quarta-feira, 13 de maio de 2009

"JUNTO COM MARIA, MÃE DE JESUS" (At 1,14)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Hoje, dia 13 de maio, a Igreja Católica, no mundo inteiro, presta especial devoção à Maria, Mãe de Jesus, sob o título de Nª Sª de Fátima, relembrando a primeira aparição da Virgem a três adolescentes, em 1917, na cidade de Fátima, Portugal. A mensagem por ela pronunciada pedia orações pela conversão das pessoas e pela paz no nosso planeta. Em razão desta memória, e por estarmos no “Mês de Maria”, inspirei-me a escrever este artigo, a fim de expressar a minha devoção particular a ela e, quem sabe, ajudar os meus leitores a despertar e fortalecer a sua fé em Jesus e a sua confiança na Mãe do Filho de Deus.

Para esta pequena abordagem, parto de uma questão essencial: o que é Maria na América Latina, no Brasil e em nossas comunidades? Esta é uma indagação pertinente, porque falar da América Latina, falar do Brasil, é falar de Maria. Para nós, cristãos-católicos, é certo que Maria, a Mãe de Jesus, é Mãe de todos os povos, de todas as raças e culturas. Inegavelmente, “Maria Santíssima é presença materna indispensável e decisiva na gestação de um povo de filhos e irmãos” (Documento de Aparecida, n. 524). É como proclamou eloqüentemente D. Hélder Câmara na “Invocação à Mariama”, na Missa dos Quilombos: “Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo e Mãe dos homens! Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da Terra”, ou ainda como bem expressou D. Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, MT, com um tom bastante poético, que a Virgem Maria quis ser “branca” em Fátima, “indígena” em Guadalupe e “negra” em Aparecida. Assim, em sua maternidade, Maria fez de todos os povos um único povo, o povo de filhos e filhas de Deus.

No entanto, a grande maioria dos estudiosos da Bíblia (exegetas) afirma que de Maria sabemos quase nada. A figura de Maria é ainda muito poética e sentimental, e nem sempre corresponde à realidade. Devemos falar de Maria a partir do Segundo Testamento e do que nos ensina a Igreja, através do seu Magistério, considerando a tradição e os dogmas.


1. O que nos ensina o Magistério eclesial?

Nesses tempos recentes, o Magistério da Igreja nos ensina que Maria “é saudada também como membro supereminente e de todo singular da Igreja, como seu tipo e modelo excelente na fé e caridade. E a Igreja Católica, instruída pelo Espírito Santo, honra-a com afeto de piedade filial como mãe amantíssima” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 52).

E na II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e caribenho, em 1968, foi dito que “em torno de Maria como Mãe da Igreja, que com seu patrocínio assistiu a este continente desde sua primeira evangelização, imploramos as luzes do Espírito Santo...” (Medellín. Discurso de abertura).

Novamente reunidos para a III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e caribenho, em 1979, os bispos disseram que “em nossos povos, o Evangelho tem sido anunciado, apresentando a Virgem Maria como sua realização mais alta. Como em Guadalupe, os outros santuários marianos do Continente são sinais do encontro da fé da Igreja com a história latino-americana. A devoção a Maria é um elemento ‘qualificador’ e ‘intrínseco’ da ‘genuína piedade da Igreja’ e do ‘culto cristão’. Sabe o povo que encontra Maria na Igreja Católica. A piedade Mariana é com freqüência o vínculo resistente que mantém fiéis à Igreja setores que carecem de atenção pastoral adequada. O povo fiel reconhece na Igreja a família que tem por mãe a Mãe de Deus. Na Igreja confirma o seu instinto evangélico segundo o qual Maria é o modelo perfeito do cristão, a imagem ideal da Igreja” (Documento de Puebla, nn. 282-285).

Outra vez reunidos para a IV Conferência do Episcopado Latino-americano e caribenho, em 1992, os bispos referiram-se à Virgem Maria como aquela “que pertence tão profundamente à identidade cristã de nossos povos latino-americanos” (Documento de Santo Domingo, n. 85) e também como “modelo e figura da Igreja ante toda forma de necessidade humana” (DSD, n 163).

Em outubro de 2002, João Paulo II convidou toda a Igreja a contemplar, com Maria, o rosto de Cristo a partir da recitação do Rosário, chamado de “compêndio do Evangelho”, o qual tem uma fisionomia tipicamente bíblica e cristológica (Cf. Carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, n. 19). E por ocasião do Ano da Eucaristia, em 2003, João Paulo II reafirmou a “exigência de uma espiritualidade eucarística, apontando como modelo Maria, ‘mulher eucarística’” (Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n.53).

Atualmente, mais uma vez reunidos para a V Conferência do Episcopado Latino-americano e caribenho, em 2007, os bispos se referiram à Virgem Maria como “a imagem esplêndida da conformação ao projeto trinitário que se cumpre em Cristo. Desde a sua Concepção Imaculada até sua Assunção, recorda-nos que a beleza do ser humano está toda no vínculo do amor com a Trindade” (Documento de Aparecida, n. 141). Pois “a máxima realização da existência cristã como um viver trinitário de “filhos no Filho” nos é dada na Virgem Maria que, através de sua fé (Cf. Lc 1,450) e obediência à vontade de Deus (Cf. Lc 1,38), assim como por sua constante meditação da Palavra e das ações de Jesus (Cf. Lc 2,19.51), é a discípula mais perfeita do Senhor. (DA, n. 266). Desse modo, “com ela, providencialmente unida à plenitude dos tempos (Cf. Gl 4,4) chega o cumprimento da esperança dos pobres e do desejo de salvação” (DA, n. 267).

Assim, desde a origem do cristianismo, “perseverando junto aos apóstolos à espera do Espírito (Cf. At 1,13-14), ela cooperou com o nascimento da Igreja missionária, imprimindo-lhe um selo mariano que a identifica profundamente. Como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a experimentarem como uma família, a família de Deus” (DA, Ibidem).

Ainda nas conclusões dessa mesma Conferência Episcopal, os bispos dizem que “Maria, Mãe da Igreja, além de modelo e paradigma da humanidade, é artífice de comunhão. Por isso, como a Virgem Maria, a Igreja é mãe. Esta visão mariana da Igreja é o melhor remédio para uma Igreja meramente funcional ou burocrática” (DA, n. 268). Em nossas comunidades, a forte presença de Maria “tem enriquecido e seguirá enriquecendo a dimensão materna da Igreja e sua atitude acolhedora, que a converte em ‘casa e escola da comunhão’ e em espaço espiritual que prepara para a missão” (DA, n. 272).

No que se refere à missão da Igreja, dizem os bispos que “Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários” (DA, n. 269). Hoje, “quando em nosso continente latino-americano e caribenho se quer enfatizar o discipulado e a missão, é ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento de Cristo” (DA, n. 270). Maria de Nazaré, que “‘conservava todas estas recordações e meditava em seu coração’ (Lc 2,19; Cf. 2,51), ensina-nos o primado da escuta da Palavra na vida do discípulo e missionário” (DA, n. 271).

Por aí vemos que Maria é presença constante na vida e na missão da Igreja. Portanto, “Não se pode falar da Igreja sem que esteja presente Maria” (Exortação Apostólica Marialis Cultus, sobre o culto mariano, n. 28). Assim, podemos afirmar que o momento que estamos vivendo é o momento de Maria, e que, por isso mesmo, a nossa espiritualidade de povo latino-americano é uma espiritualidade Mariana.

2. E o que nos diz o Segundo Testamento?

Alguns autores do Segundo Testamento, embora não pretendendo fazer uma biografia da Virgem Maria, recolheram e conservaram determinados textos que fazem referência a ela. Vejamos alguns relatos dentro de uma “linha do tempo”, elencados numa ordem cronológica:

O apóstolo Paulo, na carta aos Gálatas (cerca de 55 d.C.), mesmo não mencionando o nome de Maria, nos oferece uma referência explícita à ela: “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher (Gl 4,4);

O evangelista Marcos (cerca de 65 d.C.), por sua vez, nos mostra que essa “mulher” tem nome, como aparece numa das perguntas feitas na sinagoga de Nazaré: “Não é este o carpinteiro, o filho de Maria?” (6,3). Quanto a José, o pai de Jesus, ele aí não aparece no texto porque provavelmente já tinha morrido;

O evangelista Mateus (cerca de 75 d.C.), já no início do Evangelho, faz questão de apresentar o pai terreno de Jesus: “Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus” (Mt 1,16), pois ela “achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1,18.20). Com isso, ele defende a concepção virginal de Maria e nos mostra que Jesus é o Filho de Deus. Mas coloca José como sujeito participativo, comprometido, tanto no anúncio do anjo: “José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher... Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus” (Mt 1,20b), como na pergunta dos que estavam na sinagoga, a respeito de Jesus: “Não é ele o filho do carpinteiro?” (Mt 13,55);

O evangelista Lucas (cerca de 85 d.C.), no seu “primeiro relato” (At 1,1), o Evangelho, escrito “após cuidadosa investigação” (Lc 1,3), faz de Maria figura protagonizante: na anunciação: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1,28), ao que ela responde num contexto de fé-compromisso: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38); na visitação, saudada por Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1,42); na proclamação do Magnificat (Lc 1,46-55); ao dar à luz o seu Filho (Lc 2,1-20); na apresentação de Jesus (Lc 2,22-40); no reencontro do menino Jesus perdido no Templo (Lc 2,41-52); na participação ativa do ministério de Jesus (Lc 3—24). E no seu segundo relato, os Atos dos Apóstolos, para falar do envio do Espírito Santo “no dia de Pentecostes” (At 2,1-4), Lucas coloca Maria como presença decisiva na gestação da Igreja: “Todos, unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14).

O evangelista João (cerca de 95 d.C.), no Quarto Evangelho, sem jamais identificar Maria pelo seu nome próprio, apresenta a “mãe de Jesus”, no começo e no fim da vida pública de Jesus. Primeiro, nas “núpcias de Kanáh” (do verbo hebraico kanáh: resgatar, redimir: Cf. Jo 2,1-12), como inspiradora da sua missão e como co-redentora, por participar ativamente do processo de salvação, animando a comunidade a viver o seu exemplo de uma fé-serviço: “Eu sou a serva do Senhor” (Lc 1,38). Por isso, Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Nesta cena, a “mãe de Jesus” nos “ajuda a manter vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir os discípulos de seu Filho. Indica, além do mais, qual é a pedagogia para que os pobres, em cada comunidade cristã, ‘sintam-se como em sua casa’. Cria comunhão e educa para um estilo de vida compartilhada e solidária, em fraternidade, em atenção e acolhida do outro, especialmente se é pobre ou necessitado” (DA, n. 272). Depois, no fim do Evangelho, quando João coloca a “mãe de Jesus” “perto da cruz”, junto com o “discípulo a quem (Jesus) amava” (Jo 19,25-27). Exegeticamente entendemos este episódio como a ação do Redentor que, na cruz, une o povo da Primeira Aliança ao povo da Segunda Aliança. Ou seja, a Igreja-Mãe, simbolizada pela “mulher” acolhe a nova família de Deus (“Mulher, eis aí o teu filho!”), simbolizada pelo “discípulo a quem amava” (“Eis a tua mãe!”).

E no livro do Apocalipse, o evangelista João fala de “uma mulher” que “estava grávida” e que “deu à luz um filho, um varão, que irá reger todas as nações com um cetro de ferro” (Ap 12,5a). Na Mariologia posterior, essa “mulher” passou a ser identificada com Maria, a Mãe de Jesus, e o “filho” com o Messias davídico.


3. E na história da Igreja?

A Bíblia nos mostra que desde o começo os cristãos se reuniam para orar “com Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14), certos de que ela mostrava o caminho que é Jesus, como ele próprio se auto-definiu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). De fato, a verdadeira espiritualidade Mariana deve conduzir ao evangelho e a Jesus, pois Maria não é o fim, mas meio, a “medianeira”. Posteriormente, os cristãos acharam um jeito simples de prestar seu amor à Mãe de Jesus compondo a “Ave-Maria”. Esta é uma oração que nasceu da Bíblia: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre!” (Lc 1,28.42) e da vida do povo: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”, invocação esta acrescentada após o 3º Concílio Ecumênico de Éfeso, na Ásia Menor (431 d.C.).

Pela recitação do Rosário, o povo acabou descobrindo um modo singelo de se aproximar cada vez mais da pessoa de Jesus através de Maria. De fato, “esta familiaridade com o mistério de Jesus é facilitada pela reza do Rosário, onde o povo cristão aprende de Maria a contemplar a beleza do rosto de Cristo e a experimentar a profundidade de seu amor. Mediante o Rosário, o cristão obtém abundantes graças, como recebendo-as das próprias mãos da mãe do Redentor” (DA, n. 271).

Com o passar dos séculos, vemos que “os diversos nomes e os santuários espalhados por todo o Continente testemunham a presença de Maria próxima às pessoas e, ao mesmo tempo, manifestam a fé e a confiança que os devotos sentem por ela. Ela pertence a eles e eles a sentem como mãe e irmã” (DA, n. 269).


Conclusão

Em vista do exposto, podemos afirmar que o povo cristão é fortemente devoto de Nossa Senhora. Não há quem não reze ao menos uma “Ave-Maria”. Porque em Maria mulher, mãe de Jesus e mãe da Igreja se descobre já realizado o ideal que alimenta há muitos séculos, ideal da liberdade dos filhos e filhas de Deus. Pois Maria nos ensina, na prática, que Deus quer fazer conosco tudo o que ele já fez antecipadamente nela e com ela. O povo soube descobrir quem Maria realmente é a partir do que nos ensina a Bíblia e a caminhada da Igreja. É como dizia São Gregório de Nazianzo (Capadócia, Ásia Menor: 330-390), um dos chamados “Padres da Igreja”: “Se algum não reconhecer a Santa Maria como Mãe de Deus, é que se acha separado de Deus”.

Em nossa América Latina tão sofrida, a partir da fé em Jesus Vivo e da devoção a Maria, o povo de Deus na busca da libertação, cada vez mais avança na consciência, na solidariedade e na organização contra tudo aquilo que oprime. E aí Maria é não só a companheira de sua caminhada, mas também a porta-voz de seus desejos e esperanças.

Então, atendamos o pedido da Mãe de Jesus, sob o título de Nª Sª de Fátima, de rezarmos sempre. Assim sendo, supliquemos com muita fé em Deus e que “nos ajude a companhia sempre próxima, cheia de compreensão e ternura, de Maria Santíssima. Que ela nos mostre o fruto bendito de seu ventre e nos ensine a responder como fez no mistério da anunciação e encarnação” (DA, n. 553). Assim seja!

 
©2007 '' Por Elke di Barros