domingo, 10 de maio de 2009

"FUI FILHO DO MEU PAI E AMADO TERNAMENTE POR MINHA MÃE" (Pr 4,3)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


“Pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas?” (Is 49,15a). Com esse belo poema, o Dêutero-Isaías, profeta do exílio babilônico (cerca de 550 a.C.), dirige-se a Sião (Jerusalém), apresentada aqui na figura de mulher-esposa. Como mãe abandonada pelo marido, indefesa, ela não pôde proteger os seus filhos; o inimigo os levou como prisioneiros de guerra, e ela ficou desamparada. Esta imagem de Jerusalém esposa-mãe, bem serviu para orientar este meu artigo a respeito do “Dia das mães”.

O “Dia das Mães” tem sua origem na mais remota mitologia grega. Conta-se que na Grécia Antiga, constumava-se celebrar uma grande festa em honra a Rhea, mãe de Zeus e esposa de Kronos, no início da primavera, período em que a primavera renasce, se revitaliza.

Com o passar dos séculos, hoje em dia, em muitos países do mundo, como os Estados Unidos, Brasil, Dinamarca, Finlândia, Japão, Turquia, Itália, Austrália e Bélgica o “Dia das Mães” é comemorado no segundo domingo de maio. Aqui no Brasil, foi a Associação de Moços de Porto Alegre quem deu início a estas comemorações, em 1918. Mas só em 1932, o então presidente da República Getúlio Vargas oficializou para todo o país o segundo domingo de maio como o “Dia das Mães”.

Sei que é muito incômodo par um homem falar do tema da mulher e mãe. No entanto, diante desta ocasião tão especial, eu não poderia deixar de contribuir com uma reflexão, mesmo que breve, a este propósito, pois penso que sobre a “mulher-mãe”, falem as mulheres. Porque o que no mínimo eu posso e devo fazer é denunciar o machismo vigente que ao longo dos séculos acabou desigualando a quem Deus criou com tamanha ternura para viverem juntos, em companhia de amor.

Por isso, além de denunciar, é preciso destruir esta “mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo” (DA, n. 453) e que tenta desobrigar a figura do pai em relação à mãe. Porque assim foi desde o início quando “Deus criou o homem e a mulher à sua imagem, os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos’” (Gn 1,27-28). Desta feita, o dom da fecundidade coloca igualmente o homem e a mulher como sujeitos ativos da paternidade-maternidade. O homem não é pai sozinho, nem a mulher sozinha torna-se mãe.

No momento atual, a mulher-mãe, a partir da sua luta pela igualdade sexual, deve apagar todos os mitos que construíram sobre ela, pois a mulher foi mistificada, ludibriada. E eu indico aqui dois mitos que ainda hoje pesam sobre a mulher-mãe. O primeiro, é o da “mulher dona de casa”. Neste aspecto, a mulher-mãe é tida como “a senhora, a rainha do lar”. Por outro lado, o homem é o “rei do mundo”. Porém, como o mundo está dentro de casa, o homem acaba “reinando” também aí. A casa é uma habitação escancarada, todos entram e saem, vão trabalhar, passear, etc.. Com isso, a televisão e a internet invadem. Por conseqüência, a “rainha do lar” acaba tornando-se a rainha do nada, porque o lar está dominado pelo mundo e o mundo pelo homem. Mas o mito exige que ela seja uma perfeita dona de casa; tem que trazer tudo preparado para o marido-homem. Isso é uma enganação, porque o homem deve ser também o “senhor do lar”. Então, por que só a mulher tem que passar roupa, fazer comida, cuidar dos filhos e tantas outras coisas? Por que não também o homem? Face a tantas justificativas que se tentou dar ao longo dos séculos, todas inaceitáveis, podemos concluir que, de fato, o único motivo que fecha a mulher no lar é o machismo. Portanto, esse primeiro grande mito deve ser aniquilado.

O segundo mito é o da “mulher educadora dos filhos”. Por que só a mulher-mãe deve educar os filhos? Por que não também o homem-pai? Atualmente é muito comum a existência de casais que, enquanto a mulher ainda está no trabalho, o homem chega em casa, dá banho nas crianças, troca as fraldas e lhes dá de comer. O fato de os dois trabalharem fora é muito importante, porque um dá confiança ao outro. O homem se sente apoiado na mulher e ela nele. Desse modo, igualmente os dois compartilham a educação dos filhos e o trabalho da casa. Mas a sociedade atual é uma sociedade sem a figura do pai ou do pai ausente. Isso acarretou a desestabilização da família tradicional. Os filhos e as filhas geralmente não têm o pai dentro de casa e, conseqüentemente, ficam privados da presença paterna na educação. São filhos e filhas sem pai.

Esta situação leva à patologia, pois a mulher-mãe é uma parte apenas; a outra parte é o homem-pai, e este deve estar presente na educação dos filhos como presença masculina, não machista. Porque, segundo muitos psicólogos, o pai é uma referência importante de masculinidade, embora a construção da masculinidade também é transmitida pelas mães, a partir do modo como elas percebem a masculinidade. Assim, não é apenas a mulher-mãe a “dona da casa”, mas o casal, e nem tampouco somente a mulher-mãe a “educadora dos filhos”, mas os dois, pai e mãe juntos. É claro que tantos fatores hoje levam filhos e filhas a crescerem na presença somente do pai ou somente da mãe.

Por isso, não dá para ignorar, tristemente, que o número de separações e divórcios cresce galopantemente a cada dia. Para se ter uma idéia, em números absolutos, os divórcios concedidos passaram de 30.847, em 1984, para 179.342 em 2007, um número 200% maior que o verificado em 1984. Somando separações e divórcios, houve 231.329 uniões desfeitas em 2007, ou seja, uma para cada quatro casamentos (Cf. Estatísticas do Registro Civil 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE).

Muitos pesquisadores dessa situação (psicólogos, sociólogos) afirmam que o aumento tanto das separações como dos divórcios é explicado não só pela mudança de comportamento na sociedade brasileira. Mas também pela criação da Lei 11.441, de 04/01/2007, que desburocratizou os procedimentos de separações e de divórcios consensuais, permitindo aos cônjuges realizarem a dissolução do casamento, através de escritura pública, em qualquer tabelionato do país (Cf. (JARDIM, Idelina. Pesquisa: cresce a taxa de divórcio no Brasil. Jornal do Brasil, 04/12/08).

Quando o homem e a mulher, isto é, o pai e a mãe se realizam juntos na vida conjugal, os filhos não têm complexos, não padecem. Daí a importância da mulher-mãe se realizar tanto quanto o homem-pai em todos os aspectos da vida. Senão tentarão compensar nos filhos o seu fracasso. Os filhos devem ter a oportunidade de serem eles mesmos. O homem-pai não deve ser autoritário com os filhos, nem deve interferir no amor da mulher-mãe para com os filhos. Desse modo, “a partir de uma figura de pai bem realizada, a criança pode idealizar uma imagem benfazeja de Deus” (BOFF, Leonardo. O eclipse do pai, 27/08/2004).

Quando o homem-pai e a mulher-mãe se constroem juntos na vida conjugal, os filhos não padecem. Pois “é no seio da família que o ser humano aprende a ser verdadeiramente humano” (Texto-Base, CF 2008, n. 263). Daí a necessidade da mulher-mãe se realizar tanto quanto o homem-pai em todos os aspectos da vida. Do contrário, tentarão compensar nos filhos o seu fracasso. Os filhos devem ter a oportunidade de serem eles mesmos.

Em vista disso, proponho que nem o machismo nem o feminismo são alternativas, mas, sim a reciprocidade. Este relação sintonizada tem a vantagem de afirmar, desde a origem, a mútua abertura de um ao outro. Pois o homem-pai e a mulher-mãe são dois inteiros, mas inacabados e, sempre se fazendo cotidianamente, se encontram na atração mútua e na liberdade de entrega.

A esse respeito, o melhor exemplo de verdadeira harmonia conjugal é aquele conservado pelo evangelista Lucas na passagem conhecida como o “Reencontro de Jesus no Templo” (Lc 2,41-52). Neste episódio, Maria se apresenta inserida na sociedade da época, juntamente com José, seu esposo, (que) era justo” (Mt 1,19a). A aflição que havia tomado o coração da mãe e esposa não era somente dela, mas igualmente do seu marido José. De fato, Maria dirige-se a Jesus como mãe e mulher casada. Ela estava lá com o seu marido em busca do filho. A preocupação é do casal: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que o teu pai e eu, aflitos, te procurávamos” (Lc 2,48). Vemos aí a atuação direta e dinâmica do casal, Maria e José, um casal que sabia partilhar a dois a vida e os seus contratempos: preocupações, angústias, aflições, etc.

No entanto, infelizmente este ideal de harmonia conjugal no trato com os filhos está muito distante de ser realizado hoje em dia, mais do que em outras épocas. Porque segundo recente pesquisa realizada a partir da pergunta sobre quem mais pratica violência contra crianças, as respostas concluíram que é a mãe. Isto porque as mulheres, que são vítimas da violência do marido (a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil) reproduzem esta mesma agressão contra seus filhos (Cf. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 fev. 2009. Cad. C1). Face a isso, o Dêutero-Isaías conclui animadoramente aquele seu poema supramencionado: “Ainda que elas os esquecessem, eu não te esquecerei” (Is 49,15b). Porque o povo é criação de Deus e Deus o ama eternamente com amor de mãe e jamais se deslembrará de um filho sequer (Cf. Is 54,8; 66,13; Sl 27/26,10; Eclo 4,10; Os 11,3-4.8c).

Para concluir, fiquemos com a bênção de Deus Pai e a proteção da Mãe de Jesus, “Maria Santíssima, (que) é presença materna indispensável e decisiva na gestação de um povo de filhos e irmãos” (DA, n. 524), e que “como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos” (DA, n. 267). Com esse exemplo maior da Virgem Maria, nossa Mãe, só me resta dizer carinhosamente a todas as mães: “Feliz dia das mães!”

 
©2007 '' Por Elke di Barros