sábado, 2 de maio de 2009

“O MEU PAI TRABALHA SEMPRE E EU TAMBÉM TRABALHO" (Jo 5,17).

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Ontem celebramos o “Dia Mundial do Trabalhador”. Esse “Dia” foi criado a 14/07/1889, na cidade de Paris. Os socialistas franceses resolveram convocar para o essa data um congresso operário internacional, porque nessa ocasião se comemoraria o centenário da grande Revolução Francesa. Esse congresso operário e socialista internacional contou com a participação de 300 delegados, representando cerca de 20 países. Segundo notícias da época, este foi o congresso internacional mais representativo já realizado pelo movimento socialista até então. Aí ficou estabelecido o 1º de maio como o “Dia Mundial do Trabalhador”.

A data foi escolhida em homenagem à greve geral, que aconteceu a 1º de maio de 1886, em Chicago, o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época. Nesse dia, milhares de trabalhadores foram às ruas para protestar pacificamente contra as condições desumanas de trabalho a que eram submetidos e exigir a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias. No entanto, a polícia reprimiu duramente a greve, prendendo, ferindo e matando dezenas de operários.

A partir daí, o “1º de Maio” tornou-se de um dia de “luto” e de “luta”, não só pela redução da jornada de trabalho, mas também pela conquista de tantas outras reivindicações feitas por quem realmente produz a riqueza da sociedade.

Face a isso, em 1955, Pio XII instituiu o dia 1º de maio para “São José Operário, o trabalhador”, a fim oferecer a todos os trabalhadores e trabalhadoras do mundo um modelo e protetor e enaltecer a dignidade do trabalho humano. Porque José de Nazaré foi um homem exemplar: laborioso, honesto, fiel à palavra de Deus e obediente, virtudes que o Evangelho sintetiza em duas palavras: “homem justo” (Mt 1,19). João XXIII dizia que “os proletários e os operários têm como direito especial o de recorrer a São José e de procurar imitá-lo”.

Passados cento e vinte e três anos, a sociedade brasileira vive hoje em plena era da produção, na qual os trabalhadores e as trabalhadoras precisam enfrentar uma luta ferrenha para garantir um ínfimo necessário de bem-estar. Mas geralmente o salário que se percebe no final do mês é imposível para acudir as suas urgências mais essenciais. Isto é lamentável porque o “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado” para todos os trabalhadores e trabalhadoras, deve ser “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo” (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, Cap. II, Art. 7º, IV). Este compromisso referente ao sálário mínimo é muito grave, sobretudo porque a Constituição da República foi promulgada “sob a proteção de Deus” (Ibidem. Preâmbulo).

Inegavelmente, “o trabalho é uma atividade que produz bens destinados a serem consumidos para dar satisfação às necessidades. Está integrado à cadeia: necessidades, produção, consumo” (COMBLIN, José. O Tempo da Ação. Ensaio sobre o Espírito e a História. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 224).

Seguindo a esteira da Carta Encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII, sobre a condição dos operários, de 15/05/1891, o Magistério eclesial reafirma que “é mediante o trabalho que o homem deve procurar-se o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos (JOÃO PAULO II. Encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano. Preâmbulo).

Por isso, “em todo e qualquer sistema, independentemente das relações fundamentais existentes entre o capital e o trabalho, o salário, isto é, a remuneração do trabalho, permanece um meio concreto pelo qual a grande maioria dos homens pode ter acesso àqueles bens que estão destinados ao uso comum, quer se trate dos bens da natureza, quer dos bens que são fruto da produção. Uns e outros tornam-se acessíveis ao homem do trabalho graças ao salário, que ele recebe como remuneração do seu trabalho. Daqui vem que o justo salário se torna em todos os casos a verificação concreta da justiça de cada sistema sócio-econômico e, em qualquer hipótese, do seu justo funcionamento” (LE, n. 19).

Diante da atual realidade do trabalho, nos perguntamos: o trabalho automaticamente traz a felicidade e realização a todo ser que trabalha? O trabalho é realização existencial ou apenas uma satisfação de necessidades imediatas? Por que os menos favorecidos não podem participar dos bens de produção e dos confortos? Por que a globalização ou o mercado total não consegue incluir a todos? A recente crise econômica mundial é real ou forjada?

Quando se fala hoje em “mundialização do mercado” ou “globalização neoliberal”, não se deve pensar no trabalho apenas em âmbito individual, mas enquanto atividade coletiva, de toda sociedade humana, que se estrutura e se desenvolve graças à diversidade de atividades. Cada atividade deve ser considerada não só em si mesma, mas também em relação ao todo. Porque “a família humana, sobretudo devido ao aumento de múltiplos meios de comunicação entre as nações, vai-se descobrindo e organizando progressivamente como uma só comunidade espalhada pelo mundo inteiro” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 33). Assim sendo, todos devem ser incluídos no processo de geração de riquezas.

O Magistério eclesial também ensina que “melhorar as condições de vida, corresponde à vontade de Deus” (GS, n. 34); é serviço prestado à vida. Na verdade, “quando age, o homem não transforma apenas as coisas e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e eleva-se sobre si mesmo. Este desenvolvimento, bem compreendido, vale mais do que os bens externos que se possam conseguir. O homem vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem. Do mesmo modo, tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, mais fraternidade, uma organização mais humana das relações sociais, vale mais do que os progressos técnicos” (GS, n. 35).

Mais recentemente, o Magistério eclesial asseverou que “na beleza da criação, que é obra das mãos de Deus, resplandece o sentido do trabalho como participação de sua tarefa criadora e como serviço aos irmãos e irmãs. Jesus, “o carpinteiro” (Mc 6,3), dignificou o trabalho e o trabalhador e recorda que o trabalho não é um mero apêndice da vida, mas que constitui uma dimensão fundamental da existência do homem na terra, pela qual o homem e a mulher se realizam como seres humanos. O trabalho garante a dignidade e a liberdade do homem, e é provavelmente a chave essencial de toda a questão social” (DA, n. 120).

Frente a este aspecto, podemos falar de uma “espiritualidade cristã do trabalho”. Um dos documentos mais importantes do Magistério da Igreja que trata desse tema é a referida Encíclica Laborem Exercens, que chama a atenção para a contribuição do próprio Cristo como modelo, inspiração e espiritualização do mundo do trabalho. Pois Ele mesmo o exerceu silenciosamente no seu espaço familiar e social, usando-o como símbolo e conteúdo de pregação do Reino de Deus, e fazendo do próprio anúncio a sua experiência de trabalho. Também o apóstolo Paulo manteve o espírito de Jesus no seu modo de abordar a comunidade cristã do primeiro século, isto é, trabalho como meio de vida, como condição do exercício da caridade, como partilha e caminho concreto de profunda identificação com o próprio Deus (Cf. LE, n. 26).

Esta identificação com Deus se dá desde o início quando ao criar o homem e a mulher, o Criador os botou no seu jardim. Era este o sinal da familiaridade com Deus. E lá Deus os colocou “para que o cultivasse e guardasse” (Gn 2,15). Logo, “o trabalho não é uma penalidade, mas sim a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível” (Catecismo, n. 378).

Assim, o trabalho “define” o ser humano, mostra o seu ser, sua natureza como pessoa aberta ao mundo pela inteligência e pela liberdade, mas dentro de uma comunidade de pessoas. Deste modo, se revela o ser do homem como “imagem de Deus” (Cf. LE, n. 25).

O Documento de Medellín (1968) teve a preocupação de mostrar a primazia da dignidade do trabalho humano sobre o capital, a fim de que o ato de trabalhar seja mais do que uma atividade comum, mas tenha também um caráter celebrativo. E o Documento de Puebla (1979) assinala na mesma direção, dizendo que quem trabalha com reta consciência e amor da verdade e da justiça vê no seu trabalho uma doação de sua vida. Porque Cristo, “por sua solidariedade conosco, nos torna capazes de vivificar pelo amor nossa atividade e transformar nosso trabalho e nossa história em gesto litúrgico” (DP, n. 213).

Por isso, santificar o trabalho é dar glória a Deus por meio dele, como nos ensina o apóstolo Paulo: “Tudo o que vocês fizerem através de palavras ou ações, o façam em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus Pai por meio dele” (Cl 3,17).

Para concluir, lembremo-nos que foi na carpintaria de José que Jesus tornou-se um trabalhador incansável. Sabemos que trabalhar é preciso, pois “quem não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3,10). Portanto, peçamos a São José, o operário exemplar, que nos abençoe e a seu filho Jesus que nos dê coragem para a nossa luta e ânimo em nosso trabalho, a partir do seu próprio testemunho: “O meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17).

Oração pelos Trabalhadores

Ó Pai, nós vos louvamos porque vos revelastes como trabalhador, criando, conservando a criação, e chamando-nos para aperfeiçoá-la. Vosso Filho e nosso irmão Jesus também trabalhou com suas mãos na carpintaria de José, sentiu o cansaço do corpo e o suor do rosto. Nós vos agradecemos pelo trabalho que podemos realizar no campo e na cidade. Por ele ganhamos o pão para o nosso sustento e o de nossas famílias. Olhai, ó Pai, para todos que querem trabalhar e não podem. Olhai para os desempregados, os doentes, os idosos e os marginalizados. Nós vos pedimos por todos aqueles que criam possibilidades de trabalho. Não os deixeis cair na tentação da ganância, do lucro injusto e da exploração.

Fortalecei a solidariedade entre os trabalhadores e fazei que sejamos solidários com eles. Que nossos instrumentos de luta pela dignidade do trabalho ajudem a construir o bem de todos. Dai-nos compreender que nossos irmãos e irmãs trabalhadores mais sofridos formam o corpo crucificado do Senhor Jesus, que grita e quer ressuscitar na fraternidade e na liberdade. Lembre-nos sempre que pelo trabalho, ajudamos a construção do vosso Reino, que já começa aqui na terra. Tudo isso vos pedimos ó Pai, que trabalhais desde toda a eternidade, por vosso Filho e nosso irmão Trabalhador, e por intercessão de São José operário, na força do Espírito Santo. Amém.

 
©2007 '' Por Elke di Barros