quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"NASCEU PARA VÓS UM SALVADOR" (Lc 2,11)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2,11-12). Com estas palavras do anjo aos pastores, tiradas do Evangelho da Missa da Vigília de Natal, inspirei-me a escrever este artigo sobre o "Natal de Jesus".

Frequentemente o povo pergunta qual o dia e o mês em que Jesus nasceu. Para nós, cristãos, a única fonte escriturística que temos são os Evangelhos. Porém, nos relatos bíblicos não encontramos nenhuma referência datal a respeito do nascimento de Jesus, pois os Evangelhos não são crônicas ou narrações biográficas minuciosas a respeito dele. Os Evangelhos trazem, sim, a experiência de fé dos cristãos do primeiro século baseada no Cristo Ressuscitado. Mas para falar do Senhor Glorioso, é necessário pensar no mesmo Jesus de Nazaré que um dia nasceu. Vemos aí uma perfeita relação de continuidade entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Desta feita, sobre o nascimento de Jesus sabemos muito pouco.

No entanto, o que vale para nós cristãos, é que o Natal é a comemoração e a celebração da maior expressão do amor de Deus por nós; do dia em que Deus nasceu no mundo, trazendo paz, luz, amor, esperança, uma nova aliança, enfim uma nova vida. Segundo o Evangelho, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, “nasceu em Belém” (Cf. Mt 2,1; Lc 2,6), no meio dos pobres e marginalizados, “colocado na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7b). Com isso, o Verbo encarnado mistura-se a toda a humanidade, oferecendo-lhe a presença e a reconciliação de Deus.

A respeito deste acontecimento e data, há muitas discussões e tradições herdadas do passado. A razão é que naquela época os calendários eram muito confusos. No primeiro calendário romano, por exemplo, que era um calendário lunar, o ano tinha apenas 10 meses de 30 ou 31 dias, que totalizavam 304 dias e os demais 61 dias que coincidiam com o inverno não entravam no calendário havendo pouco interesse de acompanhamento temporal neste período do ano. Por volta de 713 a.C., deu-se a primeira reforma deste calendário, onde foram reduzidos os meses de 30 dias para 29 dias e adicionados os meses de Janeiro (29 dias) e Fevereiro (28 dias), transformando-o em um calendário luni-solar, num total 355 dias. Assim, pela dificuldade de se fazer registros históricos da época, o povo em geral não conhecia e nem se lembrava das datas de nascimento, de casamento ou de falecimento.

Por isso, as comunidades cristãs do primeiro século não comemoravam o nascimento de Jesus. Os Evangelhos apenas nos informam que Jesus nasceu antes da morte de “Herodes, rei da Judéia” (Lc 1,5; Cf. Mt 2,1), o qual faleceu na primavera de 750 da era romana, ou seja, no ano 4 a. C.. Assim sendo, conforme os estudiosos, o ano mais provável do nascimento de Jesus seria o 7º ou o 6º ano antes da era cristã. Sobre a definição do dia 25 de dezembro, temos alguns dados extraordinários.

Os Celtas (povo originário da região sudoeste da Alemanha, leste do Reno, no fim do período do Bronze I [2500-1900 a.C.] e que espalhou-se pela Europa entre os séculos VI a I a.C., quando sofreu a dominação do Império romano), por exemplo, tratavam o Solstício do Inverno (quando a luz solar incide com maior intensidade sobre o hemisfério norte) como um momento extremamente importante em suas vidas. Percebendo eles que o inverno ia chegar, com longas noites de frio, e muitas vezes com poucos gêneros alimentícios e rações para si e para os animais, e sem saberem se ficariam vivos até a próxima estação, faziam então um grande banquete de despedida no dia 25 de dezembro. Seguiam-se 12 dias de festas, terminando no dia 6 de Janeiro, data que para nós, cristãos, coincide com a festa da “Epifania do Senhor”.

Em Roma, o Solstício do Inverno também era celebrado muitos séculos antes do nascimento de Jesus. Os romanos chamavam-no de Saturnálias (Férias de Inverno), em homenagem a Saturno, o Deus da Agricultura, que permitia o descanso da terra durante o inverno.

Em 274 o Imperador romano Lúcio Domício Aureliano (270-275) proclamou o dia 25 de dezembro, como “Dies Natalis Invicti Solis” (Dia do Nascimento do Sol Inconquistável). O Sol começou a ser venerado. Buscava-se o seu calor que ficava no espaço muito acima do frio do inverno na Terra. O início do inverno passou a ser festejado como o dia do Deus Sol.

A partir daí, o Papa Júlio I (337-352) decretou, no ano 350, que o nascimento de Cristo deveria ser comemorado no dia 25 de Dezembro, substituindo a veneração ao Deus Sol pela adoração ao Salvador Jesus Cristo, "a luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem" (Jo 1,9). O nascimento de Cristo passou a ser comemorado no Solstício do Inverno em substituição às festividades do Dia do Nascimento do Sol Inconquistável.

Para nós, habitantes do Hemisfério Sul, se considerarmos o Solstício do Inverno, não há razão real para comemorarmos o Natal do Senhor Jesus no dia 25 de dezembro. Porque nesta data vivemos os primeiros dias do verão e não do inverno. Porém, herdamos as tradições cristãs que vieram do Hemisfério Norte e isso nós respeitamos.

Assim sendo, o que profundamente nos interessa é celebrarmos este ato de amor maravilhoso de Deus. Um Deus que veio ao mundo e inaugurou uma nova vida entre nós. Este é o grande motivo da nossa festa. Até porque, natal sem Jesus não é natal.

Face a isso, o Magistério eclesial nos ensina que “a história da humanidade, história que Deus nunca abandona, transcorre sob seu olhar compassivo. Deus amou tanto nosso mundo que nos deu seu Filho. Ele anuncia a boa nova do Reino aos pobres e aos pecadores. Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas. Os cristãos são portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” (DA, n. 29).

A partir desse magnífico evento de amor que é o Natal de Jesus, o Magistério eclesial expressa também o seu grande anseio: “desejamos que a alegria que recebemos no encontro com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como o Filho de Deus encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos pelas adversidades; desejamos que a alegria da boa nova do Reino de Deus, de Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte, chegue a todos quantos jazem à beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (Cf. Lc 10,29-37; 18,25-43). A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e agoniado pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DA, n. 32).

Voltando agora ao texto de Lucas supracitado, podemos perceber dois dados importantes nas palavras do anjo aos pastores. Primeiro, o anúncio da “Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo” (Lc 2,10). De fato, a Boa Notícia mostra que o Menino que nasceu é o Salvador, porque trouxe a libertação e a salvação definitivas; expõe que ele é o Messias, porque é o ungido, o Cristo de Deus que veio estabelecer uma relação de justiça e amor entre nós; indica e que ele é o Senhor, porque derruba todos os obstáculos da nossa caminhada, conduzindo-nos com segurança dentro de um tempo novo.

Em segundo lugar, a emergente necessidade de uma intervenção direta de Deus para que o Messias/Cristo fosse identificado, através de um “sinal”, em razão das circunstâncias estranhas do seu nascimento: “vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2,12). Isto porque Jesus, filho de “José, que era descendente de Davi” (Lc 1,27), não nasceu num palácio real. Foi exatamente entre os deserdados da vida e para os sofredores e desprezados que nasceu “o Salvador, o Cristo, o Senhor”. Por isso, os pastores, figura tipo dos pobres e marginalizados da época, foram os primeiros missionários que receberam a responsabilidade de anunciarem a chegada de Jesus.

Também hoje, devemos saber identificar os ambientes e as realidades onde Jesus está concretamente presente, a fim de que o encontremos. Para nos ajudar nesse processo, o Magistério eclesial nos aponta alguns “lugares de encontro com Jesus Cristo”, a saber: “na Igreja” (DA, n. 246); “na Sagrada Escritura” (DA, n. 247); “na Sagrada Liturgia” (DA, n. 250), de modo privilegiado “na Eucaristia” (DA, n. 251); “no Sacramento da Reconciliação” (DA, n. 254); “na oração pessoal e comunitária” (DA, n. 255); “em meio a uma comunidade viva na fé e no amor fraterno” (DA, n. 256); e “de um modo especial, nos pobres, aflitos e enfermos (Cf. Mt 25,31-46)” (DA, n. 257).

No mundo de hoje, na correria da vida, quase não temos tempo para encontrarmo-nos com Jesus, para celebrarmos e vivermos esta “grande alegria”. Em vista disso, o papa Bento XVI muito bem asseverou: “Nós temos sempre pouco tempo, especialmente para o Senhor. Às vezes, não sabemos ou não queremos encontrá-lo. Mas Deus tem tempo para nós. Dá-nos seu tempo porque tem entrado na história com sua palavra e suas obras de salvação, para abri-la à eternidade e fazê-la história da aliança. O tempo é em si mesmo um sinal fundamental do amor de Deus: um presente que o ser humano pode valorizar, ou ao contrário, estragar; acolher seu significado, ou descuidar com superficialidade” (Notícias da CNBB, 02/12/2008).

Diante disso, vale à pena lembrar a canção: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (VANDRÉ, Geraldo. Pra não dizer que não falei das flores). Assim, empenhemo-nos, enquanto há tempo. Porque “quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos” (At 4,20). E “o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam é a Palavra, que é a Vida” (1Jo 1,1), isto é, o próprio Jesus.

Para concluir, peço que a Virgem Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, estrela da nova evangelização, primeira discípula e grande missionária do Pai nos abençoe e nos ajude a sermos verdadeiros proclamadores desta grande e boa notícia: “nasceu para nós um Salvador que é o Messias, o Senhor”.

 
©2007 '' Por Elke di Barros