” (DA, n. 78). No entanto, eu penso que a causa originária e fundamental de toda essa brutalidade é “a idolatria pelo dinheiro”.

Assim sendo, não dá para escamotear o assustador “crescimento da violência” e que ela “se reveste de várias formas e tem vários agentes”. Tomando um dado bem concreto e atual, “a Fides, agência do Vaticano para o mundo missionário, revelou que 37 agentes pastorais foram assassinados enquanto desempenhavam a sua missão nos cinco continentes, no ano de 2009. O número é praticamente o dobro em relação a 2008 (20) e o mais alto na última década” (Cf. REVISTA MISSÕES. Disponível em: <clique aqui>. Acesso em: 31 dez. 2009).

Dentre esses trinta e sete assassinatos, seis ocorreram aqui no Brasil, o que dentro do total, é um número bastante alarmante. São dados que o povo nem toma conhecimento, como se fosse algo banal. Portanto, eis os nomes dos nossos mais recentes mártires, os quais no esforço pela paz, foram vitimados exatamente por falta dela: Pe. Ramiro Ludeña, espanhol, assassinado a 20/03, no Recife; Pe. Gisley Azevedo Gomes, encontrado sem vida a 16/06, próximo de Brasília; Pe. Ruggero Ruvoletto, italiano, assassinado a 19/09, em Manaus; Pe. Evaldo Martiol, assassinado a 26/09, em Santa Catarina; Pe. Hidalberto Henrique Guimarães, assassinado a 7/11, em Maceió; Pe. Alvino Broering, assassinado a 14/12, em Santa Catarina, Brasil.

Em face disso, justificável foi o profético comentário da Claudina Azevedo Maximiano, fma, assessora diocesana da PJ, São Gabriel da Cachoeira, AM, intitulado “A dor que lateja e fere o povo...”. Disse ela: “A vida desses nossos irmãos e irmãs ceifados pela violência, reflete a precariedade das relações existentes na humanidade. A violência e a injustiça não são algo do agora da humanidade, como sabemos. Porém, para mim, parece que estamos vivendo como humanidade um retrocesso. Parece que não aprendemos, até então, que precisamos instaurar um tempo novo, onde as relações sejam pautadas em princípios fundamentais para vida no planeta: justiça, solidariedade, amor, respeito e fé. A morte desses nossos irmãos e irmãs é o sinal de que precisamos continuar a anunciar a vida e lutar pela justiça, mesmo que isso nos custe sangue e lágrimas”.

Quando ela fala que “precisamos instaurar um tempo novo”, marcado por situações que possam garantir a “vida no planeta”, isto vai perfeitamente ao encontro do pensamento de Bento XVI, ao dizer que “quando o homem não é visto na integridade da sua vocação e não se respeitam as exigências duma verdadeira ‘ecologia humana’, desencadeiam-se também as dinâmicas perversas da pobreza, como é evidente em alguns âmbitos sobre os quais passo a deter brevemente a minha atenção” (Mensagem para a celebração do Dia mundial da paz, 1º/01/2010, n. 2b). Porque, segundo o pontífice, “a pobreza encontra-se frequentemente entre os fatores que favorecem ou agravam os conflitos, mesmo os conflitos armados” (Ibidem, n. 1).

Se a pobreza crescente é uma das causas dos conflitos que atentam “a vida no planeta”, realmente devemos nos convencer que “combater a pobreza é construir a paz”. Assim sendo, não há outra saída para a construção desse “tempo novo” sem uma luta decidida contra a pobreza e a efetivação de uma solidariedade cósmica e ecológica, pois “uma das estradas mestras para construir a paz é uma globalização que tenha em vista os interesses da grande família humana” (Mensagem para a celebração do Dia mundial da paz, n. 8). E isso exige incondicionalmente “colocar os pobres em primeiro lugar” (Ibidem, n. 12). Porque “os pobres pedem o direito de participar no usufruto dos bens materiais e de fazer render a sua capacidade de trabalho, criando assim um mundo mais justo e mais próspero para todos” (Ibidem, n. 14).

Sabemos que Deus criou o Universo e destinou-o aos seres humanos “como espaço para a vida e a convivência de todos seus filhos e filhas (...). Nossa ‘irmã a mãe terra’ é nossa casa comum” (DA, n. 125). E, sem dúvida, devemos pensar não somente, como egoístas, no momento presente, pois “o Senhor entregou o mundo para todos, para os das gerações presentes e futuras” (DA, n. 126). E essa consciência deve ser assumida por todos nós, como “profetas da vida”, considerando que a natureza é “uma herança gratuita que recebemos para proteger, como espaço precioso da convivência humana e como responsabilidade cuidadosa do senhorio do homem para o bem de todos” (DA, n. 471).

Diante desta situação, o Magistério eclesial oferece algumas propostas e orientações (Cf. DA, nn. 474-475): a) Evangelizar nossos povos para descubram o dom da criação, sabendo contempla-la e cuidar dela como casa de todos os seres vivos e matriz da vida do planeta; b) Aprofundar a presença pastoral nas populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento predatório e apoiá-las em seus esforços para conseguir uma eqüitativa distribuição da terra, da água e dos espaços urbanos; c) Procurar um modelo de desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamente no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens; d) Empenhar nossos esforços na promulgação de políticas públicas e participações cidadãs que garantam a proteção, conservação e restauração da natureza; e) Determinar medidas de monitoramento e de controle social sobre a aplicação dos padrões ambientais internacionais nos países; f) Criar nas Américas consciência sobre a importância da Amazônia para toda a humanidade.

Por aí vemos que definitivamente não temos outra saída para que a vida e a harmonia, em todos os âmbitos (igreja, família, clero, sociedade civil...) melhor se realizem. Portanto, “urge educar para a paz” (DA, n. 541). Porque “a paz é um bem valioso, mas precário que todos devemos cuidar, educar e promover em nosso continente. Como sabemos, a paz não se reduz à ausência de guerras, nem à exclusão de armas nucleares em nosso espaço comum. Estas são conquistas já significativas, mas devemos promover a geração de uma “cultura de paz” que seja fruto de um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e respeitoso da criação e que nos permita enfrentar conjuntamente os ataques do narcotráfico e do consumo de drogas, do terrorismo e das muitas formas de violência que hoje imperam em nossa sociedade. A Igreja, sacramento de reconciliação e de paz, deseja que os discípulos e missionários de Cristo sejam também, ali mesmo onde se encontrem, “construtores de paz” entre os povos e nações de nosso Continente. A Igreja é chamada a ser uma escola permanente de verdade e de justiça, de perdão e de reconciliação para construir uma paz autêntica” (DA, n. 542).

E nós, imbuídos do Evangelho de Jesus e comprometidos com a obra evangelizadora da Igreja, devemos assumir esta ingente verdade, que “a radicalidade da violência só se resolve com a radicalidade do amor redentor” (DA, n. 543). Porém, de modo reiterado digo que o empenho pela construção da paz não se prende somente aos cristãos, mas a toda a humanidade, pois é bem verdade que “no mundo plural no qual hoje vivemos, a acolhida, o diálogo, a convivência pacífica e a cooperação são exigências fundamentais para toda a humanidade. Judeus, Cristãos, Muçulmanos, Budistas, Hindus, tradições Afro-descendentes e pessoas de tantas outras expressões religiosas e culturais, cada uma com suas peculiaridades na forma e no conteúdo, podemos nos sentir irmanados na construção de um mundo de justiça, paz e liberdade para todos” (Posicionamento da CNBB a favor das iniciativas que promovem a paz entre pessoas, povos, culturas, igrejas e religiões, 01/01/2010). Isto vem confirmar aquele desafio proposto por Bento XVI: “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”, pois a nossa “irmã a mãe terra” é nossa casa comum onde, inclusive, o “Príncipe da paz”, Jesus, veio estabelecer sua morada.

À guisa de conclusão, irmanemos-nos todos nessa mesma causa, cientes que “o fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça constituirá na tranqüilidade e na segurança para sempre” (Is 32,17). Fora dessa lógica, é evidente que “para os maus não há paz” (Is 48,22). E como nesta ocasião também celebramos a solenidade de “Maria, Mãe de Deus”, peço-lhe que nos abençoe, seguros de que ela “como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos” (DA, n. 267). Agora, fazendo jus ao tema da Mensagem papal, deixo aqui um lindo Poema intitulado “Nossa Senhora do Carmo e o ecológico pantanal”, composto por José Zuza, homem simples, poeta pantaneiro e grande amigo do meu falecido pai Melchíades.

Nossa Senhora do Carmo,
Oh! Mãe celestial,
Ah! Rainha clemente,
Oh! Mãe Universal.
Proteja a nossa família
e o povo do Pantanal

Nossa Senhora do Carmo
Protetora do Pantanal.
Este refúgio ecológico
É um símbolo ambiental.
Proteja os seres humanos
Proteja o animal.

Nossa Senhora do Carmo,
onde está o peixe do rio?
O cerrado está queimando,
e o Pantanal está vazio.
Cadê os frutos da flora?
Tudo está desaparecendo por causa do tempo estio.

Nossa Senhora do Carmo
é a nossa Padroeira.
Mãe do povo mirandense,
da família pantaneira.
Traga a paz para o MS,
e para a Pátria brasileira.

Adeus, Pantanal
Morada do tuiuiú.
Naquela bela lagoa
Com sua água azul,
Uma estrela ecológica
No Mato Grosso do Sul.

Assim sendo, só posso finalizar este artigo desejando Shalom a todos e ao meu lindo pantanal sul-matogrossense, obra maravilhosa que Deus criou para nós.

 
©2007 '' Por Elke di Barros