domingo, 26 de julho de 2009

O DIA DO PADRE (4/08)

Pe. Paulo Nunes de Araujo


Para nós, cristãos e católicos, o mês de Agosto é o “mês vocacional”. A inspiração para essa ocasião tão especial vem do Concílio Vaticano II que, sem dúvida, foi “um momento de reflexão global da Igreja sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo” (João Paulo II, 1995). Nesse âmbito, era urgente despertar a consciência de todas as comunidades para a sua co-responsabilidade, face aos apelos do mundo e visível crise de vocações de modo geral, mas especialmente as de particular consagração.

A partir daí, várias iniciativas foram tomadas. Mas foi na 19ª Assembléia Geral da CNBB, realizada de 17 a 26/02/1981, em Itaici, Indaiatuba (SP), que os bispos instituíram o mês de agosto como o “Mês Vocacional” para todo o Brasil, uma vez que o assunto discutido nessa Assembléia foi: “Vocações, Vida e Ministério do Presbítero”.

Tomou-se o mês de agosto porque exatamente no dia 4 do referido mês, a Igreja faz memória da morte de “João Maria Vianney, o Santo Patrono de todos os párocos do mundo” (Bento XVI. Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal por ocasião do 150º aniversário do dies natalis do Santo Cura d’Ars, 16/06/2009).

Assim sendo, no transcurso dos domingos do mês de agosto, a Igreja Católica no Brasil, como de costume, celebra alguns aspectos da vocação cristã. No primeiro domingo, dia 2, celebraremos a vocação ao ministério ordenado como presbítero; no segundo domingo, dia 9, a vocação à paternidade, recordando o chamado a gerar vida, a continuar a obra criadora de Deus. Destaca-se aí a linda vocação de ser pai e ser mãe, constituir família, assumir um estado de vida na Igreja; no terceiro domingo, dia 16, vocação à vida religiosa, tanto masculina quanto feminina, motivados pela festa da “Assunção de Nossa Senhora”, modelo de todos aqueles que dizem “sim” ao chamado de Deus.

Como neste ano o mês de agosto consta de cinco domingos, no quarto domingo, dia 23, celebraremos os vários ministérios e serviços pastorais existentes na comunidade; e, por fim, no quinto domingo, dia 30, a vocação a ser catequista, isto é, pessoas que, como na origem da Igreja, a partir da catequese bíblica, buscam responder ao chamado do Senhor dedicando-se ao “ensinamento dos apóstolos” (At 2,42), para que a comunidade cresça na fé e no compromisso.

Face a esse cenário, voltemos ao assunto destacante deste artigo: o “dia do padre”. Em razão dessa data, o papa Bento XVI proclamou um “Ano Sacerdotal”, por ocasião do 150º aniversário da morte de João Maria Vianney, o Santo Cura d’Ars, Patrono de todos os presbíteros do mundo. João Maria Vianney viveu intensamente seu sacerdócio e buscou na oração, na Palavra e na Eucaristia forças para servir a Deus nos irmãos e irmãs que o procuravam. Foi realmente um homem-padre, um padre-homem, um sacerdote, um santo. O tema escolhido para o Ano Sacerdotal é: “Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote”.

Segundo a presidência da CNBB, “o Ano Sacerdotal seja espaço para intensificar e promover a santificação dos sacerdotes e ajudá-los a perceberem cada vez mais a importância do seu papel e de sua missão na Igreja e na sociedade contemporânea” (D. Geraldo Lyrio Rocha. Carta da CNBB aos presbíteros do Brasil em comemoração a abertura do Ano Sacerdotal, em: Notícias da CNBB, 18/6/2009).

Esta homenagem aos sacerdotes é bem merecida, pela importância daqueles que Deus escolheu e chamou para serem seus interlocutores entre o seu povo. Mas é preciso que as pessoas entendam melhor o que é o padre, o sacerdote e o presbítero, três expressões atribuídas ao mesmo Ministro Ordenado. O padre (do latim: patre: pai), é aquele que como um pai, aconselha, corrige, dá esperança aos filhos e filhas quando é preciso. O sacerdote (do latim: sacerdos) é aquele que oferece a Deus o sacrifício de louvor, que consagra, que abençoa, que dirige a Deus preces em favor do povo, que comunica a graça através dos sacramentos (Cf. Hb 5,1-3). De fato, esta palavra latina tem duas origens etimológicas: “sacra dos” (aquele que “dá coisas sagradas”) e/ou “sacra dans” (aquele que é ungido com um “dom sagrado”). Nesse ofício de dar coisas sagradas (“sacra dos”), certamente se exige de quem o exerce, a posse de um dom especial (“sacra dans”). Se esse dom não é transmitido por Deus, não há sacerdócio. E o presbítero (do grego: presbíteros: ancião), é como que o irmão mais velho, respeitável, aquele que tem a sabedoria colhida da experiência de vida, aquele que ensina. Por aí vemos que o padre é um ser humano, amado e consagrado para servir.

Com esses dados, certamente fica mais fácil compreender a riqueza de ministérios na comunidade, sabendo sempre que não existe uma única função como a do Ministro Ordenado. Pois a principal função, como nos ensina o apostolo Paulo, é da “caridade” (1Cor 13,13), “o dom mais alto” (1Cor 12,31a). Portanto, ser padre, ser sacerdote e ser presbítero, sem viver na prática esse amor despojado como razão da nossa vocação, por mais qualidades, dons e carismas que tivermos, “isso nada adianta” (1Cor 12,3c). Porque a caridade é “o amor que eu quero” (Os 6,6; Mt 9,13; 12,7), como o próprio Deus nos pede; a caridade é o amor em abundância, “a boa medida, calcada, sacudida, transbordante” (Lc 6,38) e que tudo ultrapassa. E isso deve ser característico de todos nós, vocacionados e vocacionadas, pois “cada um, segundo a sua própria condição, é chamado a desempenhar a missão que Deus destinou a Igreja no mundo” (Cânon 204, § 1).

Recentemente, ao tratar da “Comunhão dos discípulos missionários na Igreja” (Capítulo V, do Documento de Aparecida), especificamente os “discípulos missionários com vocações especificas”, buscando tracejar a “identidade e missão dos presbíteros”, o Magistério eclesial latino-americano e caribenho apontou alguns desafios “que afetam e desafiam a vida e o ministério de nossos presbíteros” (DA, n. 192):

a) A identidade teológica do ministério presbiteral: “O sacerdote não pode cair na tentação de se considerar somente um mero delegado ou só um representante da comunidade, mas sim em ser um dom para ela, pela unção do Espírito e por sua especial união com Cristo. “Todo Sumo Sacerdote é tomado dentre os homens e colocado para intervir a favor dos homens em tudo aquilo que se refere ao serviço de Deus” (Hb 5,1)” (DA, n. 193);

b) O ministério do presbítero inserido na cultura atual: “O presbítero é chamado a conhecê-la para semear nela a semente do Evangelho, ou seja, para que a mensagem de Jesus chegue a ser uma interpelação válida, compreensível, cheia de esperança e relevante para a vida do homem e da mulher de hoje, especialmente para os jovens. Este desafio inclui a necessidade de potencializar adequadamente a formação inicial e permanente dos presbíteros, em suas quatro dimensões: humana, espiritual, intelectual e pastoral” (DA, n. 194);

c) As situações que incidem em sua existência (aspectos vitais e afetivos, o celibato e a vida espiritual): “Para que o ministério do presbítero seja coerente e testemunhal, ele deve amar e realizar sua tarefa pastoral em comunhão com o bispo e com os demais presbíteros da diocese. O ministério sacerdotal que brota da Ordem Sagrada tem uma “radical forma comunitária” e só pode ser desenvolvido como uma “tarefa coletiva”. O sacerdote deve ser homem de oração, maduro em sua opção de vida por Deus, fazer uso dos meios de perseverança, como o Sacramento da confissão, da devoção à Santíssima Virgem, da mortificação e da entrega apaixonada por sua missão pastoral” (DA, n. 195);

d) A existência de paróquias muito grandes, que “dificultam o exercício de uma pastoral adequada” (DA, n. 197);

e) A existência de paróquias muito pobres, “que fazem com que os pastores se dediquem a outras tarefas para poder subsistir” (DA, n. 197);

f) “A existência de paróquias situadas em regiões de extrema violência e insegurança” (DA, n. 197);

g) “A falta e má distribuição de presbíteros nas Igrejas do Continente” (DA, n. 197).

Além disso, concretamente são “inumeráveis situações de sofrimento em que se encontram imersos muitos sacerdotes, ou porque participantes da experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, ou porque incompreendidos pelos próprios destinatários do seu ministério: como não recordar tantos sacerdotes ofendidos na sua dignidade, impedidos na sua missão e, às vezes, mesmo perseguidos até ao supremo testemunho do sangue? (Bento XVI. Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal por ocasião do 150º aniversário do dies natalis do Santo Cura d’Ars, 16/06/2009).

São desafios pertinentes que atingem toda a nossa vivência como sacerdotes, porque “falar da dimensão humano-afetiva requer observar a dimensão comunitária, pois o padre vive numa realidade, que mexe com os seus sentimentos. Da mesma forma, falar da dimensão espiritual requer observar que ela tem uma ligação direta com a dimensão pastoral” (D. Sérgio Rocha. Coletiva de imprensa realizada na 47ª edição da Assembléia Geral dos Bispos do Brasil, em: Notícias da CNBB, 22/04/09). De fato, não somos “super-homens”, impassíveis. Temos que assumir positivamente a nossa dimensão pessoal, pois “o presbítero, antes de tudo, é um homem, é um cristão” (Estudo da CNBB, 88, n. 131), “pelo batismo, filho de Deus” (Doc. da CNBB, 75, n. 4; Cf. Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,22). E por ser um homem, “é preciso ter presente que a Igreja não pretende que só gente perfeita seja considerada digna do ministério” (Estudo da CNBB, 88, n. 132).

Neste aspecto, fundamental é a relação bispo-padre e padre-bispo. Vale aqui a orientação da própria Igreja ao ensinar que o bispo “considere os sacerdotes, seus cooperadores, como filhos e amigos, a exemplo de Cristo que chamou seus discípulos não de servos, mas de amigos” (LG, n. 28; Cf. CD, n. 16; Jo 15,15), isto “por causa desta comunhão no mesmo sacerdócio e ministério” (PO, n. 7). No próprio rito do Sacramento da Ordem, “o ósculo da paz do Bispo no fim da liturgia da ordenação significa que o Bispo os considera como seus colaboradores, filhos, irmãos e amigos” (Catecismo, n. 1567), e em toda e qualquer ocasião, inclusive nos conflitos (Cf. Estudo da CNBB, 88, n. 133; DA, n. 200). Assim, o papa Bento XVI exorta que os sacerdotes “devem receber de modo preferencial a atenção e o cuidado paterno dos seus Bispos, pois são os primeiros agentes de uma autêntica renovação da vida cristã no povo de Deus. A eles quero dirigir uma palavra de afeto paterno” (DA: Discurso Inaugural, n. 5b). Assim sendo, “é preciso que esta comunhão entre os sacerdotes e com o respectivo Bispo, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e afetiva” (Bento XVI. Carta para a proclamação de um Ano Sacerdotal por ocasião do 150º aniversário do dies natalis do Santo Cura d’Ars, 16/06/2009)

Face a este assunto, destaco aqui o lindo testemunho de um bispo bastante conhecido e reconhecido: “se o Papa João Paulo II já pediu 94 perdões em seu pontificado, não tenho nenhuma dificuldade em pedir perdão e perdoar nossos padres. Eles não precisam tanto dos nossos elogios, mas da nossa compreensão e colaboração” (D. Orlando Brandes. Carta aos padres, em: Notícias da CNBB, 6/8/2008). E não poderia deixar de mencionar a humilde postura de São Francisco de Assis: “Quero temer, honrar e amar os sacerdotes como meus senhores, pois neles está o Filho de Deus. Não levo em consideração os seus pecados porque reconheço neles o Filho de Deus e eles são os meus senhores”.

Por conseqüência disso, noto aqui o sentido e a razão desta veemente aspiração episcopal em relação aos padres: “gostaríamos de vê-los misericordiosos, bondosos, atenciosos, compassivos, generosos, acolhedores e homens de oração” (Doc. da CNBB, 75, n. 11; Cf. DA, n. 198; Lc 6,36; Cl 4,2), aspirando “àquela santidade sempre maior, que os fará instrumentos de dia em dia mais aptos para o serviço de todo o Povo de Deus” (PO, n. 12).

Orienta ainda o Magistério eclesial que os padres “trabalhem juntos na mesma obra, a edificação do Corpo de Cristo, estejam unidos entre si com o vínculo da fraternidade e da oração, e fomentem a mútua cooperação” (Cânon 275, § 1); que “busquem a santidade por uma razão peculiar, pois, consagrados a Deus através da Ordem, são administradores dos mistérios do senhor a serviço do seu povo” (Cânon 276, § 1).

Por outro lado, tenho a certeza de que todos nós os padres estamos concordes que “o Povo de Deus sente a necessidade de presbíteros-discípulos: que tenham uma profunda experiência de Deus, configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis às orientações do Espírito, que se nutram da Palavra de Deus, da Eucaristia e da oração; de presbíteros-missionários, movidos pela caridade pastoral: que os leve a cuidar do rebanho a eles confiados e a procurar aos mais distanciados pregando a Palavra de Deus, sempre em profunda comunhão com seu Bispo, os presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas e leigos; de presbíteros-servis da vida: que estejam atentos às necessidades dos mais pobres, comprometidos na defesa dos direitos dos mais fracos e promotores da cultura da solidariedade. Também de presbíteros cheios de misericórdia, disponíveis para administrar o sacramento da reconciliação” (DA, n. 199. Os realces gráficos são meus).

Face a essa realidade de desafios e de apelos, o que sobejamente nos conforta como padres é a força que vem de Jesus. O evangelista Lucas diz que ele “foi para a montanha a fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus. Ao amanhecer chamou seus discípulos e escolheu doze dentre eles” (Lc 6,12-13). E ao despedir-se deste mundo, Jesus também rezou pelos seus escolhidos: “Pai, não te peço para tirá-los do mundo, mas para guardá-los do Maligno. Consagra-os com a verdade: a verdade é a tua palavra. Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo. Em favor deles eu me consagro, a fim de que eles também sejam consagrados com a verdade” (Jo 17,16.17-19). Esta oração de Jesus a nosso favor, é a garantia de que a nossa missão, apesar dos percalços na caminhada, será positiva. Não estamos sozinhos. Além da Trindade Divina e da Virgem Maria, contamos com o apoio dos irmãos no mesmo ministério, com diz a letra da música: “essa estrada eu bem sei, não comporta a solidão; tenho amigos que comigo também vão. Nosso jeito de falar, de amar e de servir, é o jeito de Jesus que faz feliz” (Jorge Trevisol. Como posso não seguir?).

Assim sendo, neste “Dia do padre”, convido a todos os meus colegas e irmãos de caminhada, que mantenhamos sempre viva em nosso coração a admoestação do apóstolo aos presbíteros: “cuidem do rebanho de Deus que lhes foi confiado, não por imposição, mas por livre e espontânea vontade, como Deus o quer; não por causa do lucro sujo, mas com generosidade; não como donos daqueles que lhes foram confiados, mas como modelos para o rebanho” (Pd 5,2-3).

Para concluir, peço que Deus nos abençoe e que a Virgem Maria, a quem confio nossas preocupações, expectativas e esperanças, nos acompanhe com a sua ternura e nos mostre sempre que o amor de Jesus Cristo e a Jesus Cristo é e precisa ser o fundamento de nossa vida e missão. E que São João Maria Vianney, o Santo Patrono de todos os sacerdotes do mundo, interceda por nós, ao longo deste Ano Sacerdotal, a fim de que “suscite no ânimo de cada presbítero um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à Igreja” que o inspiraram, tornando-nos cada vez mais homens de Deus e homens do povo.

 
©2007 '' Por Elke di Barros