quinta-feira, 16 de julho de 2009

NOSSA SENHORA DO CARMO

Pe. Paulo Nunes de Araujo



Hoje, em todo o mundo, celebra-se a festa devocional de Nossa Senhora do Carmo, que é também a Padroeira da nossa Paróquia e desta Cidade de Miranda. Segundo a tradição carmelita, foi a 16 de julho de 1251, que Nossa Senhora, numa visão, entregou o escapulário do Carmelo a São Simão Stock com esta promessa: “Recebe, filho amado, este escapulário. Todo o que com ele morrer, não padecerá a perdição no fogo eterno. Ele é sinal de salvação, defesa nos perigos, aliança de paz e pacto perpétuo”. O título “do Carmo” recorda a ação do profeta Elias, que no monte Carmelo, em Israel, desmascarou os falsos deuses no tempo do rei Acab (Cf. 1Rs 18). Assim, em 1332, nasceu a “Festa de Nossa Senhora do Carmo”, celebrada a 16 de julho de cada ano. Em 1726, o papa Bento XIII fixou-a para toda a Igreja Católica.

Em nosso país, esta devoção acontece desde 1580, quando os frades carmelitas, vindos de Portugal, estabeleceram-se na cidade de Olinda, em Pernambuco, e fundaram o primeiro convento da Ordem Carmelita nas Américas.

Aqui em nossa cidade de Miranda, esta devoção ocorre desde 1797, quando foi erigida uma Capela em honra a Nossa Senhora do Carmo, por seu fiel devoto, o Capitão Francisco Rodrigues do Prado, irmão do Capitão João Leme do Prado, que no dia 16 de julho de 1778, havia lançado os alicerces do presídio Nossa Senhora do Carmo do Rio Mondego, com o objetivo principal de se precaver contra possíveis investidas dos castelhanos de Assunção. Mas foi a partir daquela data (1797), que a Virgem Maria passou a ser venerada como Padroeira do Povoado, que a 30 de maio 1857, viria a se tornar o “Município de Miranda”, pela Lei Provincial n. 1.

Para nós cristãos-católicos, do ponto de vista da sã Teologia e da autêntica espiritualidade mariana, é lamentável que a Virgem Maria, a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e mãe da Igreja, seja lembrada nesta data aqui em Miranda, como patrocinadora da inimizade entre seus filhos, nossos irmãos, os “castelhanos de Assunção”. Porque não é esta a ótica do Evangelho e também ensinam nossos bispos que “como mãe de tantos, Maria fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a experimentarem como uma família, a família de Deus” (Documento de Aparecida, n. 267).

Assim sendo, de 1779 para cá, há exatamente duzentos e doze anos ininterruptamente, se realiza aqui em Miranda a Novena de Nossa Senhora do Carmo, que é celebrada nas casas, nas comunidades e nos setores, acompanhada da tradicional Festa. Neste ano, a Novena teve como tema: “Com Maria, somos Igreja em missão” e como lema: “Sem Maria, a nossa festa não tem graça”. Foi maravilhoso ver as famílias se reunindo para refletir, rezar e estabelecer uma gostosa convivência. Enfim, a cidade inteira se envolveu neste evento de devoção e fé.

Isso demonstra concretamente que “a devoção a Maria é um elemento ‘qualificador’ e ‘intrínseco’ da ‘genuína piedade da Igreja’ e do ‘culto cristão’. Sabe o povo que encontra Maria na Igreja Católica. A piedade Mariana é com freqüência o vínculo resistente que mantém fiéis à Igreja setores que carecem de atenção pastoral adequada. O povo fiel reconhece na Igreja a família que tem por mãe a Mãe de Deus” (Documento de Puebla, nn. 283-285).

Assim é desde a origem do cristianismo, quando Maria, “perseverando junto aos apóstolos à espera do Espírito (cf. At 1,13-14), cooperou com o nascimento da Igreja missionária, imprimindo-lhe um selo mariano que a identifica profundamente. Como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a experimentarem como uma família, a família de Deus” (DA, n. 267).

Maria é mãe de todos nós. Hoje, iluminados pela Palavra que ouvimos, o profeta Zacarias nos ensina que todos os povos, indistintamente, fazem parte do único povo de Deus, pois Ele “habita” em seu meio. Para nós, cristãos e católicos, além da presença de Deus-Pai, “a Igreja-família é gerada ao redor de uma mãe, que confere “alma” e ternura à convivência familiar. Maria atrai multidões à comunhão com Jesus e sua Igreja. Por isso, como a Virgem Maria, a Igreja é mãe” (DA, n. 268).

No Magnificat, o cântico de Maria, Lucas nos apresenta um Deus que vem, através de Jesus, para libertar os sofredores e estabelecer uma sociedade nova, onde as relações sejam fraternas. Desse modo, “com Maria, providencialmente unida à plenitude dos tempos (Cf. Gl 4,4) chega o cumprimento da esperança dos pobres e do desejo de salvação” (DA, n. 267).

E no Evangelho segundo Mateus, Jesus nos ensina que faz parte da sua verdadeira “família” não quem fica “de fora”, alienado, descomprometido, mas quem está “ao seu redor”, comprometido com ele pela fé, continuando a sua missão e realizando a vontade de Deus. Neste sentido, no que se refere à missão da Igreja, “Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários” (DA, n. 269). Hoje, “quando em nosso continente latino-americano e caribenho se quer enfatizar o discipulado e a missão, é ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento de Cristo” (DA, n. 270). Maria de Nazaré, que “‘conservava todas estas recordações e meditava em seu coração’ (Lc 2,19; Cf. Lc 2,51), ensina-nos o primado da escuta da Palavra na vida do discípulo e missionário” (DA, n. 271). Por aí vemos que Maria é presença constante na vida e na missão da Igreja. Portanto, “Não se pode falar da Igreja sem que esteja presente Maria” (Exortação Apostólica Marialis Cultus, n. 28).

Nesta festa de hoje, reunidos “com Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14), queremos pedir a Deus, por sua intercessão, que nos mantenha sempre alimentados de três pães essenciais:

a) O Pão da Palavra: alimento da vida comunitária e da missão. Pois é da escuta da Palavra que brota a conversão e a vida missionária; é da escuta da Palavra que surge a força para se viver em comunhão. Desejo que nossa Igreja se nutra cada dia com o Pão da Palavra, somente desta atitude de colocar-se á escuta da Palavra pode surgir um testemunho profético que esteja em sintonia com o profetismo de Jesus. Que nossa pastoral seja animada pela Palavra, “animação bíblica da pastoral” (DA, n. 248). É da fonte da Palavra que deve brotar nossa ação em favor do Reino. Portanto, atendamos o mandato de Jesus: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16);

b) O Pão da Eucaristia: fonte de comunhão e vida solidária. Conforme ensina o Magistério, “existe estreito vínculo entre as três dimensões da vocação cristã: crer, celebrar e viver o mistério de Jesus Cristo, de tal forma que a existência cristã adquira verdadeiramente forma eucarística” (DA, n. 251). É na liturgia que ao celebrarmos o mistério Pascal, encontramos o Senhor e penetramos mais intimamente nos mistérios do Reino. Por isso, “a Eucaristia é fonte e ápice da vida cristã” (LG, n. 11). Desse modo, pela celebração Eucarística já nos unimos à liturgia do céu e antecipamos a vida eterna, quando “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28);

c) O Pão da Amizade: para testemunhar o amor. Não pode existir vida cristã fora da comunidade. “Como os primeiros cristãos que se reuniam em comunidade, o discípulo participa na vida da Igreja e no encontro com os irmãos, vivendo o amor de Cristo na vida fraterna solidária” (DA, n. 278d). É na comunidade que vivenciamos o amor ao Mestre Jesus e o amor aos condiscípulos. É na comunidade que vivemos, na pessoa dos irmãos, a amizade com Jesus que disse: “Já não vos chamo servos mas amigos” (Jo 15,15). Portanto, é necessário revitalizar a comunidade diante do desafio da fragmentação da vida e o individualismo de um lado e a busca de relações mais humanas de outro lado: “A vida fraterna em comunidade gera e alimenta atitudes de apoio mútuo, reconciliação, solidariedade e compromisso” (DGAE/2008-2010, n. 150). E aqui, mais uma vez Maria é para nós “escola da comunhão” (DA, n. 272).

Concluindo, podemos afirmar que o povo cristão é fortemente devoto de Nossa Senhora. Não há quem não reze ao menos uma “Ave-Maria”. Porque em Maria mulher, mãe de Jesus e mãe da Igreja se descobre já realizado o ideal que alimenta há muitos séculos, ideal da liberdade dos filhos e filhas de Deus. Pois Maria nos ensina, na prática, que Deus quer fazer conosco tudo o que ele já fez antecipadamente nela e com ela. O povo soube descobrir quem Maria realmente é a partir do que nos ensina a Bíblia e a caminhada da Igreja. Dizia São Gregório de Nazianzo (séc. IV), um dos chamados “Padres da Igreja”: “Se alguém não reconhecer a Santa Maria como Mãe de Deus, é que se acha separado de Deus”.

E hoje, parabenizando esta linda cidade de Miranda, pelos seus 231 anos de existência, peço a Virgem Maria, sob o título de Nossa Senhora do Carmo, que proteja e abençoe todos os mirandenses, tanto os da cidade, quanto os da região rural e das áreas indígenas. Que pela nossa devoção à Maria e fé em Jesus, nos irmanemos numa luta comum a favor na nossa cidade, a fim de que seja cada vez mais unida e empenhada na busca do bem-estar para todos. Nessa luta, certamente Maria é não só a companheira de nossa caminhada, mas também a porta-voz de nossos desejos e esperanças.

 
©2007 '' Por Elke di Barros