sábado, 24 de maio de 2008

"QUEM DIFUNDE CALÚNIA É SEM JUÍZO" (Pv 10,18)

Pe. Paulo Nunes de Araujo
“Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28). Com estes versículos que trazem o ensino de Jesus sobre a necessidade do amor e da gratuidade nas relações interpessoais, inspirei-me a escrever este artigo para, quem sabe, propiciar uma reflexão mais profunda.

No campo das relações humanas, a comunidade cristã só será justa e fraterna se as relações forem alterativas e gratuitas, à semelhança do amor misericordioso de Deus. Na tentativa de colaborar nesse processo cotidiano de reconciliação, de perdão e de verdadeira conversão, proponho como ponto de reflexão, um assunto bem concreto e lamentavelmente muito freqüente em nossas comunidades: o que fazer diante de um boato ou fofoca que ofende a honra de alguém, gerando mágoa e humilhação?

Vejo isso com muita preocupação, porque realmente vivemos atualmente numa sociedade marcada pelo que eu chamo de “mentalidade da fofoca” , que na verdade, é uma "mentalidade delinquente" ou ainda, vivemos numa “geração vampiro”, pois muitos vivem como que “sugando o sangue” dos outros. Basta vermos as inúmeras revistas, folhetos, “sites” na internet, programas de rádio e televisão que ganham muito dinheiro fazendo fofoca, falando mal da vida dos outros. E o pior é que todos nós estamos sujeitos a cairmos na mira dos fofoqueiros de plantão. Creio que só uma “boa educação” ajudará a reverter esta situação.

Em face da questão acima, sirvo-me de um exemplo veraz, algo que ocorreu com um amigo meu. Certo dia ele me procurou para conversar e disse-me que estava muito aborrecido porque o seu tio falou muito mal dele para a família e para os vizinhos. E não era verdade o que o tio havia dito. Por isso ele estava muito magoado, com o coração ferido. Ao final, me perguntou: Como cristão que sou o que eu devo fazer?

De fato, o que fazer quando alguém propaga uma mentira sobre o outro? No caso desse homem, o mentiroso era o tio. Foi fácil notar que ao falar mal do sobrinho, ele queria mesmo era chamar a atenção sobre si mesmo, por inveja. Após alguns minutos de conversa, o homem saiu aliviado, disposto a não deixar que os comentários maldosos do tio sobre ele lhe tirassem a serenidade interior. Afinal, a sua consciência estava tranqüila.

Porém, nem sempre é fácil perceber o motivo de um boato e, o pior, contornar suas terríveis conseqüências. A sábia historieta do confessor que mandou o seu penitente que havia falado mal de alguém esvaziar um saco de penas de cima de um prédio e depois sir pela cidade recolhendo-as todas de volta, esclarece bem o infortúnio da fofoca. É difícil repará-lo.

Dentro do âmbito religioso e cristão, o próprio Jesus previu que isso aconteceria na vida das comunidades. E nos ensinou três tentativas (Cf. Mt 18,15-20; Lc 17,3-4). Primeira: “Se o teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir, ganhaste o teu irmão” (Mt 18,15). Vemos aí que o diálogo derruba barreiras e preconceitos, nos ajuda a aceitar o outro como nosso próximo e nos leva a percebe os juízos e opções certos ou errados que fazemos no nosso dia a dia. Quanto mal poderia ser evitado, quanto bem poderia ser feito se ao invés de sairmos propalando os erros de alguém, nós o chamássemos para uma conversa amiga e fraterna!

Segunda: “Se ele não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda questão seja decidida” (Mt 18,16). Jesus nos ensina que há sempre uma nova chance, pois a justiça do Reino não se cansa. Feito isso, com o desejo de ajudar o irmão a corrigir-se, que bom! Não tem porque sair por aí dizendo que aquele irmão não tem jeito, não presta. E o pior, deixar dúvidas na cabeça dos outros sobre tal pessoa, comprometendo a sua honra.

Terceira: “Caso não lhes der ouvido, dizei-o à Igreja” (Mt 18,17). Não se trata aqui de um cerco contra o irmão que errou. É que a misericórdia do Reino tem por princípio fazer tudo para que o irmão não se perca. E a grande instância é a comunidade-igreja. Realmente, a comunidade de irmãos que assim procede, torna-se incontestavelmente “sacramento de salvação” (Lumen Gentium, n. 1; Doc. de Aparecida, n. 155), pois é a própria Trindade Divina quem nela age. Fora desses princípios, corremos o risco de pecarmos contra o 8° mandamento do Sinai: “Não apresentarás um testemunho mentiroso contra o teu próximo” (Ex 20,16).

Mas como todo cristão é também um cidadão, por essa razão, no campo civil, tem seus direitos garantidos pela Lei. Com a colaboração de alguns advogados amigos meus, aprendi que o Código Penal Brasileiro, no Capítulo V, trata “Dos crimes contra a honra”, a saber: a calúnia, a difamação e a injúria. Segundo o Código Penal, caluniar alguém é imputar-lhe falsamente fatos definidos como crime (Art. 138); difamar alguém é imputar-lhe fato ofensivo à sua reputação (Art. 139); e injuriar alguém é ofender-lhe a dignidade ou o decoro (Art. 140). E para cada um desses delitos, há uma pena correspondente, incluindo reclusão e/ou multa.

Nesse aspecto, ciente do Direito Romano e como bom “jurista”, Jesus ensina aos “bem aventurados” o verdadeiro espírito do novo Reino, expondo no “sermão da montanha”, não um código de leis positivas, mas “propostas de felicidade”. Se no passado foi dito: “Não matarás” (Ex 20,13), pois “aquele que matar terá de responder no tribunal” (Mt 5,21), agora diz Jesus que qualquer ofensa pessoal: “ficar com raiva do seu irmão”, “chamar o irmão de cretino, de idiota” (Mt 5,22), leva o ofensor a tornar-se réu igualmente. Porque também se “mata” com a língua, como sugere o apóstolo: “a língua é um mal irrequieto e está cheia de veneno mortífero” (Tg 3,8; Cf. Jr 9,4; 2Tm 3,1-5a; Pv 16,28). E isso não é digno de um “felizardo do Reino”.

Segundo aqueles advogados, para que os referidos crimes tomem forma, é preciso seguir este trâmite normal: que sejam notoriamente comprovados, mediante duas ou mais testemunhas; e que a queixa seja registrada na polícia através de um Boletim de Ocorrência. Pois zelar por sua dignidade e integridade é um direito do cidadão. Porém, sempre se recomenda a tolerância, o bom senso, o diálogo, a fim de que a questão seja sanada de outro modo e com tranqüilidade.

Mas seja no âmbito religioso ou no âmbito civil, vemos que é urgente fazermos todo o possível para cortar pela raiz o terrível mal da fofoca (ou melhor, da calúnia, da difamação e da injúria). Precisamos criar ambientes seguros e saudáveis, pois sabemos que “as más companhias corrompem os bons costumes” (1Cor 15,33) e que, infelizmente, existem aqueles que, mesmo estando ao lado, são ímpios e maus, porque “com a injustiça sufocam a verdade” (Rm 1,18). Por isso, diante da intrépida pregação de Pedro, seus ouvintes, aflitos, perguntaram sobre o que deveriam fazer dali em diante, ao que ele respondeu com firmeza: “Arrependei-vos...” e “Livrai-vos dessa gente corrompida” (At 2,40b).

Para concluir, proponho que em nossas relações usemos sempre o bom senso, a inteligência, a prudência e a misericórdia. E recordo aqui três critérios ensinados pelos “Santos Padres da Igreja”, da época Patrística (Séc. IV), os quais deveriam orientar nossos comentários sobre o próximo. São eles: a verdade, a bondade e a necessidade. Se você tiver algo a dizer sobre alguém, verifique antes se é verdade. Porque suposições, “achismos”, “ouvi dizer” não são critérios inteligentes. Depois, veja se é bom, se é construtivo, se vai produzir algo de benigno para tal pessoa. Por fim, verifique se é necessário, se é urgente, se é essencial e indispensável, se vale à pena. Com isso, não sendo verdadeiro, nem bom e nem necessário... boca fechada!

O renomado professor Luis Marins numa de suas palestras ensina que “se não for para falar bem, não fale mal dos outros”, como uma das grandes exigências para se manter o entusiasmo, a alegria de viver. Então, “não faleis mal uns dos outros, irmãos” (Tg 4,11a). Mas enquanto esse sonho vai se realizando, fiquemos com a orientação do apóstolo: “tal é a vontade de Deus, que, fazendo o bem, tapeis a boca dos insensatos e ignorantes” (1Pd 2,15).



Pe. Paulo Nunes de Araujo

 
©2007 '' Por Elke di Barros